Mariana Kalil: Longe do comum

Avessa ao convencional, a jornalista Mariana Kalil tem uma vida baseada na leveza e no bom humor

Uma dose de sinceridade, outra de humor e mais uma de humildade dão o tom não só ao texto, mas também à personalidade de Mariana Kalil. Editora e colunista da Revista Donna, de Zero Hora, pode ser considerada uma jornalista não convencional no mundo da moda. Isso porque não é difícil vê-la destilar com muito bom humor verdadeiro pavor por peça ou coleção de estilista ou marca renomada. Difícil imaginar, mas a profissional, que faz graça consigo mesma e com as situações mais simples ao seu redor, não gosta de programas ou filmes de comédia. Assume a contradição e afirma: "Gosto da vida real, de ver que aquilo pode acontecer, não do absurdo".
Aos 39 anos, é dona de um currículo extenso, com passagens por veículos como Época, IstoÉ Gente, Estadão, Jornal do Brasil e BBC. A escolha pelo Jornalismo foi orientada pela vontade de trabalhar em TV, alimentada desde a infância. Foram as disciplinas da área que ganharam as melhores notas de Mariana nos tempos de Famecos. Prestes a se formar, no entanto, foi reprovada no programa Caras Novas, da RBS TV, "um balde de água fria" como define. Ainda assim, persistiu e chegou a ter passagens pela TVE e pela Band TV, até ser apresentada à redação - lugar de onde não saiu mais. "Hoje, dou graças a Deus por não ter entrado em televisão, porque a redação te dá um estofo profissional que nenhum outro veículo te dá. Minha paixão passou, hoje sou apaixonada por escrever", enfatiza.
Impossível falar de Mariana sem citar Bento. É o cachorro que há 11 anos a acompanha não só na passagem por diferentes cidades, como também na trilha da criatividade. É nos passeios diários com o mascote que tem as melhores ideias. "Ele vai cheirando, cheirando e eu fico lá, sem fazer nada. Então vou com o iPhone e anoto várias coisas, desde títulos de matérias, ideias de post ou coluna, até capa do Donna." Não por acaso, ele é o cãozinho que aparece no cabeçalho do blog Por Aí, junto com Mariana, em desenho, que deixa post its por onde passa.
Imã de boas histórias
Mariana coleciona uma série de fatos e acontecimentos, no mínimo, curiosos e engraçados. Um deles teve origem na primeira pauta que recebeu na revista Época. Tinha a missão de entrevistar Ana Maria Braga, sobre o "triunfo do brega", sem que ela soubesse o real teor da reportagem. Foram uma, duas, três perguntas até que a apresentadora lançou: "Eu sei o que estás fazendo aqui. Viestes aqui porque vocês estão me tirando para brega e tu estás fazendo uma matéria sobre breguice". A resposta veio em um ataque de risos da repórter, que, em seguida, abriu o jogo: ""Então vou te falar, é isso mesmo". E ela foi supersimpática".
Em outra pauta, esta para a IstoÉ Gente, finalizou a entrevista descalça, em meio à Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A tarefa de Mariana - e desejo de parte da imprensa - era arrancar de uma atriz uma história sobre namoro. Já na sessão de fotos, as sapatilhas que usava ganharam os olhos da entrevistada. "Não tinha nada de mais, uma sapatilha preta, com umas lantejoulinhas", recorda. No meio da conversa, quando abordou o tema relacionamento, a atriz emudeceu. Em seguida, pediu para experimentar as sapatilhas. Calçou um pé, depois o outro, e contou tudo sobre o assunto. Quando percebeu, havia sido envolvida em uma troca de sapatos por informações. O jeito foi deixar o Sheraton de pés descalços. "Ainda fui pagar a suíte que ela tinha usado para trocar de roupa, durante a sessão. Essa história virou folclore no Rio de Janeiro", diverte-se.
Em 2010, foi premiada por Zero Hora com uma excursão cujo roteiro incluía Egito, Jordânia e Israel. Como companheiros, um padre, um frei e 35 fiéis. O resultado registrou no seu livro "Peregrina de araque - uma jornada de fé e ataque de nervos no Oriente Médio", publicado em 2011. Para o próximo ano, prepara "Por Aí", obra que irá reunir crônicas das "andanças" por São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Barcelona, ao estilo do conteúdo publicado no blog e na coluna homônimos. "A editora que publicou o "Peregrina", a Dublinense, já aprovou. Só tenho que sentar e escrever", conta animada.
