Liane Neves: Sombra Luminosa

Celebridades, eventos, flashes e glamour estão sempre em pauta no trabalho da fotógrafa que Mario Quintana adorava

O gosto pela fotografia vem desde cedo: quando Liane Azevedo Neves da Silva tinha 10 anos, o pai, médico microbiologista, a presenteou com uma câmera fotográfica, uma Pentax, que era usada principalmente durante as viagens de férias feitas em família. Liane nasceu em Porto Alegre no dia 21 de dezembro de 1958 e é a mais nova entre sete irmãos, que não quiseram seguir a profissão do pai. "Eu brincava com ele porque, afinal, foi ter uma filha fotógrafa e não deixava de ter uma relação através das lentes, só que ele foi para o micro e eu para o macro". Pois foi exatamente o pai um dos seus grandes incentivadores. Além de comprar a primeira máquina fotográfica, montou um laboratório para a filha revelar fotos. "Eu pedi para o meu pai montar um laboratório em casa. Então, ele dividiu a lavanderia e fez uma sala escura. Ali, eu revelava e ampliava as minhas fotos em preto e branco e gostava de fazer aquilo como hobby, nunca pensei que fosse virar minha profissão".


A menina que gostava de registrar momentos, viu a vocação se anunciar nos laboratórios da faculdade. "Quando entrei na faculdade já gostava de fotografar, mas foi no primeiro semestre que eu me apaixonei", diz ela. Liane formou-se em Publicidade e Propaganda pela PUC, mas nunca atuou na área. Mais tarde resolveu cursar Jornalismo, também pela PUC, para obter o título de jornalista. Ao terminar os estudos acadêmicos, foi para Londres com o objetivo de fazer um curso de inglês e acabou aproveitando a viagem para se especializar em fotografia na Fulhan and South Kensington Institute, em Londres e, mais tarde, pela International Center of Photography, em Nova Iorque. Ao retornar fez sua primeira exposição fotográfica, na Sala de Retratos, uma galeria do fotógrafo Guerreiro. No mesmo período, ela expôs trabalhos no Rio de Janeiro em parceria com os fotógrafos Manoel da Costa Júnior e Luis Eduardo Achutti. A partir daí, a carreira começou a engrenar e surgiram propostas de trabalho como a criação de um livro em homenagem ao Centenário da Revolução Farroupilha, promovido pela RBS com o banco Bamerindus.


Momentos eternizados


Em 1986, quando o poeta Mario Quintana completou 80 anos, Liane foi contratada por uma empresa para acompanhar o dia-a-dia do escritor. Ela descreve este episódio como o melhor trabalho realizado em sua carreira. O objetivo era a criação do álbum "Quintana dos 8 aos 80". "No início fiquei um pouco receosa, porque sabia que ele não gosta muito de fotógrafos e já havia até processado um. Foi conversando com Helena Quintana, a sobrinha de Mario, que fiquei mais tranqüila. Ela disse que eu já tinha vantagem por ser mulher e jovem e, realmente, nos afinamos no primeiro encontro. Quintana gostou de mim. Tivemos uma empatia muito grande e com isso ele permitiu que eu fizesse o trabalho", comenta. A fotógrafa chegava a passar quatro dias da semana acompanhando o cotidiano do escritor. "Tinha dias que eu virava a noite e ele ficava lá escrevendo. Eu não usava flashes, só pegava a luz ambiente para não atrapalhar o trabalho dele. Teve um dia que foi engraçado, já eram 3h da madrugada e Quintana não percebeu que eu estava lá. Eu ficava fotografando bem quietinha", lembra.


Liane caminhava com Quintana por lugares onde o escritor mais gostava de ir, geralmente no centro de Porto Alegre. A relação que começou de uma forma profissional virou uma amizade que seguiu por mais oito anos, quando o poeta faleceu. "Quintana me chamava de "minha sombra luminosa", porque eu sempre estava atrás dele como se fosse uma sombra. Nas palavras dele, eu não era uma sombra qualquer, era uma sombra luminosa. Ele também fez um poema para mim que diz que "o fotógrafo tem a mesma função do poeta: eternizar o momento que passa", repete ela, com orgulho.


Além de uma amizade duradoura, o trabalho com Quintana rendeu um acervo composto por mais de mil fotos, com o qual Liane fez o livro "A Porto Alegre da Mario Quintana", em comemoração ao centenário do poeta. Neste livro ela resgatou as fotos que tinha feito quando ele estava com 80 anos e, ao mesmo tempo, produziu novas fotos de Porto Alegre. A publicação, que possui poesias e textos do atual prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, da atriz Bruna Lombardi e da escritora Lya Luft, foi o primeiro livro de fotografias da jornalista. "Foi um livro maravilhoso, só recebo elogios", destaca.


