Defensores públicos emitem nota de repúdio ao Grupo RBS pela divulgação de vídeos do 'Crime da Mala'

Ministério Público do Rio Grande do Sul também se manifestou contra a veiculação das imagens pela imprensa

31/10/2025 17:00
Defensores públicos emitem nota de repúdio ao Grupo RBS pela divulgação de vídeos do 'Crime da Mala' /Crédito: Reprodução/GZH

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) divulgou uma nota, assinada pelos defensores Gabriel Luiz Pinto Seifriz e Tatiana Kosby Boeira, que repudia a veiculação de vídeos do depoimento de Ricardo Jardim pelo Grupo RBS. O publicitário é acusado de matar e esquartejar a namorada e descartar partes do corpo dela por Porto Alegre, caso que ficou conhecido como 'Crime da Mala'. As gravações são de um interrogatório feito em 10 de setembro e foram utilizadas em uma matéria publicada ontem, 30, em GZH, com repercussões em outros veículos do conglomerado. O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) também emitiu esclarecimento, mas sem nomear a emissora diretamente.

Assinadas por Adriana Irion, duas reportagens trazem trechos do depoimento de Ricardo. Nas aberturas dos vídeos que acompanham as matérias, é informado que quem recebeu as imagens foi a própria jornalista. O texto ainda destaca que a Polícia Civil foi procurada para comentar os vídeos, mas ?limitou-se a dizer que o depoimento de Jardim traz informações inverossímeis?.

Posicionamentos

Na nota, os defensores lembram que um pedido do Grupo RBS para entrevistar o publicitário foi negado por decisão judicial, após o investigado declarar que não desejava falar com a imprensa. Dessa forma, Gabriel e Tatiana entendem que a veiculação dos vídeos é um descumprimento desta determinação, bem como uma violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e aos princípios constitucionais da presunção de inocência, da intimidade, da imagem e da ampla defesa. ?Os defensores públicos que assinam a presente nota requerem que o Grupo RBS retire imediatamente de todos os meios de Comunicação os conteúdos relativos ao interrogatório de Ricardo Jardim?, declaram. Eles também ressaltaram que serão apuradas as responsabilidades cíveis, criminais e administrativas.

Por sua vez, o MPRS manifestou preocupação com a divulgação dos trechos do depoimento, visto que ainda não houve oferecimento formal de denúncia contra Ricardo. Segundo o órgão: ?a exposição prematura de elementos probatórios pode acarretar sérios prejuízos às investigações em curso e comprometer a adequada instrução processual?. Além disso, o comunicado revela que foi realizado contato para solicitar a retirada do conteúdo, mas que esse pedido foi negado pela empresa. ?O MPRS informa ainda que vai apurar o vazamento do depoimento e tomar as medidas cabíveis para garantir a integridade da investigação e a responsabilização dos envolvidos, conforme previsto na legislação vigente?, finaliza.

Em posicionamento encaminhado ao Coletiva.net por meio da assessoria de Comunicação, o Grupo RBS reiterou o respeito pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público, mas reafirmou o direito à liberdade de imprensa. O conglomerado entende a veiculação dos vídeos como ?de interesse público frente à grande repercussão do chamado 'Crime da Mala'?. O presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), José Nunes, destacou que a entidade ?defende a liberdade de expressão e de imprensa, e rejeita qualquer tipo de censura?.

Confira as notas na íntegra:

Defensoria Pública do Rio Grande do Sul:

NOTA OFICIAL DE REPÚDIO dos defensores públicos Tatiana Kosby Boeira e Gabriel Luiz Pinto Seifriz ao GRUPO RBS

Os defensores públicos signatários da presente nota, no exercício de sua missão constitucional de garantir os direitos fundamentais e de proteger a dignidade das pessoas em situação de vulnerabilidade, manifestam veemente repúdio à conduta do Grupo RBS pela veiculação, sob o título de ?reportagem exclusiva?, de vídeos e informações sigilosas referentes ao interrogatório policial do investigado Ricardo Jardim, ocorrido no âmbito de inquérito, sem autorização judicial e contra a vontade expressamente manifestada pelo próprio assistido.

