Adriana Franciosi: A composição da imagem

Única mulher da equipe de fotografia de ZH, Adriana Franciosi conta os desafios da trajetória no fotojornalismo

Não só de visualizações se faz um fotógrafo. Adriana Franciosi, fotojornalista em Zero Hora, acredita que toda a experiência vivida, a formação cultural e educacional compõem o olhar do profissional. Um tranquilo café do bairro Bom Fim é o cenário escolhido para a entrevista. Durante a conversa, ela destaca uma frase, de autor desconhecido, da qual gosta muito - tanto que compartilha a mesma no Facebook e carrega anotada em seu bloco pessoal: "Um fotógrafo não faz uma fotografia apenas com sua câmera, mas com os livros que leu, os filmes que assistiu, as viagens que fez, as músicas que ouviu e as pessoas que amou".
Formada em Jornalismo pela PUC, em 1991, teve a primeira experiência na fotografia aos 17 anos, quando ainda cursava Direito, na Universidade de Passo Fundo.  Resistiu às oportunidades em assessoria de imprensa e enfrentou a resistência de um mercado de trabalho dominado pelos homens. "Bati o pé. Eu disse: "Quero ser fotógrafa"", brinca. Autora do livro Porto Alegre, Brasil, juntamente com Leonid Streliaev, o Uda, e Liane Neves, não tem dúvidas de que ama o que faz. "Acredito no meu trabalho e é isso que me faz permanecer no Jornalismo", ratifica.
Atitudes e pessoas
Há 20 anos em ZH, é hoje a única mulher da equipe de fotografia, formada por cerca de 20 profissionais. Do jornal, agradece por ter tido a possibilidade de trabalhar ao lado de profissionais como Ricardo Chaves, o velho Kadão, de quem recebeu muito "puxão de orelha", mas também muito carinho e atenção. É uma pessoa por quem, assim como o diretor  Marcelo Rech, nutre grande admiração.
A entrada no impresso foi no fim da faculdade, por meio do curso de Jornalismo Aplicado, promovido pelo Grupo RBS. Na época, eram disponibilizadas 30 vagas, parte para estudantes e outra para profissionais da empresa. Após uma série de testes, foi selecionada e, ao término, convidada para permanecer. "Tenho muito orgulho de ter entrado lá pelo curso. Porque foi pela porta da frente, foi por mérito."
Antes, passou pela agência Objetiva Press e também pelo Correio do Povo, onde foi uma das primeiras mulheres a atuar como repórter fotográfica, "senão a pioneira", conforme lembra. No veículo, contou com o apoio, em especial, do então editor de Fotografia, José Ernesto. Apesar de protetor e um pouco receoso, foram sob o comando dele as primeiras saídas para as coberturas tumultuadas e confusões. "Dizia: "Eu posso fazer isso. Se eu me machucar, vou me machucar tanto quanto um homem"", rememora. Nunca tinha usado uma teleobjetiva 300 milímetros quando cobriu o caso Daudt (jornalista e deputado estadual que nunca teve sua morte esclarecida) e foi com o fotojornalista João Carlos Rangel que aprendeu a conectar a lente, como lembra com carinho.
Na bagagem de fotógrafa
Uma das experiências profissionais que considera de grande importância viveu ainda nos tempos da faculdade. Foi na Coordenação do Livro e Literatura de Porto Alegre, onde tinha a tarefa de organizar o acervo, o que representava ter acesso a publicações de diversos segmentos e diferentes linhas editoriais, da revista Veja até O Pasquim e Realidade, referências em reportagem fotográfica.
Tem gosto especial por retratos e crê que já fotografou a maior parte das personalidades gaúchas do meio empresarial e cultural. Outra atividade que aprecia é quando, a cada dois anos, se une à equipe de Política de ZH para a cobertura das eleições - sejam presidenciais, municipais ou estaduais. Sem desmerecer os fatos do dia a dia, ressalta que nenhuma pauta é menor do que outra. Acredita que é justamente essa mistura de eventos, extremamente essencial, que compõe o cotidiano do jornal.
Para Adriana, o desafio da fotografia no momento atual é fazer diferente. Em "tempos de iPhone", em que qualquer pessoa tem na mão um celular capaz de fazer um registro em imagem, pensa que "o fotógrafo não pode se limitar à mera reprodução do que se enxerga. Deve buscar aquilo que passa despercebido". Isso tudo, é claro, sem perder o propósito do fotojornalismo: informar.
Do trágico ao sobrenatural
Das inúmeras pautas que cobriu, algumas merecem destaque. A primeira delas compartilhou com o colega Humberto Trezzi. Em 2008, foram designados para auxiliar o Jornal de Santa Catarina, na cobertura da enchente naquele estado. Desenvolvido em condições de tragédia, o trabalho ajudou a equipe envolvida a conquistar o Prêmio Esso no ano seguinte.