Entre flashes e celebridades


Liane tem uma carreira de 15 anos como repórter fotográfica de revistas. Além de atuar na Exame, faz matérias e guias especiais para a Veja e também é fotógrafa exclusiva da Caras no Rio Grande do Sul. Celebridades, eventos, flashes e glamour estão sempre em pauta no trabalho da fotógrafa, que atua há 11 anos na Caras, onde também coordena a parte de fotografia do site da revista. Liane acredita que a paciência e a dedicação são fatores essenciais para conseguir uma boa foto, principalmente de celebridades. "Gosto muito de fotografar pessoas, e o trabalho que desenvolvo me proporcionou experiência para saber como lidar com elas. Tem que ter tato e muita delicadeza para que elas gostem de ti e para que você consiga extrair o melhor delas durante as fotos. Isso foi uma coisa que aprendi. Nos eventos, quando tem pessoas difíceis de fotografar, a função sempre é repassada para mim, porque tenho paciência, consigo reverter a situação e fazer um bom trabalho", exemplifica.


A sede da Caras RS é Porto Alegre, a jornalista conta que viaja bastante, mas a atividade exige que Liane viaje bastante, o que proporcionou coberturas na Ilha de Caras, em um castelo, na França e 40 dias em Punta Del Este, no final do ano passado. "O envolvimento que tenho com a revista é muito mais do que só cobrir o Rio Grande do Sul, o que é um privilégio para mim. Talvez eu seja a única fotógrafa dentro da Caras que não mora no eixo Rio - São Paulo e que é chamada para os eventos "tops" da revista", afirma. Ela ressalta que para trabalhar na Caras é necessário ter um bom relacionamento social. "Meu editor diz que não basta ser um bom fotógrafo, tem que saber se relacionar com as pessoas, ou seja, 50% do meu trabalho é relacionamento, porque eu tenho que conquistar, tenho que ganhar a pessoa para  fazer o melhor ensaio fotográfico", revela. Entre estes bons relacionamentos estão as atrizes Bruna Lombardi e Glória Menezes, com quem já fez diversos trabalhos.


Ao mesmo tempo que cobre eventos glamourosos e lotados de celebridades globais na Caras, a fotógrafa vivencia o fotojornalismo puro, com direito a ameaças de morte, como aconteceu em um trabalho para a revista Veja. "Esta função me oferece um universo bem amplo, porque, daqui um pouco, estou numa favela, depois, na Presidência da República ou viajando todo o Brasil para ver a migração dos gaúchos. Certa vez, em Alagoas, fizemos uma matéria sobre o calote rural, que até ganhou o Prêmio Abril de Jornalismo, e a equipe foi ameaçada . Os fazendeiros nos receberam com armas. Nesta profissão estamos sujeitos a este tipo de coisa. Estamos sujeitos a correr riscos", alerta.


Movida pela fotografia


Nos poucos momentos de horas vagas, Liane gosta de cozinhar, viajar ou ficar com o filho, Ramiro, 17 anos, que é fruto do seu segundo casamento, com José Antônio Macedo. O filho ganha um destaque especial na fala da mãe-coruja: conta que Ramiro é "superparceiro" e que já esteve trabalhando com ela na Ilha de Caras no Rio de Janeiro, onde atuou como seu assistente. O rapaz pretende seguir os passos da mãe e cursar Jornalismo. "Ele escreve muito bem, tem um dom e é um guri muito talentoso", afirma. O primeiro casamento da jornalista foi com o fotógrafo Leonid Streliaev, que durou sete anos. "Nós casamos, tivemos um estúdio e trabalhamos como sócios. Casei com um superfotógrafo e foi outro aprendizado para mim", diz ela.


A inquietação de Liane e a satisfação em fotografar são fatores que não farão a fotógrafa se aposentar tão cedo e tão facilmente. "Eu tenho energia e sou muito inquieta. Estou sempre pronta para trabalhar e as pessoas que atuam comigo sabem disso. Fotografar, para mim, é um prazer. É meu trabalho, mas faço com prazer." Tal é o prazer que ela se imagina fotografando ainda por um bom tempo, "porque esta é minha paixão, é o que me move, isso é um vício, acho que o Jornalismo é assim. Eu adoro o que faço, adoro trabalhar em revistas, adoro trabalhar na Caras".

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