Ricardo Stefanelli: Eterna luta contra a mesmice

O novo diretor de Redação da ZH se define como um "arquiteto frustrado" por ser obcecado pela diagramação dos jornais

17/10/2008
Numa manhã chuvosa de sábado, entre uma cuia e outra de chimarrão, o novo diretor de Redação do jornal Zero Hora, Ricardo Stefanelli, se revela um apaixonado pela cidade interiorana que cisma em dizer que é a sua terra natal: Erechim. O jornalista, que já foi campeão regional de vôlei e, hoje, é maratonista e "boleiro" assumido, é obcecado pela diagramação de um jornal e, por isso, se define como um arquiteto frustrado. Entrou para o jornalismo devido às influências do pai e da professora de História, que cultivaram nele a paixão pelos periódicos.
Erechinense por amor e convicção
Embora tenha nascido em Porto Alegre , no dia 23 de novembro de 1961, Stefanelli costuma afirmar com orgulho que sua terra natal é Erechim, pois foi lá onde passou a infância e a maior parte da adolescência. Devido a uma transferência de emprego do pai, hoje falecido e que era administrador do Serviço Social do Comércio (Sesc), deixou a capital gaúcha e foi morar no Interior. A mudança foi traumática para o então menino de sete anos e para a família, que mal conhecia a localização da cidade. "Foi muito choro para ir e muito choro pra voltar, tanto que choro até hoje por ter saído de lá", brinca.
A infância foi muito rica e, segundo ele, típica de um guri do Interior. A lembrança desses bons tempos que ficaram no passado é o que mantém vivaz o apego pelo município da região Noroeste do Estado, hoje com cerca de 100 mil habitantes. Para o jornalista, além de ser uma cidade bonita e moderna - com um traçado positivista e ruas principais que não formam quadras, mas, sim triângulos, "como Paris", recorda ele - , Erechim possui as mulheres mais lindas do Rio Grande do Sul.
Mas não foi lá que ele encontrou a mulher de sua vida. A jornalista Juliana Marina Moreira, com quem mantém um relacionamento há 11 anos - "com alguns intervalos", destaca - é paulista. Ju, como é carinhosamente chamada, deixou São Paulo em 1991 para cursar Jornalismo e hoje atua no departamento de Comunicação da Prefeitura Municipal. Antes disso, já havia sido casado por cinco anos e Elisa, 19 anos, é fruto desse primeiro casamento. O pai-coruja orgulha-se ao falar da jovem, que já morou na Alemanha e estava cursando Relações Internacionais - curso que pretende retomar.
A paixão pelos esportes foi cultivada ainda quando residia no Interior e, apesar da baixa estatura, como ele mesmo ressalta, foi campeão regional de vôlei. Tem explicação na ponta da língua: "Sou de uma geração em que o levantador poderia ser baixinho". Nesse período, também jogava futebol amador, e os campeonatos, inclusive, eram transmitidos pela TV local. "Com 11 anos, eu me sentia um ídolo!" Hoje, as terças-feiras são destinadas à prática do esporte. Quando questionado sobre o time para o qual torce, ele responde prontamente: "Ypiranga, de Erechim!". E, em seguida, conclui: "Nessa nossa profissão, não dá optar entre o azul e o vermelho. Então, digo que sou Ypiranga mesmo".
Devorador de jornais
Na infância, Stefanelli havia pensado em ser piloto de avião, mas decidiu que seria jornalista aos 13 anos de idade, durante uma conversa com sua mãe. Na época, acreditava que, ao optar por ser um profissional da imprensa, conciliaria também o seu gosto por viagens.  Outra influência, talvez a maior, veio de seu pai, um "devorador" de jornais. A família tinha acesso à mais vasta biblioteca da cidade, pois morava em cima do acervo de livros do Sesc. Entretanto, o patriarca não trocava a leitura diária matinal do Correio do Povo por um livro, pelo melhor que fosse. Mais tarde, o CP foi substituído pela Zero Hora.
