Viajante de si mesmo

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"As viagens são os viajantes.

Para viajar basta existir."

Bernardo Soares.

O poeta português Fernando Pessoa viveu a maior parte de sua existência em Lisboa, cidade onde nasceu e morreu. Viajou muito pouco, África do Sul, Açores e Algarve. No entanto, viagens e viajantes é um tema que percorre toda sua obra, evocando a herança dos grandes navegadores portugueses. Passou toda a sua vida adulta em Lisboa, cidade pela qual se declarava eterno apaixonado.

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Coube a seu heterônimo Bernardo Soares identificar as viagens que o mais o seduziam:

"Minhas melhores viagens são os livros da Biblioteca Nacional ou das livrarias do

Chiado. Gosto da rotina da cidade, de me perder em seu mundo de ideias,

sem pontos de partida nem de chegada."

Para o poeta, viajar tinha significados múltiplos, inclusive os encontros e as difíceis despedidas de amigos que viajavam para Paris. Frequentava a estação de trens do Rossio, onde se despedia de amigos e pessoas caras, sem a certeza que as veria novamente. E escreveu:

"Partir! Partir é viver excessivamente. O que é tudo, senão partir?"

Lisboa era seu território familiar, pontuado por lugares preferidos que visitava com frequência. Como a tradicionalíssima Livraria Bertrand, no Chiado e o Cais da Rocha do Conde de Óbidos, de onde ele se despedia de amigos que navegavam para lugares distantes. Percorria também um roteiro pelos antigos cafés do centro, como o Café Martinho da Arcada, na Praça do Comércio e o inevitável A Brasileira, escala obrigatória para os leitores do poeta. Em 1925, Fernando Pessoa escreveu um pequeno guia de Lisboa, com a intenção de mostrar aos visitantes a grandeza e a história da cidade. Afirmava que Lisboa era muito mais do que uma coleção de cartões-postais e que o visitante deveria conhecer sua origem e história, que absorveu as heranças de fenícios, godos, romanos e muçulmanos. O guia lista as praças monumentais, como a Praça de Luís de Camões e o Terreiro do Paço, a mais antiga de Lisboa e uma das maiores da Europa, destruída - e depois reconstruída - no terremoto de 1755: 

"Passo horas no Terreiro do Paço, à beira do Tejo,

meditando em vão. A minha impaciência constantemente

me quer arrancar desse sossego e a minha inércia

constantemente me detém nele".

 

E assim resume os sentimentos de um viajante de si mesmo:

"Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.

Sentir tudo de todas as maneiras.

Sentir tudo, excessivamente."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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