Rosane Marchetti: Feita de justiça e generosidade
Do interior do Estado para os lares em todo o Brasil, a jornalista conquistou espaço na TV e na lembrança do público
Ela é bem como aparece na televisão em eventuais sextas-feiras, no Globo Repórter. Aos 58 anos, Rosane Marchetti tem estatura mediana, voz marcante e carisma de sobra. Ao acessar a sala principal do apartamento, onde conversaríamos por mais de uma hora, foi logo oferecendo um expresso e água aromatizada. Acompanha-me só na água, pois abandonou o café quando deixou o hábito de fumar. "Ainda tomo a bebida com leite, mas o que gosto mesmo é de chimarrão", vai logo avisando.
Quem a ouve falar percebe claramente o quão apaixonada e dedicada é pelo Jornalismo. Difícil, inclusive, de acreditar que a primeira escolha no vestibular tenha sido Sociologia, que chegou a cursar alguns semestres. No entanto, o gosto pelas palavras, em especial as escritas, falou mais alto e a troca de faculdade foi natural.
Nascida em Nova Prata, na Serra Gaúcha, transferiu-se para Porto Alegre no final da década de 1970, deixando para trás a família de origem italiana e as vivências de quando ainda era criança e que ainda traz ainda frescas na memória. Das mais preciosas, recorda com carinho da avó, que reunia, religiosamente, a família aos domingos. De manhã, todos iam à missa e, na sequência, almoçavam na casa da Nona. Também nas recordações estão as visitas às hortas da cidade natal, quando a matriarca a introduzia no mundo dos temperos, plantas e flores. "Ficou na minha lembrança como uma das coisas mais agradáveis da infância." A experiência marcante, inclusive, foi base para um dos Globo Repórter que gravou.
A trajetória de mais de 30 anos se iniciou ainda nos primeiros semestres da faculdade de Jornalismo, quando, por sugestão de uma colega, fez um teste para trabalhar na TV Pampa. Foi aprovada e, a partir daí, não deixou mais a telinha. Embora tenha atuado apenas neste meio, sua intenção, quando ingressou no curso da Famecos, era trabalhar com revista. Porém, com texto, teve uma breve passagem no jornal Eco do Vale, de Bento Gonçalves, para o qual escrevia sobre a cidade. "Ali, foi o meu começo no Jornalismo", declara.
Fácil de encantar e simples de inspirar
Os incontáveis carimbos no passaporte revelam as viagens pelos quatro cantos do mundo, seja pela profissão ou por lazer que, aliás, é o seu preferido. Da África ao Oceano Índico, independentemente do local, revela sua facilidade em se encantar. "Conheço tantos lugares lindos e quando vou para a Serra Gaúcha, visitar a família, um riacho correndo entre as pedras me fascina da mesma forma", compara e complementa: "Devo agradecer a Deus por me dar esse olhar e esse sentimento de alegria que tenho quando vejo as coisas".
Tal sentimento reflete a preferência de Rosane pela reportagem em vez da apresentação. Enquanto repórter, sempre busca passar ao público esse mesmo encantamento que tem, seja uma paisagem, uma pessoa, uma história, um animal, uma obra de arte, conforme lista. "Além de fazer isso, procuro sempre inspirar", completa. Esse seu jeito, acredita, conferiu-lhe identificação com a comunidade. "Por meio do Jornalismo, consegui atingir as pessoas e, se, de alguma forma, eu toquei o coração e a consciência de alguém, já fiz a minha parte."
Se há uma palavra que representa Rosane, esta é bondade. Enquanto ser humano, defende que tem como obrigação ajudar quem estiver ao seu alcance, como resgatar animais de rua, por exemplo. "Ainda acredito na generosidade como uma forma de transformar o mundo para melhor", declara. E não precisa ser uma grande ação. Para ela, basta atender a uma necessidade no bairro aqui, outra na rua ali. E assim, acredita, vamos construindo nossa sociedade.
Mas logo trata de alertar que tem outros ingredientes, ao mencionar que, além de generosidade, é feita de justiça e deixa claro que não se conforma com pessoas que fecham os olhos para o mundo. "Isso me provoca uma ira muito grande, embora não devesse", reconhece.
Do interior para o mundo
Conhecida regional e nacionalmente, a filha mais velha de Lourdes Catharina e Jecildo não tem certeza, mas pensa que aprendeu a escrever com Paulo Henrique Amorim, atual apresentador do programa Domingo Espetacular, na Record. No começo dos anos 80, o jornalista foi seu chefe na extinta TV Manchete, da qual a Pampa era afiliada. A interação se dava como um típico relacionamento da época: escrevia as matérias de esporte e enviava por fax para ele, que estava sediado em Brasília.
A filha Camila, única do primeiro casamento, hoje com 36 anos, já era nascida quando Rosane foi aprovada no concurso da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para trabalhar com taquigrafia. Não demorou e o Grupo RBS a chamou para atuar na TV, onde ficaria pelos 31 anos seguintes. "Minha casa foi lá, onde vivi e aprendi muita coisa", reconhece. Na empresa de mídia apresentou, foi editora-chefe, editora-executiva, repórter e âncora, tanto na RBS TV quanto na finada TVCom.