A professora de História do 1º grau contribuiu não apenas com conhecimento sobre a disciplina, mas, também, para surgimento da relação de respeito e admiração do jornalista com os impressos. Como recompensa para quem terminasse as lições mais cedo, ela permitia que os alunos dessem uma "olhadinha" no jornal Folha da Manhã. "É por isso que eu sei muito sobre História, porque era sempre o primeiro a terminar para pegar o jornal", conta.
Na hora de se inscrever para o vestibular, chegou a pensar em seguir carreira de arquiteto, já que acreditava que essa profissão lhe proporcionaria mais lucros. Porém, a idéia durou menos de dois dias e numa sexta-feira, dia 13 de janeiro de 1984, apesar das dificuldades financeiras, formou-se jornalista pela Faculdade de Comunicação Social da PUC. Prestes a completar 25 anos de atuação, hoje se diz um arquiteto frustrado e obcecado pelo desenho das páginas dos jornais. Tanto que, segundo ele, a única função que inveja dentro de ZH é o cargo de Eleone Prestes, a editora do caderno Casa e Cia. Assim, não por acaso, um dos seus hobbies é freqüentar mostras de decoração e arquitetura.
Ele se arrepende de não ter feito as faculdades de Arquitetura e de Direito, pensando no quanto, atualmente, os cursos poderiam auxiliá-lo em suas atividades jornalísticas.  "Lá no jornal, eles quase não me agüentam porque sou um obcecado pelo desenho, arquitetura, bom gosto e detalhamento das páginas. Eu não só dou 'pitacos, mas meto a mão pesado na diagramação do jornal. E lá em casa, embora não seja eu quem cuide, também dou meus palpites."
Fim da ditadura visto do segundo andar
Para ajudar seus pais com as despesas da faculdade, Stefanelli teve de arranjar um emprego - e sua primeira ocupação foi como boy da diretoria imobiliária do Unibanco. O primeiro contato com Porto Alegre foi no lugar mais emblemático da cidade. Por ter trabalhado na sede da instituição, localizada na famosa Esquina Democrática, acompanhou todas as manifestações do final da ditadura desde o segundo andar do edifício do banco, na década de 1980. "Eu era um guri chegado do Interior e que enxergava a vida de uma cidade grande no lugar mais nervoso dela. Aos poucos, como estava entrando na faculdade, comecei a gostar de tudo aquilo, que era muito pulsante."
Chegou a ser promovido ao cargo de auxiliar, porém não ficou satisfeito por achar o emprego muito chato. Ele gostava mesmo é de ser boy, de estar na rua, em campo - o que aplicaria mais tarde como repórter, função que, durante muitos anos, exerceu de forma magistral. Ficar parado, sentado ou em uma reunião durante muito tempo, definitivamente, não é com ele. Stefanelli explica que isso vem desde os tempos de colégio, quando costumava ser expulso da sala de aula não por ser bagunceiro, mas, sim, inquieto.
Com o fechamento do departamento imobiliário do banco, em função de uma crise do setor, foi demitido com mais oito colegas e, por isso, nos últimos dois semestres do curso, decidiu se dedicar exclusivamente aos estudos, embora fosse um aluno aplicado e entregasse todos os trabalhos. Seu primeiro emprego no Jornalismo foi obtido graças a essa dedicação: seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) consistia em criar um jornal interno para uma distribuidora da Editora Abril e, como ele caprichou no projeto, acabou sendo contatado pela empresa para colocar a idéia em prática. 
Mais tarde, em 1985, foi convidado para fazer um teste na Central do Interior da Zero Hora. "Até me exibo que entrei na ZH por concurso público, porque havia uma vaga, porém, recém havia fechado um jornal da Caldas Júnior. Como eram muitos concorrentes, resolveram fazer uma prova e, felizmente, passei." Depois de oito meses, foi convidado para integrar a editoria Geral do jornal, numa época em que atuavam, segundo ele, "só feras". Houve um espanto inicial por ser um foca no meio de "estrelas", mas fez um bom trabalho e, inclusive, atuou como delegado sindical do impresso. Com isso, participou de um movimento por melhores condições de trabalho na ZH e, conseqüentemente, adquiriu estabilidade, mas se sentiu mal porque o mesmo não ocorreu com muitos dos colegas. O fato motivou sua ida para o Diário do Sul, do grupo Gazeta Mercantil, como repórter especial. "Vestíamos a camiseta do jornal e enfrentávamos forte concorrência. Ali, eu aprendi a fazer jornalismo diário, de guerrilha, pois todos os dias tinha que ter alguma coisa, legal, diferente e surpreendente."
