Jayme Copstein: A voz da madrugada

Jornalista comandou programa que mudou o perfil das atrações oferecidas no rádio, após a meia noite

Por Poti Silveira Campos
Durante duas décadas, os acordes de Heaven Can Wait, composição de Dave Grusin para o filme homônimo - no Brasil, O Céu Pode Esperar, de Warren Beatty e Buck Henry, de 1978 - constituíram marca registrada de um dos programas de maior audiência da Rádio Gaúcha. No comando do microfone, estava o jornalista Jayme Copstein, hoje com 83 anos. O programa - Gaúcha na Madrugada - inovou o que era oferecido pelo rádio no Estado naquele horário e representou um momento marcante na carreira do profissional. Hoje, afastado da latinha - ele se diz "desempregado" -, Jayme ainda esbanja vitalidade e a mesma espirituosidade que tanto agradava os ouvintes. Desempregado ou não, segue jornalista: "Nasci jornalista. Vou morrer jornalista e, se ressuscitar, ressuscitarei jornalista".
Jayme quase nasceu jornalista, mesmo. Quase, mas começou cedo, aos 15 anos, em A Gazeta da Tarde, diário de quatro páginas e tiragem de 300 exemplares, em Rio Grande. Ele havia vencido um concurso de redação na escola. O trabalho foi publicado no jornal O Tempo, também de Rio Grande, para chamar a atenção, contudo, do Major Raul Barlém, o chefão em A Gazeta da Tarde. "Era chamado assim não por posto militar, mas pelo sentido em latim. Major é maior, em latim. Ele era o maioral", explica Jayme. Além do jornal, Jayme se dedicava à Rádio Cultura Riograndina, a primeira emissora estabelecida naquele município.
Rio Grande é também a terra natal. Jayme veio ao mundo no dia 7 de janeiro de 1928, filho do imigrante moldávio Bernardo Copstein e de Léa. Bernardo e Léa eram primos. Antes de Jayme, tiveram Rafael, professor aposentado da Ufrgs, hoje com 85 anos. Casado com Maria, o jornalista é viúvo desde 2005. É pai de Léa, Lucy e Leslie, avô de Berenice, Bruna, Joyce, Lídice e Alicia e bisavô de Lucas. Mora sozinho - mas não solitário - em um confortável apartamento na Rua Reis Louzada, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre.
Diploma obrigatório
Jayme chegou adolescente à capital gaúcha. Aos 17 anos, foi trabalhar na Rádio Farroupilha. Primeiro, redator de publicidade. Depois, redator artístico - ou seja, redigia roteiros e diálogos de programas da emissora. Em casa, no entanto, enfrentava a oposição do pai. "Ele não gostava que eu fosse jornalista", diz Jayme. Bernardo encarava a profissão do filho como coisa de vagabundos e de bêbados. Jayme descobriu cedo a obrigatoriedade do diploma: "Em razão da coação familiar, tive de fazer um curso universitário". Escolheu o mais breve na época - Odontologia - e ficou chateado que o tempo de formação havia sido aumentado em um ano justamente quando ingressou na faculdade.
O profissional recém-formado retornou para Rio Grande e exerceu Odontologia e Jornalismo, simultaneamente, durante 10 anos. "Era uma mistura que não dava certo. O meu horizonte de dentista não ia além do céu da boca." Em 1959, voltou para Porto Alegre. Em 1960, estava novamente na Rádio Farroupilha, mas ficou pouco tempo ali, pois em seguida ingressou na redação do Diário de Notícias, a convite do chefe de reportagem, Floriano Corrêa. Foi o início de uma longa temporada em veículos impressos. Sete anos no Diário de Notícias; depois, 16 no Correio do Povo, entre 1968 e 1984; e, finalmente, menos de um ano no Jornal do Comércio. A partir de 1985, o rádio retornaria à vida do jornalista.
Desta vez, o convite partira de Flávio Alcaraz Gomes, que havia se tornado gerente-executivo da Rádio Gaúcha. Jayme era editor-chefe do Jornal do Comércio. Flávio propusera que ele assumisse o horário da meia-noite às 3h na Gaúcha, reapresentando as principais entrevistas do dia, com comentários próprios junto aos trechos editados. Jayme havia aceitado o convite, mas, antes de entrar no ar com o programa que iria transformar a madrugada no dial gaúcho, teria de enfrentar um pequeno desafio: conquistar alguma intimidade com o microfone.
Deu branco
Sua única experiência com locução deixava a desejar. Havia sido em 1948, no programa A Dança da Vida, em que o personagem por ele interpretado - um brigadiano - teria um rápido diálogo com o personagem de Cândido Norberto - um delegado de polícia. "Doutor delegado, o cadáver está na sala", era tudo que Jayme deveria dizer. Ainda assim, deu problema. "A voz não saiu", conta. Ou seja, deu branco. Travou. Saiu o "doutor delegado" e era isso. Foi salvo por Cândido Norberto, que teve presença de espírito: "Já sei, o cadáver está na sala".
