Jurema Josefa: Feliz da vida

Jurema Josefa fala dos anos como repórter e de como se sente em casa no Correio do Povo

"É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe." O trecho da canção de Vinicius de Moraes, com certeza, combina com a filosofia de vida de Jurema Josefa, chefe de reportagem do jornal Correio do Povo. "Eu escolhi ser alegre. Se tem coisas boas na vida que podemos valorizar, por que escolher ser triste?", questiona, ressaltando que sua felicidade hoje se chama Valentina, a neta de um mês e meio.

Jurema Josefa também é da Silva, mas isso poucos sabem. Ela chegou a assinar o sobrenome logo nas primeiras matérias, mas um professor a aconselhou: "Jurema Josefa é um nome forte, aproveita isso". A sugestão foi aceita quando a profissional tomou conhecimento de que uma das primeiras jornalistas gaúchas se assinava Maria Josefa.

Nascida em Lajes, Santa Catarina, ela é a mais nova de oito irmãos e a única que cursou faculdade. De família humilde, cresceu num sítio. Chegou em Porto Alegre aos 20 anos para trabalhar como empregada doméstica. Veio com a família Costa, de Santa Catarina. Na Capital, passou a acompanhar os acontecimentos da época. O ano era 1968, e os conflitos entre policiais e estudantes eram constantes. "Aquilo me revoltava." Aos poucos, percebeu que queria mesmo era ser jornalista.

Estimulada pelos filhos da família Costa, prestou vestibular para Jornalismo. Antes, teve que explicar e 'teimar' com o pai, Valdomiro Timóteo da Silva, que a profissão "era coisa de mulher decente". A mãe, Maria Pereira de Jesus, apaziguou os ânimos entre a filha "incendiária", como se autodefine, e seu progenitor. Acontece que Jurema saiu brigada de casa no dia em que o pai falou para a filha que a profissão era atividade de prostitutas. "Saí dizendo que então ele teria uma filha prostituta porque eu ia fazer Jornalismo."

A vida em família está entre suas lembranças carinhosas, e Jurema emociona-se ao falar dos pais e dos irmãos. "Família grande está sempre envolvida com a vida de todo mundo, né? Sempre que posso, vou visitá-los", diz, ressaltando que o clã, o trabalho e os amigos são suas prioridades na vida. E foi em uma dessas visitas que um dos primos lembrou do gosto de Jurema por ler jornais já aos sete anos de idade. "Falamos sobre isso há pouco tempo. Eu passava dias lendo os jornais que o meu primo trazia da cidade. Acho que já era um indício do caminho que eu ia seguir."

Um cachorro-quente por dia

Passou no vestibular para Jornalismo para a Famecos no mesmo ano em que a família Costa voltou para Lages. Foi quando iniciou a fase que chamou de "um cachorro-quente por dia". Com pouco dinheiro para pagar suas refeições, optava por comer à noite. "Descobri que não conseguimos dormir com fome, por isso deixava para comer sempre à noite e recomendo isso para as pessoas até hoje. Além, é claro, de nunca recusarem convites para almoçar ou jantar. Não se deve negar comida", brinca ao lembrar seu difícil início nos anos da faculdade. Nessa época, foi acolhida pela amiga Maria Inês Bittencourt. "Ela me alimentou e me deu guarida por um tempo, até eu me aprumar", recorda.

Em busca de trabalho, Jurema vendeu enciclopédias de porta em porta e teve passagem por uma agência de turismo. Ao final de seu primeiro ano de estudos, conseguiu uma vaga no extinto Diário de Notícias, em 1972. Como cobria os acontecimentos da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, soube da possibilidade que os políticos tinham de destinar verbas para os alunos, e assim conseguiu uma bolsa. Em 1974, foi convidada para trabalhar na também extinta Folha da Tarde.

Na redação da Folha, passou por diversas editorias e aprendeu a escrever. "A Helena Renaux lia os meus textos e pedia para eu reescrever, me dava dicas, aprendi mesmo fazer reportagem com ela." Jurema assinava uma coluna sobre tradicionalismo e folclore gaúcho. Lá, ficou até o fechamento em 1984. "Foram tempos muito difíceis." Mas também foi durante o período em que estava na Folha que conheceu seu 'alemão', como costuma chamar o marido, Gilberto Sander Müller, com quem está há 35 anos.

Os dois se conheceram durante uma seleção para participar do Projeto Rondon. "Disseram para eu escolher uma dupla para fazer os trabalhos e daí eu disse: 'Fico com aquele alemãozinho ali'." O que ela não sabia é que ficaria mesmo. Ao final do dia, Gilberto acompanhou Jurema até em casa, que, para surpresa de ambos, era sua vizinha. Na mesma tarde, ele arriscou um convite para ir ao cinema. Ela, porém, foi durona e só aceitou tempos depois. A relação fluiu e os dois foram morar juntos em novembro de 1975. Sobre o companheiro, ela é categórica: "Ele é o meu homem, o meu príncipe".