Mente inquieta, pé na estrada
Foi o espírito inquieto que a guiou por diversos momentos na busca por novos caminhos. Trabalhava no Donna, em 1997, quando, pela primeira vez na carreira, resolveu fazer as malas e mudar de direção. O destino? A capital paulista. De lá, colaborou com Zero Hora até que a saída de Fernando Eichenberg da coluna Contracapa a trouxe de volta a Porto Alegre para assumir a coluna. Ainda teve outras duas passagens por São Paulo. Na última delas, já insatisfeita com a cidade, ficou quatro semanas morando em um hotel. "Eu não queria procurar apartamento. Pensava: isso é só um trabalho temporário, eu vou embora daqui, eu vou embora daqui?", brinca. De fato, foi. E dessa vez, para o Rio de Janeiro. "Foram dois anos maravilhosos. Estava encantada com o Rio. Ia à praia, dava um mergulho, depois ia para a IstoÉ de alma lavada", relata.
A mesma inquietude a levou a cursar pós-graduação em roteiro e direção de cinema em Barcelona, experiência vivida nos anos de 2003 a 2004. Foi lá que atuou como correspondente da BBC. Na viagem, levou o gato, o cachorro e um monte de mala, "um monte", enfatiza. Antes ainda cogitou viajar para Paris, até perceber que não falava nada em francês. "Vou para a Espanha, falo espanhol. Era o que eu achava", até chegar lá e descobrir que ninguém entendia o que falava. Hoje, considera a decisão a mais acertada de sua vida profissional e pessoal. "A gente cai na real e tira algumas cascas do tipo: eu vou ter que limpar banheiro, não tenho dinheiro, vou ter que aprender a cozinhar."
A saudade da família, dos amigos e da terra natal a trouxe de volta ao Estado, em 2007, depois de 10 anos de peregrinações. À época, já mantinha o relacionamento com o administrador e produtor rural Carlos Eduardo Sperotto. "Tinha certeza que eu ia casar com ele. Não tinha nem tocado nesse assunto. Por conta e risco, pedi demissão e vim embora". O compromisso foi selado em 2010.
Felicidade singela
Os instantes de silêncio são bastante valorizados por Mariana, que diz ter a necessidade de permanecer sozinha ao menos em uma ocasião do dia. "Eu gosto de ficar quieta, acho que a gente já trabalha com muita gente, é muito demandado o dia inteiro. Então, tem uma hora que eu não quero falar com ninguém", esclarece. Lembra que, no início do casamento, encontrou certa dificuldade em lidar com o comportamento falante do marido. Até que descobriu a seguinte tática: "Vou ler para ti essa matéria. Olha só!". Aos risos, conta que acabava lendo toda a revista em voz alta. "Hoje ele já entendeu isso. É uma pessoa que admira muito a minha profissão e vibra muito comigo."
Chegar em casa no fim do dia é para Mariana um momento especial. "Meu lazer não é na rua, não é em festa, não é em coquetel. Eu sou bicho-do-mato, eu não vou. Eu sou convidada. Eu não vou. Eu não gosto", repete. E conclui: "Eu não poderia ser colunista social". Nos fins de semana, a regra é não ter horário. "Se tem uma coisa que me tira do sério é a minha mãe ligar e dizer: "o almoço é a uma e meia, no sábado". Eu fico muito brava. Mas isso ela não faz mais", ri. Gosta mesmo é de almoçar tarde, comer uma feijoada, tomar uma caipirinha, fazer Ioga, pilates, não ter hora.  "São prazeres pequenos, mas que eu não vivo sem", garante.
"Quer me ver feliz? É só me colocar na frente de uma livraria! Fico horas", relata, ao contar que é comum comprar mais livros do que consegue ler. "Fica tudo empilhado, então eu olho e digo: que bonito, eu estou lendo. Como eu leio?", brinca. O mesmo acontece com as edições da revista Piauí, já que a maior parte do tempo de leitura é ocupada por publicações relacionadas à área de atuação. Na literatura, terminou de ler "Como viver", baseado na obra de Montaigne, e agora se divide entre "Como criar personagens inesquecíveis", de Linda Seger, e "50 tons de cinza", de Erika Leonard James, o já famoso manual da mulher adulta.
Pelas pessoas
Natural de Porto Alegre, Mariana é a primogênita do médico Renato Abdala Karam Kalil e da empresária Iolanda Maria Abbot Kalil, em uma família formada ainda pelos irmãos Conrado e Lúcia. Da infância, guarda entre as recordações as férias de verão vividas da casa do avô, na Praia do Cassino, em Rio Grande. "Meu avô tinha quatro filhos e 12 netos. Em janeiro e fevereiro, todo mundo ia para lá e passávamos o verão naquela praia "linda"", brinca. "Era uma época feliz", não tem dúvida.
Altruísta, tem na família a prioridade de suas ações. "O bem-estar deles está sempre à frente do meu. Se ficarem felizes por eu ver um filme com eles, não importa que eu queira ver outro. Penso sempre neles antes." A generosidade e a humildade também compõem a personalidade da jornalista. "Contribuir, ajudar o outro, é algo que me dá prazer. Também peço ajuda, não tenho medo de dizer não sei", explica. E o bom humor não pode ficar de fora. "Ultimamente, as pessoas têm me dito que eu sou extremamente engraçada. Isso eu já não sei", diz e sorri novamente.
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