Áurea Helena Silveira: Dona da memória

Áurea Helena preserva um enorme acervo do mercado publicitário brasileiro e diz que se casou com a Propaganda

Por Márcia Farias - 06/09/2013
A paixão por revista ela sempre teve. O que ninguém podia imaginar é que Áurea Helena Silveira, aos 66 anos, seria dona do maior acervo do País referente à Propaganda. Gaúcha de Santa Maria, era ainda adolescente quando foi passar férias no Rio de Janeiro - e foi amor à primeira vista. É pelos 33 anos em que morou na Cidade Maravilhosa, que a publicitária se diz uma "cariúcha". De volta a Porto Alegre há 10 anos, Áurea não quer mais saber do frio da capital gaúcha e planeja voltar ao Rio no início do próximo ano.
Senhora magra, de cabelos brancos e olhos muito claros, a simpatia é a primeira característica que surge para quem a vê pela primeira vez. A casa no bairro Chácara das Pedras é grande, mas não por agregar uma família; igualmente grande, pois só residem Áurea e os três cachorros da raça Maltês - a Julinha, o Pingo e a Rosinha. Acontece que o lar se resume a estantes, prateleiras, caixas, equipamentos tecnológicos, entre outros aparatos necessários para acolher um acervo incalculável. E não para por aí. É incrível, mas a publicitária mantém ainda sete salas em um prédio na Avenida Assis Brasil, onde é possível encontrar mais e mais exemplares do seu acervo.
Mesmo sem ter nem ideia das cifras que envolvem todo seu acervo, Áurea afirma que só se preocupa em definir o que fazer com todo seu material, mas que jamais o venderá: "Há algum tempo estou em tratativas com a TV Globo, para que ela seja a mantenedora do projeto Memória da Propaganda, mas eu permaneço sendo a responsável. Isso eu não largo, pois me comprometi comigo mesma de que nunca venderia o Memória". Sua preocupação com os materiais aumentou no último ano, quando descobriu um câncer no reto - ela fez o devido tratamento e hoje permanece apenas com exames de rotina. "Não sou eterna. O que vou fazer com isso? Colocar fora?", indaga para si mesma.
O que a publicitária realmente deseja é ter um bom espaço, com pessoas trabalhando no projeto e podendo fazer tudo do seu jeito, mas, enquanto não consegue isso, "vai ficando por aqui". O acervo começou a ser montado em 1989 e, desde lá, Áurea guarda livros, revistas, filmes, jornais e cartazes, e o procedimento é sempre o mesmo: levar pra casa, limpar, organizar por categoria, catalogar e arquivar.
Um pouco de história
Antes de conhecer o mercado publicitário, trabalhava na área financeira, mas não gostava, por óbvio. Uma indicação sob a justificativa "você é tão simpática. Tem uma agência de propaganda precisando de uma secretária" foi suficiente para ela se encontrar profissionalmente. A primeira experiência foi na Square, em 1973. De secretária, passou rapidamente para o Grupo de Atendimento - segundo ela, "um funcionamento um pouco diferente do que é o formato hoje". Entre uma agência e outra, passou pela Publicitá, em 1978, ano em que deixou a área de origem e passou a ser Tráfego - pessoa responsável por distribuir os processos internos em agência. Mesmo sem conhecer muito da função, topou o desafio e aprendeu a gostar mais ainda do novo setor. Áurea começava a ter prazer em mexer com papéis, arquivos e a explorar mais a característica nata de ser organizada.
De agência para entidades e eventos do mercado: a publicitária atuou ainda no Clube de Criação de São Paulo, onde morou por dois anos, especialmente envolvida em festivais como o Cannes Lions, e na Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap). Teve ainda passagem pela Globo Computação Gráfica, logo que a empresa chegou ao mercado, e pela Globo Tech. Entre as agências cariocas e paulistas em que também atuou - ela nunca esteve no mercado publicitário gaúcho como funcionária de agência - estão Premium, Lage Estado e Estrutural e Propeg.
