Vento e Areia

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"O vento apaga a vela e atiça as lembranças."

Ricardo Güiraldes.

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Falavam que eram mal-assombradas e que encerravam estórias de arrepiar o cabelo da nuca. Mas, eu não conseguia encontrar alguém disposto a falar daquelas ruínas, plantadas no alto dos areais da Lagoa dos Patos. Uns diziam que em 35 aquartelou um regimento das tropas farroupilhas, enquanto outros só abanavam a cabeça, fazendo um gesto vago no ar:

"São conversas pr'a boi dormir."

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Mesmo assim, aquilo me deixava encasquetado. Guri da cidade, eu ouvia de boca aberta os causos que contavam ao redor do fogo no galpão das carroças, mas não sabia no que acreditar e no que duvidar. Às vezes tentava me socorrer da mãe, que não tinha lá muita paciência para remoer coisas antigas ou comentar conversas de peão. Então, uma vez, engoli em seco, tomei coragem e fui falar com meu avô Picurra, que olhava de longe para o gado no pasto, parecendo manso e feliz com o que via. 

O que ouvi, foram narrativas de antigamente que guardei por muito tempo. Talvez por seu lado sobrenatural e pelas lendas imaginadas sabe-se lá por quem. O avô contou que o casarão da Lagoa foi construído pelos escravos, quando a comarca ainda se chamava Nossa Senhora das Dores de Camaquã e fazia parte da Província do Rio Grande de São Pedro. 

E que aquelas ruínas, que hoje assustam quem passa por perto, têm segredos muito bem guardados - e muitos esquecidos. Seu último morador foi um capitão, Florêncio Martins, que morreu de varíola e que foi enterrado debaixo de uma lápide sem nome no cemitério da coxilha. 

Ele era bisneto do coronel de cavalaria Gomes Martins, maragato dos bons e veterano de revoluções. A seu tempo, o casarão tinha 25 quartos redeando um pátio com palmeiras. Além de galpões, cocheiras para cavalos, uma grande mangueira e um redondel de domar chucros. No entanto, o tempo não perdoa, quem sabia do que aconteceu no casarão, não está mais aqui para contar. Uns falam de um pescador muito do curioso que se aventurou por lá, não viu bolas-de-fogo, nem almas-penadas, mas sentiu os ossos gelados com o vento que sopra da Lagoa o tempo todo.

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Anos depois, por puro acaso, encontro com um primo mais velho e conversamos sobre os bons tempos na fazenda do Passo Grande. Na hora de despedir, arrisco perguntar sobre o casarão da Lagoa. Me parece surpreso ou contrariado, mas responde, já se afastando:

"- Foi engolido pelos areais. Não sobrou nada."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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