Dia da Imprensa: Nilson Vargas lembra como foi cobrir a tragédia da boate Kiss

Na data especial, Coletiva.net conversou com o profissional que cobriu um dos momentos mais marcantes do Rio Grande do Sul

Jornalista era uma dos repórteres que realizou a cobertura do incêndio da boate Kiss - Reprodução

Nesta terça-feira, 1º, é celebrado o Dia Nacional da Imprensa. A data lembra a primeira publicação do periódico 'O Correio Brazilienze' ou 'Armazen Litterario' no Brasil. O jornal era editado pelo brasileiro Hipólito José da Costa em Londres. Diversos acontecimentos marcaram o País e os profissionais da imprensa estiveram presentes para transmiti-los à sociedade. Um deles em 27 de janeiro de 2013, quando ocorreu uma das tragédias mais impactantes do Rio Grande do Sul: o incêndio na boate Kiss, que matou 242 pessoas e feriu outras 680, em uma casa noturna localizada na cidade de Santa Maria. 

Um dos profissionais que acompanhou de perto o ocorrido foi Nilson Vargas, gerente de Jornalismo no Grupo RBS, além de conterrâneo da cidade. Ele conversou com o Coletiva.net e contou alguns detalhes daqueles dias.  

Como foi para você realizar essa cobertura, principalmente, sendo natural de Santa Maria?

O grande desafio foi separar o aspecto emocional da série de medidas que precisavam ser tomadas desde a madrugada do dia 27, quando entrei na cobertura. Ao mesmo tempo em que ficava sabendo de pessoas próximas procurando parentes e via todo o cenário da tragédia se materializar na minha frente, era preciso organizar o trabalho, convocar as equipes, atuar como referência para tomadas de decisão de mobilização para uma cobertura que seria dura, longa e complexa. Uma cobertura que teve começo mas que até hoje não acabou. 

À medida que as horas avançavam naquele domingo, ficava claro o tamanho da tragédia e surgiam mais envolvimentos pessoais sobre vítimas, desaparecidos, país que em pouco tempo receberam a pior notícia. Isso foi gerando um sentimento de compromisso e responsabilidade com o fato, que procuro manter até hoje. Difícil voltar a Santa Maria, o que faço uma vez por mês, sem pensar no episódio, nas feridas abertas e nas muitas perguntas sem resposta.

Qual foi o momento mais marcante durante a cobertura? 

Foram vários e eles brotam na memória. Ainda na madrugada, tentei entrar na boate, puro instinto de ir ao local do fato. Fui impedido por um PM que estava na porta e que, por coincidência, era meu colega de infância. Quando o dia clareou, chegaram caminhões frigoríficos, o que para mim foi uma senha para mostrar que uma tragédia estava desenhada. Já havia cenas de desespero de familiares no entorno. Pude ver os primeiros corpos do outro lado da rua, na entrada do estacionamento do supermercado, cobertos por panos. Mais tarde, no ginásio, pude ver toda a dinâmica de acomodação dos corpos numa das alas e de atendimento das famílias em outra. Já havia voluntários atendendo familiares. 

Eles entravam com muita ansiedade por uma porta, eram atendidos, recebiam a má notícia e vinha o desespero, num ritual que se repetiu. Depois veio o velório coletivo, era muita dor. Ao mesmo tempo, era preciso seguir com um olhar mais objetivo para a apuração das responsabilidades, as investigações que começavam. Só consegui sair dessa roda viva na tarde de terça-feira, quando voltei para Porto Alegre de carro, sozinho, e tive que parar mais de uma vez na estrada para tomar ar e, finalmente, chorar por tudo que havia testemunhado. A cobertura dos veículos da RBS procurou sempre aliar o respeito pela dor das famílias com a responsabilidade de apurar os fatos. É como nos conduzimos até hoje, agora nos preparando para o júri dos réus. 

Quais as lições que você aprendeu ao realizar essa cobertura?

Qualquer que seja o episódio envolvendo famílias e pessoas, depois da tragédia da Kiss, eu sempre procuro pensar nos envolvidos. Os familiares já sabem de um acidente rodoviário? Temos o direito de usar uma imagem de uma pessoa que seja extraída das redes sociais dela? Que perguntas devemos e não devemos fazer a mães e pais que perderam um filho? Esta relação com os personagens de fatos que envolvam mortos e perdas de pessoas queridas é algo que passou a me preocupar muito mais. 

Ao mesmo tempo, uma cobertura como a Kiss te permite acumular conhecimentos que o ideal é não usar nunca mais, mas que foram adquiridos sobre como agir em situações extremas como esta, que envolvam reações rápidas, medidas de emergência e respostas mais qualificadas sobre investigações. Outro aspecto importante é o cuidado com as equipes, porque os jornalistas também são impactados pelos fatos que cobrem, precisamos ter isso em mente, não somos máquinas de fabricar notícias.

 

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