Entrevista: "A leitura exercita o espírito", defende Tabajara Ruas

Patrono da Feira do Livro de Porto Alegre conversou com a reportagem de Coletiva.net

Tabajara Ruas é escritor e cineasta - Crédito: Edivan da Rosa/Critério

Nesta sexta-feira, 27, inicia-se a 69ª Feira do Livro de Porto Alegre que, até 15 de novembro, ocupará a Praça da Alfândega, no Centro da Capital. Nesta edição, o tradicional evento literário tem como patrono o escritor e cineasta gaúcho Tabajara Ruas. Em conversa com a reportagem de Coletiva.net, ele revelou que não esperava receber esse reconhecimento, contudo, "foi um convite bem recebido". "Já vivia tranquilo sobre a possibilidade de ser chamado ou não. A vida continua", pontuou.

Ruas é autor de obras como 'O Amor de Pedro por João' (1982), 'Os Varões Assinalados' (1985), 'Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez' (1990), 'Netto Perde Sua Alma' (1995), 'O Fascínio' (1997) e 'O Detetive Sentimental' (2008). No Cinema, área em que desde 1978 atua como diretor, roteirista e produtor, adaptou, junto de Beto Souza, a obra 'Netto Perde Sua Alma' (2001), que recebeu o Kikito de Melhor Filme no Festival de Cinema de Gramado. Assinou o roteiro de 'Anahy de las Misiones' (1997), 'O Tempo e o Vento' (2013), entre outros projetos.

Confira abaixo a conversa na íntegra:

- Em entrevistas anteriores, você defendeu que um dos trabalhos mais produtivos que se tem é a leitura. Nesse sentido, qual a importância da realização de eventos literários, considerando o desinteresse das novas gerações pela leitura?

Acho que a leitura é um exercício, pois faz o cérebro trabalhar. Enquanto outros exercícios focam nas pernas, nos braços e no resto do corpo, a leitura exercita, portanto, o espírito, o interior da pessoa.

Hoje, há um fatalismo muito grande em torno dessa questão (da falta de interesse das novas gerações), mas acredito que o interesse pela leitura só muda na sua forma de ser, pois ele se dirige a outros tipos de leitura. Eu tenho a impressão que se lê mais do que antes, pois existem mais possibilidades de leitura. Sempre vejo centenas de pessoas com celular na mão, ou lendo ou conversando, e isso é bom.

- Parte da sua obra retrata histórias e mitos do Rio Grande do Sul. Como é para você ser reconhecido nacionalmente e saber que brasileiros de outros estados conhecem mais sobre a nossa cultura e o nosso passado por meio do seu trabalho?

É um pouco complicado considerar como verdade essa premissa. Eu nunca tinha pensado muito se as pessoas chegam a conhecer a história do Rio Grande do Sul por meio dos meus livros. Talvez não seja uma verdade absoluta, mas, sendo assim, seguimos!

- Nos últimos tempos, o mercado editorial tem passado por diversas mudanças: livros concorrem com telas, livrarias de renome, como Cultura e Saraiva, decretaram falência e fecharam as lojas, além do surgimento dos e-books. Como você analisa o mercado editorial neste sentido?

Grandes lojas fecham a todo momento, em todas as sociedades. Eu não me preocupo, pois não tenho nenhuma grande loja. Mas o que acontece é que os hábitos das pessoas mudam. Passa-se uma década e os hábitos são outros, a moda é outra e o tipo de leitura é outro. Até mesmo os filmes, antes a gente só assistia no cinema, hoje quase não saio de casa para ver. Os tempos mudam, as tecnologias vêm para impor sua presença e exigir que as pessoas se abram para receber nova informação, mas está tudo bem. A única coisa que me preocupa nesse mundo é que as pessoas vivam em paz.

- Como é para você trabalhar tanto com a Literatura quanto com o Cinema? Na sua avaliação, como essas formas de arte se complementam e como divergem em relação ao processo criativo?

Eu acho que se complementam como duas formas de arte narrativas. Escrevendo ou fazendo filmes, tu estás contando uma história. Isso é o que une o Cinema e a Literatura. Mas são coisas bem diferentes, apesar dessa união de querer contar histórias, o Cinema é a imagem em movimento e a Literatura é aquela página escrita. São bem diferentes do ponto do significado e da maneira como a gente recebe essa informação.

- Na entrevista que você deu ao nosso portal em 2016, para a sessão perfil, você relatou seu apreço em ir ao cinema e que gosta de assistir a todos os tipos de filmes. O senhor disse que o hábito de ir às salas de cinema já mudou, mas tem algo que chama mais a sua atenção na sétima arte atualmente?

Realmente eu vou pouco ao cinema, assisto mais aos streamings. Mas o Cinema vai avançando como todas as obras narrativas e muda muito a cada década, trazendo outro tipo de perspectiva para o espectador. Eu acho que, hoje, o Cinema está bem mais aberto para receber histórias que, até algum tempo atrás, não podiam ser contadas, tanto em teor político quanto de ética e de comportamento. Haviam cenas que não podiam ser representadas. Hoje, os espaços estão cada vez mais abertos e frequentados por pessoas que antes não podiam, o que trás também um outro público.

- Por muito tempo, os Estados Unidos dominaram o Cinema, enquanto as produções de outros países não recebiam destaque frente ao grande público, o que é algo que vem mudando. Como você enxerga esse movimento?

Os Estados Unidos ficaram de donos da situação durante décadas, pois tinham uma tecnologia muito boa e criativa e também inventaram fórmulas para produzir essas ideias. Tudo isso aliado ao seu poder econômico, que arrasava a concorrência e derrubava qualquer Cinema que começasse a querer se estabelecer. Sempre foi um concorrente desleal, mas é bom ver isso mudando.

- Em diversas ocasiões, você ressaltou seu posicionamento em "abolir o futuro", embora "desacelerar" não esteja em seus planos. Ao que mais você tem se dedicado neste momento da vida e da carreira?

Tenho alguns planos, incluindo dois filmes que estão andando. De repente eu ainda vou ter a possibilidade de fazer projetos em um espaço curto de tempo, mas, possivelmente, é o fim da minha carreira. Mais do que isso acho difícil eu fazer. Estou com 81 anos e o trabalho de diretor requer muita energia. Apesar de eu ter essa energia, não é mais a mesma coisa. Pretendo continuar fazendo o que eu posso fazer, e deixar de lado aquilo que eu não posso.

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