Desconto de Natal
E num dia 25 de dezembro, um holofote a laser brilhou no céu. Três executivos de marketing viram e se renderam ao sinal: Oba! …
E num dia 25 de dezembro, um holofote a laser brilhou no céu. Três executivos de marketing viram e se renderam ao sinal: Oba! Tinha nascido uma oportunidade promocional. No bolso interno do paletó, seus palmtops palpitavam de emoção. Dentro de seus armanis, pegaram seus carros prateados e se mandaram pro local. Longe não era, porém queriam impressionar na chegada, daí foram parando pela lojas do caminho. Encheram os carros de faiscantes, luminosos, metalizados, multicoloridos, sonoros e portáteis gadgets eletrônicos. Reverentes, retomaram o rumo do brilho no céu. Em outro bairro, um casal de vida modesta - apenas 12 cartões de crédito internacionais - tinha saído da sua mansão, cuja reforma complicara nas obras. Marido e mulher se acomodaram, temporariamente, num apart-hotel. Estavam grávidos do primeiro filho. De circunstâncias estranhas, essa gestação. O marido, dono de uma indústria moveleira, era estéril e fazia tratamento com inovadoras drogas americanas. Eram capazes de fazer cactus darem melancia, as apregoadas. E a mulher, fazia terapia: tivera visões de um ser alado descendo das alturas ao seu encontro. Testemunhas juravam ter visto um pára-pente numa madrugada cair atrás dos andaimes da mansão. Bom, coincidência ou não, tinha sido há 9 meses. Descoincidindo tudo, acabaram por fazer fertilização. In-vitro véritas. A barriga cresceu, o moveleiro todo satisfeito, a mulher toda terapeutizada, iniciaram as obras da casa. O primogênito merecia aposentos especiais. Cores apropriadas, arejamento, orientação solar, janelões pro jardim, essas simples providências que qualquer criatura de Deus faz jus. A estadia no apart-hotel não fora fácil de aceitar. Peregrinaram em vão por hotéis 5 estrelas. Sabe como é algumas épocas do ano. Pra piorar, começara uma perseguição. Imposto de renda, credores diversos, cobranças complementares da clínica, engenheiros reorçando a obra, cartões pressionando por um novo padrão de gastos. A matéria com a qual se fazem os pesadelos. Nessas condições, quem não se estressa? Melhor relaxar. A barriguda e o moveleiro programaram uma esticada noturna. Escolheram o mais modesto dos carros importados, roupas menos chiques, nada de documentos. Incógnitos e felizes. Sempre se esgueirando, evitando paparazzis sedentos por escândalos. Assim foram parar na periferia. Foi lá que sobrevieram as dores do parto. Foi então que a urgência não teve remédio: sem o cartão do plano de saúde vip, entraram numa pet-shop aberta 24 horas. Ali mesmo, entre animais com falsos pedigrees, ela deu a criança à luz. Assim que soube, a vizinhança acorreu, lotou a loja. Pequena multidão curtindo a cena, embevecida com a situação: uma nova mãe e seu bebê, deitado num colchãozinho de espuma pra cachorro. A lâmpada amarela do teto despejava uma aura de 60 velas no recém-nascido. Havia algo ali. Era a primeira vez que um casal de revista de sociedade vinha até àquela região. Latidos, miados e pios enchiam a sala. O povo estava adorando. Sem demora chegou a mídia. Vans e peruas carregadas de equipamentos, repórteres de tevês, rádios e jornais. Cada um mais sensacionalista que o outro. Luzes, flashes, entrevistas. Ia render. Aí apareceram os três marqueteiros. Invadiram o recinto e se curvaram diante do bebê. Além dos presentes, ofereceram patrocínio vitalício à família. Em troca de merchandising, o menino nunca iria conhecer nenhum sacrifício. No céu, o raio laser anunciava: Natal em 10 vezes sem acréscimo. |