Ventos e violinos

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Só de ouvir o vento passar,

vale a pena ter nascido."

Fernando Pessoa.

Carrego comigo cenas e imagens que restaram de outros tempos e de outras andanças. Que retornam sem avisar, assim como um daqueles caleidoscópios da nossa infância; embaralham cores e luzes, sons e paisagens sem relação umas com as outras. E me deixam a imaginar que são meus esquecimentos que acordam, disparados por um gatilho misterioso e improvável. Quem sabe, replicando o que aconteceu com Orson Welles e seu trenó de neve ou com a madeleine de Marcel Proust. 

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Certa vez, não há muito tempo, acordei no meio da noite, com o vento batendo na janela aberta. Estava em um quarto de hotel de uma cidade qualquer e sonhava um sonho antigo, de quando era criança e dormia aninhado no ombro da mãe e ouvindo o tuque-tuque do motor do barco que navegava pela Lagoa dos Patos. Acordei com o vento vindo do Sul trazendo o som das ondas marulharem no trapiche de tábuas negras. E no fim do cais, a mesma charrete verde aguardava para seguir viagem por campos e areais adentro. Na noite quieta, se ouve a batida ritmada dos cascos do cavalo e o pio de uma coruja assustada. No ar, cheiros de eucaliptos e de aroeiras em flor. 

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De outros dias e de outros tempos, chegam fragmentos mais sombrios, de deixar um travo amargo na boca. Como quando o pai contava do irmão Armando tocando discos de violino na vitrola depois que ficou viúvo. E o mais estranho veio um ano depois - quando o tio morreu. Eu estava no jardim da casa da Avenida José Bonifácio quando se ouviu tocar um triste solo de violino. Pensei que era coisa da minha cabeça, mas então, notei o padre Anselmo se benzer três vezes. 

Esqueci daquilo, mas tempos depois, um amigo músico me disse que os colegas violinistas nunca executavam certas músicas com fama de atrair má sorte. E deu o exemplo do 'Capricho nº 24 para Violino', de Niccolò Paganini. Contou que o famoso violinista fez um pacto com o diabo para ser o maior violinista de todos os tempos. Mas, ao tocar o Capricho, rompeu as cordas de seu violino.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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