Em 17 de setembro de 2025, conforme decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre (processo nº 5228284-13.2025.8.21.0001), foi indeferido pelo magistrado o pedido de entrevista formulado pela RBS, após o investigado, em audiência devidamente registrada em vídeo, declarar de forma inequívoca que não desejava prestar declarações à imprensa, acolhendo, inclusive, a orientação dos seus defensores.

Não obstante tal decisão judicial e a ausência de qualquer consentimento do investigado, na data de 30 de outubro de 2025 foram divulgados pela RBS ? por meio de seus veículos GaúchaZH, Rádio Gaúcha e G1/Globo ? vídeos sigilosos do depoimento prestado por Ricardo Jardim à autoridade policial, em flagrante violação à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), à decisão judicial expressa e aos princípios constitucionais da presunção de inocência, da intimidade, da imagem e da ampla defesa.

Os defensores públicos ressaltam que a liberdade de imprensa, embora assegurada pela Constituição Federal, não é absoluta e encontra limites na proteção dos direitos fundamentais individuais, especialmente quando se trata de pessoa investigada em processo que sequer resultou em denúncia formal. O vazamento e a difusão de material sigiloso afrontam diretamente o Estado Democrático de Direito, configurando violação da ordem judicial e contaminação da opinião pública com conteúdos obtidos de maneira indevida.

O papel da Defensoria Pública é justamente o de assegurar que o devido processo legal e as garantias individuais sejam respeitados, inclusive diante de pressões midiáticas. A exposição indevida de investigados antes da formação de culpa fere a presunção de inocência e revela prática de linchamento simbólico, incompatível com o Sistema de Justiça e com a ética jornalística.

Diante disso, os defensores públicos que assinam a presente nota requerem que o Grupo RBS retire imediatamente de todos os meios de comunicação os conteúdos relativos ao interrogatório de Ricardo Jardim, observando integralmente a decisão judicial de 17 de setembro de 2025 e a legislação aplicável. Informam, ainda, que tomarão as medidas cabíveis para apuração das responsabilidades cíveis, criminais e administrativas decorrentes da violação constatada.

Ministério Público do Rio Grande do Sul:

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) vem a público manifestar sua preocupação com a divulgação, por veículos de imprensa, de trechos do depoimento prestado pelo indiciado Ricardo Jardim, referente ao chamado ?caso da mala?, antes mesmo do oferecimento formal de denúncia.

Embora respeite integralmente a liberdade de imprensa e o papel fundamental dos meios de comunicação na sociedade democrática, o MPRS entende que a exposição prematura de elementos probatórios pode acarretar sérios prejuízos às investigações em curso e comprometer a adequada instrução processual de um crime de natureza extremamente grave e singular.

Diante da divulgação, o MPRS entrou em contato com a empresa responsável solicitando a retirada do conteúdo, em respeito às regras processuais e à preservação da eficácia da investigação. No entanto, o pedido foi negado pela empresa.

Reiteramos nosso compromisso com a transparência, a legalidade e o interesse público, mas também destacamos a importância de observar rigorosamente as normas processuais e a responsabilidade institucional que nos cabe. Continuamos à disposição para os esclarecimentos necessários, sempre pautados pela ética e pelo respeito ao devido processo legal.

O MPRS informa ainda que vai apurar o vazamento do depoimento e tomar as medidas cabíveis para garantir a integridade da investigação e a responsabilização dos envolvidos, conforme previsto na legislação vigente.

Grupo RBS:

Reiterando seu respeito pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público, o Grupo RBS reafirma o direito à liberdade de imprensa para noticiar um conteúdo a que tivemos acesso por meio de investigação jornalística e que entendemos ser de interesse público frente à grande repercussão do chamado ?Crime da Mala?.