Paulo Moura: Repórter por acaso

Jornalista esportivo fala sobre seu início na profissão, totalmente por acaso, e confessa que está na hora de parar

Paulo Moura mal chega à redação do Correio do Povo, onde exerce a função de subeditor de esportes, e começam as solicitações. "Moura, qual destas fotos devemos usar?", pergunta um dos fotógrafos. Não demora muito e outro pedido para edição de texto aparece. O nome Moura ecoa pela redação e ele segue de um lado ao outro para auxiliar no fechamento da edição. O jornalista interrompe a tarefa para conceder entrevista, mas os olhos não saem do relógio. "Está bom assim? Preciso voltar para a redação", diz preocupado com o fechamento. 

Tamanha dedicação ao trabalho lhe rendeu a fama de 'lenda viva da editoria de esportes', entre os colegas. Hiltor Mombach, chefe da editoria de esportes do CP, é um de seus admiradores. "O Moura deveria ser levado para as faculdades de jornalismo como exemplo de profissional. Ele é um ícone da imprensa gaúcha."

O primeiro contato de Moura com o jornalismo foi em 1961, quando foi indicado pelo Irmão Nelson, que era repórter do grupo Caldas Júnior de Comunicação, para trabalhar na extinta Folha da Tarde Esportiva, um dos jornais do grupo. Hoje é o funcionário mais antigo da redação do Correio do Povo. Aos 79 anos, acumula quase 50 de exercício da profissão. Sua vontade de parar é contrariada pelos colegas. "Quero ir embora mas não deixam. O que, de certa forma, me deixa feliz porque mostra o reconhecimento que têm pelo meu trabalho."

Jornalista por experiência adquirida, Moura nunca frequentou os bancos acadêmicos. "Diploma não quer dizer que o cara seja competente. Sou jornalista por experiência. Sempre busquei ler muito e estar atualizado. Acho que é isso que realmente importa", diz. O tempo mostrou que Moura acertou seu caminho profissional. Entre outros reconhecimentos, ele recebeu o Prêmio ARI de Jornalismo, pela reportagem Um homem atirado às Feras, sobre a vida de Mário Severo, árbitro de futebol, na década de 60. "Ele é o jornalista mais apaixonado por esportes e pelo Correio do Povo que eu conheço. Já recebeu muitos convites para trocar de emprego, mas nunca aceitou", revela a jornalista Aline Moura, sobrinha de Paulo.
Hora de parar

Embora tenha se encontrado no jornalismo, sua estreia na atividade foi totalmente por acaso. Moura não sonhava em ser repórter, muito menos de esportes. O convite para trabalhar na Folha da Tarde foi aceito apenas para complementar sua renda. Na época, ele também trabalhava em uma editora como vendedor de livros. Sua primeira atribuição na redação foi receber, por telefone, notícias transmitidas pelos correspondentes sobre as partidas de futebol que ocorriam no interior. Depois passou a fazer cobertura de jogos esportivos, entre eles o Turfe, no tempo em que as apostas em cavalos de corrida eram muito apreciadas pela alta sociedade porto-alegrense, isto na década de 1960.

Aposentado desde 1984, Moura chegou a ficar em casa por dois anos, mas quando da reabertura do CP, em 1986, foi convidado para voltar à redação, de onde nunca mais saiu. Mesmo sendo um apaixonado confesso pela profissão, diz que está chegando a hora de parar. "Quero curtir meus netos, sair para viajar com minha esposa, aproveitar o tempo que ainda me resta em vida." A família concorda. Os filhos até já propuseram lhe pagar para ficar em casa. O fato o diverte.

Pai de seis filhos e avô de 10 netos, o jornalista conquistou algo raro nos dias de hoje. Comemorou, em 2006, 50 anos de casamento. "A Sílvia é a grande companheira da minha vida", comenta. Os dois se conheceram na parada de ônibus. "Sempre nos encontrávamos no mesmo horário na parada, pois pegávamos a mesma lotação", recorda. Como os olhares e as conversas só faziam aumentar, decidiram namorar. Mas o começo do namoro foi meio perturbado: "Um dia me convidaram para um aniversário de família. Achei cedo para aceitar e agradeci. O pai dela ficou furioso e me proibiu de visitar a filha dele." O episódio resultou em dois meses de encontros escondidos. O casamento com Sílvia aconteceu quatro anos antes de seu 'casamento' com o jornalismo esportivo.
Tempos difíceis

Em 48 anos de profissão, Moura só esteve distante dos esportes por um ano. Ocorre que, com o fechamento da Folha Esportiva, em 1965, todos os funcionários do jornal foram transferidos para a redação da Folha da Tarde (que também seria fechada em 1983). Lá, Moura foi repórter de polícia por um ano. Depois recebeu o convite para integrar a equipe de esportes do Correio do Povo, onde permanece até hoje.

Na empresa, presenciou tanto os momentos de glória, como a liderança de audiência do CP nos anos 1970, como a queda e fechamento na década de 1980. "Passamos por momentos muito complicados. Ficávamos sem receber, nos pagavam com vales. Uns bacanas da empresa costumavam fazer retiradas de dinheiro no caixa do jornal para viajar para Punta del Este com as namoradas. E nós sem receber salário há dois meses", lembra.

Desesperado com a situação de trabalhar e não receber, com uma família de seis filhos para sustentar, Moura bateu à porta da direção do jornal. "Expliquei ao senhor Breno (Breno Caldas, proprietário do grupo Caldas Júnior de Comunicação) que esse era meu único emprego. Ele pegou o telefone e ordenou ao tesoureiro que me pagasse. Era só assim que conseguíamos receber." Nessas horas, Moura sempre pensava em mudar de profissão, mas a vontade, segundo ele, nunca durava muito tempo.
Com ética e paixão

Natural de Passo Fundo, o jornalista veio para Porto Alegre com a família nos anos 40. O irmão mais velho, Heitor (já falecido), era jogador do Grêmio e, como estava ganhando bem, mandou buscar a família. Na capital, Moura chegou a ter a chance, oferecida pelo irmão, de seguir carreira no futebol. "Fui até o estádio ver o Heitor treinar e ele me disse para colocar o uniforme e entrar em campo. Tremi nas bases e não fui. Não era para ser", reflete. A carreira como esportista não decolou, mas a paixão pelo futebol sempre existiu. Quando perguntado sobre seu time do coração, o máximo que responde é: "Vermelho eu não sou". Na juventude, chegou a torcer para o Cruzeiro, mas agora diz não ter preferências.

A cautela em revelar para que time torce o segue na tomada de decisões. Com ímpeto de repórter, diz já ter tido matérias vetadas, mas explica que aprendeu a ser tolerante. "A reportagem já teve muito mais romantismo, hoje é mais fria e objetiva. Os repórteres não saem mais para a rua". Moura não concorda com a prática atual de fechamento das edições de domingo ainda nas sextas-feiras. "O jornal O Sul leva vantagens porque cobre partidas de sábado. O Correio do Povo já foi assim em seus tempos áureos", desabafa.

Para Moura, com tantas mudanças no perfil da profissão, o bom jornalista será aquele que encarar o ofício com dedicação e seriedade. "Não há mais espaço para os medíocres." Fazendo um diagnóstico do cenário atual, define que quem não entrar para a comunicação digital será ignorante. "A internet é a evolução do jornalismo tradicional". Assume ter dificuldades com as novas tecnologias, mas diz que está sempre buscando aprender. Para os que estão começando o conselho é que sejam éticos acima de tudo. "Um bom jornalismo é feito com ética e paixão." 
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