Viajante de si mesmo

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Certa vez, o chef Anthony Bourdain, em palestra em um seminário de gastronomia, comparou o ritual de cozinhar às suas viagens em busca de pratos exóticos ou inusitados:

"- Viajar e cozinhar nem sempre é um prazer. Não garante conforto e às vezes, machuca seu coração. Mas é uma jornada que vai mudar você - ou pelo menos devia mudar seu jeito de ser. Deixa marcas em sua memória, na sua consciência, em seu coração. Você sempre traz alguma coisa na volta para casa. E também deve ter deixado alguma coisa pelo caminho."

Outro viajante incorrigível foi Sir Richard Burton, o ator que gostava de interpretar Shakespeare fora do circuito Londres/New York. Quanto mais distante a cidade, maior interessante o desafio, dizia. Para ele, o grande momento da viagem era a antecipação que precede a partida - quase sempre mais satisfatório do que o final da viagem:

"- O mais prazeiroso momento da vida é o que antecede a partida para uma terra desconhecida."

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Quando o Viajante regressava a uma cidade estrangeira, da qual guardava boas lembranças, sentia-se tomado por um vago sentimento de ambigüidade, o mesmo que assombra os viajantes compulsivos:

"Seria este mesmo lugar, onde verdadeiramente

me sentirei em casa?"

Mas, à medida em que se sucediam as descobertas e se abriam os caminhos, não existe mais arrependimentos. Mas lhe fica a pergunta de como teria sido se tivesse acompanhado o amigo que certa vez embarcou em um cargueiro para Marselha. Em suas jornadas, o Viajante compulsivo procura colher alegrias e evitar decepções. Mas não escapa de fantasiar:

"Se tivesse embarcado naquele cargueiro, estaria morando aqui,  almoçando naquele bistrot de frente para o rio e adormecendo à sombra de olmos antigos".

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Seu prazer era descobrir uma cidadezinha de casas brancas, em um vale entre montanhas, longe da auto-estrada e ignorada pelos guias de viagem. Esquecidos sentimentos eram acordados por uma igreja normanda abandonada ou um pequeno pub de fim-de-rua.

"...e eu que passei a vida sem este encantamento..."

Mesmo assim, o impulso de permanecer naqueles lugares por muito tempo durava pouco. Acordava em uma certa manhã, ouvindo o alarme que lembrava ser hora de regressar. Ao retomar o caminho  de volta, já experimentava a ausência dos lugares que acabara de deixar. Então lembrava o que sentenciava o poeta Lord Byron, para acalmar o desejo de permanência:

"O presente sempre muda o passado. Olhar para trás não mostra o que deixamos pelo caminho."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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