Um porre por Brizola

Jurema e Gilberto são pais de Bernardo, 26, especialista em informática. O filho tão desejado do casal veio na quarta tentativa, após três abortos naturais. Ela estava com 36 anos e descobriu-se grávida em meio à greve dos colaboradores do Correio do Povo. Integrava a comissão de alimentação, que tentava conseguir mantimentos para os colegas que, sem receber salários, não tinham o que comer em casa. Comovidos com a situação de Jurema, que estava prestes a encarar uma gestação de risco, os colegas pediram que ela se dedicasse ao filho que estava por vir. Meses depois, a jornalista e os demais colegas grevistas seriam demitidos por um telegrama.

Com o filho recém-nascido, Jurema integrou o grupo de jornalistas que participou da fundação da rádio Pampa, de Otávio Gadret, em 1984. Fez assessoria de imprensa para o Sindicato de Turismo de Porto Alegre e foi trabalhar na Zero Hora. "Eu precisava estar nas redações", diz referindo-se ao seu gosto por reportagem. De seu tempo como repórter, guarda momentos inesquecíveis como a cobertura das greves dos professores e da construção civil, o incêndio das Lojas Renner em 1976, e, mais recentemente, em 2001, o primeiro Fórum Social Mundial ocorrido em Porto Alegre. "A imprensa do mundo inteiro estava aqui. Foi emocionante participar daquele momento da História", diz.

Sua fase de repórter também inclui a paixão por Leonel Brizola. "Embora eu deixasse claro que apoiava ele, minhas matérias sempre foram neutras. Ninguém nunca reclamou de imparcialidade", afirma, lembrando que se embebedou quando soube da morte do líder político, em 2004. Na época, Jurema acompanhava uma comitiva do governo do Estado à China e precisou trabalhar toda a noite para colher depoimentos dos políticos que estavam lá. "No final, tomei um porre em homenagem ao Brizola."

Voltando para casa

Os anos passados em Zero Hora terminaram de forma difícil para Jurema, que precisou ingressar na Justiça para deixar o cargo e garantir seus direitos, já que estava sofrendo retaliações no veículo. "Com a morte do Maurício (Sirotsky Sobrinho), muita gente foi mandada embora, e eu, como era delegada sindical da Cipa (Comissão Interna de Prevenção aos Acidentes de Trabalho), não podia ser demitida. Resultado, fui transferida para o arquivo." A ação demorou 10 anos para ser concluída, mas a jornalista venceu e fez valer seus direitos.

Após deixar o Grupo RBS, em 1992, teve passagens pela assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Fazenda, e não teve dúvidas: bateu na porta do Correio do Povo pedindo para voltar. "Me senti voltando para casa", confidencia. Deixaria a redação do CP mais uma vez ainda, em 1996, para trabalhar na campanha de Yeda Crusius à prefeitura de Porto Alegre. No ano seguinte, voltou a pedir emprego na redação, onde está até hoje, há seis anos como chefe de reportagem. "Eu sempre tive o espírito livre. Sinto muitas saudades da rua". Recorda de um momento durante o último Fórum Social Mundial em que os participantes passaram pelo prédio do jornal em passeata pela Rua da Praia. "Chorei quando vi aquele povo passando aqui. Acho que eles fizeram para me provocar", diz, para explicar que se sente presa sem poder sair pra para fazer reportagem.

Não que ela não se sinta à vontade na função que exerce hoje. Os anos como repórter a credenciam para desempenhar seu papel. "Me sinto bem fazendo as articulações e instruindo os colegas." O cargo ela assumiu em 2004, após a morte do jornalista Paulo Acosta, seu antecessor. "O Paulo foi um grande colega", diz, em outro momento de visível emoção. A equipe, segundo ela, é unida e trabalha em parceria. As reuniões com os editores são diárias e suas dicas, constantes. Costuma ensinar para os mais novos que "fonte, a gente fabrica indo diariamente olhar para a cara dela. Até o dia em que ela te liga e passa informações por conta própria".

Aos 62 anos e com o mesmo pique de quem está começando, Jurema diz que ainda tem muito a contribuir com a profissão. "Se eu tivesse que escolher outro ofício faria tudo de novo e exatamente da mesma forma", diz a avó da Valentina. A netinha é a alegria da jornalista nos últimos tempos. "Minha vida agora é trabalhar e curtir a neta", derrete-se.

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