Em outra ocasião, Adriana e o jornalista Moisés Mendes foram à Vila Cruzeiro confirmar o endereço de uma fonte. Ela permaneceu no carro, enquanto o colega conferia o local indicado, quando um menino passou pelo veículo e, armado, assassinou duas pessoas. Os disparos duraram o tempo suficiente para uma foto. A imagem foi capa de ZH e ajudou a identificar e localizar o rapaz. Após o ocorrido, passou um período distante de Porto Alegre, por orientação do jornal. O episódio trágico, por vezes, ainda rende pesadelos.
Feita para o Dia de Finados, uma pauta quase se transformou em caso sobrenatural. A imagem de uma senhora rezando sobre um túmulo foi capa em ZH e chamou a atenção de leitores, que reconheceram a personagem como uma familiar falecida. Adriana diverte-se ao contar que o assunto agitou a redação, na época coordenada por Marta Gleich. No fim, a equipe conseguiu localizar a mulher e provou à família tratar-se apenas de uma coincidência.
Mudando de rumo
Nascida em Serafina Correa, município que abrigava o único hospital das proximidades, Adriana, filha de Idite Zamprogna Franciosi e Osmar Franciosi, é a caçula de cinco irmãos. Perdeu o pai em um acidente de caminhão quando ainda tinha dois anos, mas garante que, apesar da tragédia, teve uma infância bastante feliz. Se orgulha da mãe, que, após a morte do marido, decidiu dar um futuro melhor aos filhos e deixar o distrito de Evangelista - de colonização italiana conhecido como Linha 15, na região Norte do Estado.
Foram para Passo Fundo, onde Adriana teve a primeira oportunidade na fotografia. Trabalhava na área comercial do jornal O Nacional, setor com o qual não tinha identificação alguma, mas precisava pagar a faculdade de Direito. Interessada pela fotografia desde os 13 anos, quando ganhou a primeira câmera, uma Polaroid, não hesitou quando se deparou com a vaga de fotógrafa no impresso. Teve a oportunidade de estar nos mesmos lugares que fotógrafos experientes e, ao lado desses, aperfeiçoou o conhecimento. "Eles chegavam com aquelas objetivas maravilhosas e eu ali com a minha Olympus. Não tinha vergonha de perguntar o que era uma tele (objetiva), uma grande angular, etc."
Encantada pela profissão, deixou o Direito, com um ano e meio de curso, e junto com o então namorado Marco Aurélio Weissheimer - hoje um grande amigo -, foi para Porto Alegre estudar Jornalismo. A vinda para a Capital representava uma vida nova, uma nova perspectiva. "Falei pra minha mãe: "Estou indo". Na época, ela ficou muito triste, porque eu larguei o Direito para ser repórter fotográfica, mas claro que hoje ela vê de outra forma", esclarece.
Com o pé na estrada
Apreciadora de uma boa viagem, Adriana relata que já conheceu todas as capitais da América do Sul, parte da América Central, Estados Unidos e Europa. Dos lugares que passou, destaca a capital francesa pela qualidade e estilo de vida que mais a agrada. A próxima parada já está programada: irá a Nova Iorque para renovar os equipamentos fotográficos e aproveitará para visitar amigos no Canadá.
Acredita que as viagens têm a capacidade de abrir o olhar das pessoas, expandir as perspectivas. Certa vez, viajou de Paris para Nova Iorque apenas visitando exposições. "Cheguei à conclusão que 90% do que se vê é lixo. Em compensação, os outros 10% mudam completamente a tua percepção", explica.
A pintura, em especial impressionista e moderna, é uma grande influência. Adriana revela que essa arte, de forma geral, sempre a seduziu, até descobrir seu real talento. A fotografia de rua de Robert Doisneau; Dorothea Lange, que registrou os reflexos da crise de 1929 na vida dos camponeses; o estilo construtivista do russo Aleksander Rodchenko; e, claro, o "pai do fotojornalismo", Henri Cartier-Bresson, são algumas referências profissionais.
Longe das pautas
O estilo musical é variado, vai de Radiohead a Madonna. Gosta de cinema, sem preconceitos, e relata que assiste até filmes B. "Nem tudo precisa ser papo-cabeça. É bom ver uma bobagem de vez em quando, uma comédia", avalia.  Outro programa de lazer é reunir os amigos, e se diz grande admiradora da comida preparada, ao confessar que é um desastre na cozinha. "Sou de uma geração de mulheres que fazia questão de não aprender essas coisas como uma forma de dizer "não vou ser do lar". Foi um tremendo erro, porque hoje vejo que é muito bom saber cozinhar", comenta.
Acredita que entre suas qualidades estão a lealdade e a necessidade de proteção das pessoas ao seu redor. Crê que ápices de carreira não existem, apenas tem a pretensão de "olhar para trás quando estiver bem velhinha e poder dizer: "Confesso que vivi"".
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