Sem experiência no microfone, Jayme, contudo, refletia sobre o programa que iria comandar na Gaúcha. Lembrou-se de um artigo do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. "Ele dizia que o rádio deveria ser um veículo de duas mãos", explica. Em 1985, quando a Internet sequer existia, Jayme deu início a uma experiência de verdadeira interatividade na emissora da RBS. Os microfones estariam abertos aos ouvintes, por meio de duas linhas telefônicas. Gaúcha na Madrugada foi ao ar no dia 4 de fevereiro de 1985. O músico Wladimir Lattuada havia escolhido a trilha sonora. O operador era Glademir Menezes. A arquitetura do programa ficou a cargo de Délcio de Souza.
A exemplo do que havia ocorrido em 1948, a estreia quase resultou em desastre. Deu branco novamente. Jayme foi conduzindo o programa do jeito que dava, lançando mão das entrevistas, dos telefonemas dos ouvintes - cujo teor, naquela primeira noite, era bem fraco - e de intervalos comerciais. "Saí da rádio e fui caminhando pela Avenida Ipiranga, às 3h. Como é que eu havia me metido numa encrenca daquelas? Se eu fosse diretor da rádio, teria me demitido na hora", relembra. No outro dia, chegou à emissora convicto de que estava no olho da rua. "Tiraram o programa do ar?", perguntou a Glademir. "Não, por que fariam isso?", respondeu o colega. Dezenove anos se passariam antes de Jayme sair do ar.
Interesse de todos
O jornalista logo percebeu que os ouvintes estavam pouco ou nada interessados na reprise, ainda que editada e comentada, das entrevistas do dia da Rádio Gaúcha. As pessoas queriam, sim, falar sobre assuntos mais próximos, fossem temas sérios ou um tanto estapafúrdios como, por exemplo, reconhecer a fêmea do quero-quero. Especialistas começaram a ser convidados para colaborar com o programa e com os ouvintes sobre direitos do consumidor, previdência e sistema financeiro de habitação. A audiência crescia a cada dia. Ou melhor, a cada madrugada.
O crescimento da audiência também determinou o surgimento de um personagem importante em Gaúcha na Madrugada. Seguidamente, o telefone tocava para dar espaço a ouvintes, digamos, constrangedores. "Eu precisava criar um elemento que servisse para tirar esse tipo de coisa do ar", diz Jayme. Foi pesquisar nos arquivos da rádio e encontrou o grasnar de um pato, utilizado em um antigo programa de calouros da Rádio Nacional, do Rio de Janeiro - A Hora do Pato. Surgia O Pato. "O cara pisava na bola, levava o (grasnar do) pato", relata. Com o tempo, Jayme passou a conversar com o Pato. A ave tornou-se uma espécie de comentarista. "No final, eu era o subapresentador do programa. O apresentador era o Pato", brinca Jayme.
Em 1995, com a formação da Rede Gaúcha Sat, o programa torna-se nacional e passa a se chamar Brasil na Madrugada. No mesmo ano, Jayme recebe a Medalha de Prata no Festival Internacional de Rádio de Nova York, na categoria Melhor História de Interesse Humano, com o trabalho Memórias de um Menino de Rua, narrando a trajetória do economista Carlos Nelson dos Reis, de acordo com registro de Luiz Artur Ferrareto. Em 2004, Jayme deixou o comando do programa, tornando-se comentarista da Rádio Gaúcha. A relação com a RBS se estendeu até 2007.
Livro e viagem
Somado às experiências em rádio e jornal, Jayme tem o talento registrado também em livros. Em 1997, havia lançado Notas Curiosas da Espécie Humana, pela AGE. Em 2008, é a vez de Ópera dos Vivos, pela Canadá Editora, com histórias do Jornalismo. Depois disso, vai trabalhar na Rádio Pampa, com o Programa Paredão, e assinando ainda uma coluna em O Sul. A passagem é rápida. "O programa não decolou", revela. Além disso, Jayme pretendia viajar. Queria visitar a filha que reside no Canadá, viagem que ocorreu em 2010. "Eu não viajava desde 2005, quando estive nos Estados Unidos e em Israel. No mundo de hoje, cinco anos representa uma brutal diferença", avalia.
No caminho para o Canadá, conhece o Centro Nacional do Livro Iídiche, nos Estados Unidos, que reúne mais de 1,5 milhão de obras no dialeto. O iídiche está no centro das atenções da produção literária do momento de Jayme. "Estou escrevendo um livro sobre assuntos judaicos", afirma. Ele trabalha pela manhã, em um pequeno escritório dentro do próprio apartamento. Sobre a mesa, junto ao computador, dispositivos móveis de última geração. Nas estantes, livros e mais livros. "É minha terceira biblioteca", diz, explicando que as outras duas foram vendidas.
Mas os livros sempre ressurgem, acompanhando a produção incansável de Jayme. Isto inclui dois livros de crônicas prontos para edição. Um deles, reúne crônicas publicadas em Coletiva.net. Outro, intitulado Os Piratas dos Sete Bares, histórias de mesa de bar - livros que, certamente, darão continuidade às narrativas encantadoras de Jayme Copstein.
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