O bom filho à casa torna?
Em 1988, depois do fechamento do DS, foi trabalhar na sucursal da Veja, em Porto Alegre , num período em que, conforme Stefanelli, a revista viria a ajudar a eleger e, depois, a derrubar o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello. Nessa época, usava um aparelho BIP e estava 24 horas à disposição da Veja. "Todas as funções que exerci na minha vida, desde a primeira, eu sempre consegui trabalhar cada vez mais. Isso é incrível! Parece que tenho um dom de não conseguir trabalhar menos", brinca.
Depois de dois anos, a convite do jornalista Ruy Arteche - seu "grande guru" e com quem aprendeu a arte da edição -, retornou à ZH através do caderno Campo e Lavoura. Foi nesse período, em 1992, que ganhou o Prêmio Esso por uma série de matérias sobre contrabando de lã, publicadas na editoria de Economia. "Quando o Augusto Nunes veio para fazer todas aquelas modificações na Zero Hora, ele notou que o Arteche era um ser especial dentro do jornal e o colocou para coordenar o motor da Redação, a editoria Geral. Então, o Ruy disse que só ia se me levasse junto e eu acabei indo para ser o seu braço-direito."
Antes de assumir o cargo de diretor de Redação de ZH, atuou como coordenador de força-tarefa, ajudou a reformular a Central do Interior, trabalhou ainda como repórter especial e editor-chefe do jornal, em 2000. Como repórter especial, diz ter feito a matéria mais gratificante de sua vida sobre uma tropeada no Interior, que durou oito dias de viagem, dormindo ao relento: não rendeu prêmio, mas rendou as maiores e mais emocionantes manifestações que teve na carreira. Até que, em agosto deste ano, foi - em suas palavras - convocado para a missão de substituir Marcelo Rech na direção da Redação. Rech passou a atuar como diretor de Produto. 
Rádio, jornal e café da manhã
Estar bem informado não é apenas mais uma das suas obrigações: é um de seus hobbies, que coloca em prática diariamente e com muito prazer. De manhã cedo, tem o hábito de, simultaneamente, ler a Zero Hora e ouvir a Rádio Gaúcha. O rádio é uma de suas paixões, tanto que, além de ser um participante assíduo do Sala de Domingo,  tem seis aparelhos espalhados pela casa, um deles no banheiro. "O mais antigo tem 25 anos e ainda funciona", orgulha-se.
É eclético para leitura e cinema, atividades que considera suas válvulas de escape. Ainda que apaixonado pelo frio, não abre mão das praias. Já fez, inclusive, um curso de surfista, e Ferrugem, em Santa Catarina , é o destino preferido. Quanto à música, gosta de REM e U2 - ainda pretende realizar o sonho de assistir a um show em Dublin, terra natal da banda irlandesa.
Stefanelli afirma que a vaidade não faz parte de seu currículo. Ele se descreve como uma pessoa dotada de conceitos e que sempre age de forma coerente com o que acredita, independentemente de logotipo estampado em seu crachá. Reconhece ser um chefe duro, muitas vezes, intolerante - talvez  pelo grau de dedicação e exigência que ele mesmo tem em relação ao próprio trabalho.
Enquanto seu corpo tiver forças, seguirá com sua cruzada contra o lugar-comum, como combatedor das obviedades e do jornalismo sem sal. Para isso, todos os dias se pergunta: "Como não ser igual amanhã?" A resposta quem dá é aquele mesmo menino que, na década de 1970, não conseguia parar quieto na sala de aula.
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