Em 2016, deixou o grupo e passou a dedicar-se à Rede Globo e, como freelancer, segue viajando pelo mundo por meio do Globo Repórter. O último trabalho realizado, que foi ao ar em junho de 2017, teve como destino a Colômbia, mais um país que a encantou. No momento, está afastada das gravações para dar atenção à família, que enfrenta problemas de saúde e sobre os quais preferiu não se manifestar. Agora, mesmo longe das câmeras, parar definitivamente não está nos planos: "Dei um tempo porque precisei e tenho esperança de que tudo vai melhorar."
Nem só os gatos têm sete vidas
"Quase morri várias vezes", relata ao listar que, primeiro, um acidente de moto quase lhe levou a vida na adolescência. Depois, descobriu, por acaso, um tumor no seio esquerdo, curado após cirurgia e nove meses de tratamento com quimio e radioterapia. Em 2015, um ano antes de deixar a RBS, passou por um cateterismo de urgência quando foi detectado entupimento em uma artéria coronária. "Por isso, me comparo aos gatos", brinca, ao revelar a paixão pelos felinos. Dos quatro que tem em casa, apenas Lebra, o mais velho, apareceu durante a conversa.
Enfrentou a doença com naturalidade e acredita que a forma com que a encarou abriu muitos caminhos, pois assumiu abertamente a enfermidade que, até hoje, é vista com certo preconceito. "Penso que consegui desmitificar um pouco da doença, principalmente por fazer as pessoas verem que câncer não é uma sentença de morte", declara e analisa: "Todo mundo sabe que vai morrer, mas tu só sente que isso vai acontecer quando tem uma doença grave. Fiquei de frente com a morte e consegui sentir o verdadeiro significado de finitude. Isso não me amargurou e tampouco fiquei em depressão. Apenas entendi e aceitei".
Não foi a primeira Marchetti a ser notificada com a enfermidade. A mãe, que faleceu em 2017, teve o mesmo tumor que a filha há mais de 10 anos, e o pai perdeu a luta contra um câncer no pulmão, há 21 anos. Curiosamente, ambos vieram a perder a vida no mesmo dia do mesmo mês, com duas décadas de diferença. Hoje, Rosane acompanha a filha na batalha.
Casa, para que te quero
Em função das inúmeras viagens, ficar em casa é um prazer para Rosane e, quando tem essa oportunidade, a TV torna-se sua grande companheira. Através dela, acompanha programas jornalísticos, os quais, admite, assiste com o olhar criterioso de quem entende do assunto. No entanto, revela que a Netflix ganhou seu coração, de tal forma que declara adorar as diversas séries que estão disponíveis na plataforma. Nas preferências, estão produções policiais de suspense e as históricas. As últimas que acompanhou são 'Alias Grace' e 'O tempo entre costuras'.
Na mesa auxiliar ao lado do sofá, repousa o livro 'Crônicas de uma sociedade líquida', de Umberto Eco. Admite que não tem conseguido ler muito, pois dedica boa parte de seu tempo livre para arrumar a casa, para a qual se mudou no ano passado. Também acessa com frequência as redes sociais para responder a todas as mensagens que recebe.
Na infância, seus pais possuíam uma malharia em Nova Prata, cuja maior parte da venda era para lojistas. O pai administrava e a mãe era a estilista, explica, e atribui às "roupas lindas" que mamãe fazia seu gosto por moda, pela composição de tecidos e por cortes bem feitos. Une a isso o apreço por decoração, tanto que, na juventude, costumava pintar. Prática que pretende retomar quando o momento ruim passar, assim como os exercícios físicos.
É a única colorada na família, já que os pais e o falecido irmão Álvaro eram gremistas, assim como a irmã Adriana, que reside em Porto Alegre. Não tem filhos com o segundo marido, o funcionário público Luiz Roberto Martins Filho, com quem se relaciona há 20 anos e a quem pertence a máquina de café expresso da casa. Como divide a residência apenas com ele e com os bichanos, uma vez que a filha já saiu de casa, gosta de encher o ambiente aos finais de semana. "Tento copiar o que vivi na casa da minha mãe. Pretendo manter a família o mais unida possível."
Na culinária, se garante nos risotos, no entanto, não tem mais o hábito de cozinhar. Até gosta da função que envolve a prática, mas, com a mudança, ainda não se adaptou à nova cozinha. Como boa italiana, aprecia todos os pratos que contêm massa. "A massa é tão boa para mim que quando estou triste, se eu comer massa, logo fico bem. E, no Inverno, "uma sopa de capeletti é um colo".
Rosane admite nunca ter refletido sobre o legado que pensa em deixar para a sociedade ou mesmo para a família. "Te juro que não sei." Após segundos de reflexão, declara, então, que gostaria de deixar o que sente e inspirar as pessoas para que elas se encantassem mais. "Tomara que eu deixe lembranças boas, que é o que importa na vida. Sentar na varanda depois da aposentadoria e lembrar da vida. Que eu seja uma lembrança boa. O resto é o resto."