Longe dos alfarrábios
Morar sozinha não significa ser solitária. Pelo contrário. Áurea garante que nunca casou ou teve filhos por opção de vida, mas que lida muito bem com isso e que vive de forma tranquila. Com mais oito irmãos, sendo apenas dois homens, diz que gosta de encontrar a família, mas que tem um modelo de vida muito diferente dos demais. "Eles estão mais envolvidos com seus filhos e etc, eu prefiro a minha vida mais pacata."
A rotina é algo que não a preocupa, pois gosta do que faz e de estar envolvida entre seus materiais - que, aliás, lhe ocupam tempo e disponibilidade de sobra.  Quando tira folga, e isso não é tão raro de acontecer, gosta muito de viajar. O Rio de Janeiro, claro, é sempre a primeira opção, mas Gramado também tem sua preferência, mesmo não se dando bem com o frio da Serra. "Lá, tudo é diferente daqui, ambientes muito charmosos, cidade limpa, com pessoas alegres, que te recebem muito bem", analisa. O que não significa que não goste de Porto Alegre - à exceção do frio, claro. Apenas entende que a capital gaúcha mudou muito e até para ir na esquina virou um sacrifício. "O inverno aqui é muito rigoroso e as pessoas vivem voltadas para o seu mundo, mas mesmo assim, tenho orgulho de onde vim", pondera.
Para ouvir, jazz e alguma coisa de bossa nova fazem bem aos ouvidos, seja em CD, DVD, no computador ou, claro, em LP (long play) - em sua casa, o famoso 'toca-disco' funciona até hoje. Para quem vive rodeada de livros, revistas e jornais, a leitura parece obrigatória, e até é, mas nada de compromisso. "Tenho lido poucos livros, pois passo muito tempo envolvida com o Memória. Gosto de títulos voltados para a Propaganda, como não poderia ser diferente", reconhece.
Na cozinha não se arrisca, nem salgado, nem doce. Por isso, almoça fora todos os dias, e no mesmo restaurante próximo de sua casa. "Gosto de comidas mais leves. Não sou muito do churrasco, por exemplo, prefiro saladas e peixes", conta. Em função do problema de saúde, Áurea precisa cumprir uma dieta rigorosa e garante que está bem habituada com isso. Gosta de esportes, mas nada de fanatismos. Tanto é que consegue torcer para três times ao mesmo tempo: Corinthians, Vasco e Internacional. Quando se enfrentam entre si? "Daí eu escolho um", simplifica.
A essência da Propaganda
Se perguntar para Áurea o que ela pensa sobre o mercado de Publicidade hoje, ela será categórica: "Hoje, eu vejo a propaganda muito chata". Para ela, não há novidades, ousadia ou trabalhos feitos com perfeição, e completa: "Adoro folhar revistas, não apenas pelas matérias, mas pelos anúncios. E sou bastante crítica com eles. Na verdade, sou chata e exigente, mas não tenho máscaras, sou leal e transparente". Segundo ela, para trabalhar com Publicidade, não basta gostar, tem que ter dom, pois o mercado exige muito de todos e, portanto, cada um precisa ter um diferencial.
A longa caminhada como publicitária, e especialmente como fundadora do Memória da Propaganda, deu a Áurea a chance de conhecer e trabalhar com "craques do mercado", como costuma dizer. Disso tudo, só tem uma certeza: a de que o crescimento profissional foi imenso e, hoje, é incalculável. Sem nunca se preocupar com prêmios, ela confessa que um, em especial, mexeu com seu coração. No ano passado, foi homenageada pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP), durante o tradicional Jantar da Propaganda, pelo apoio dela na realização do documentário e livro 'Ideias Registradas'. "Foi um reconhecimento que recebi na minha terra e em um momento muito difícil, então, me fez muito bem", revela.
O fato de ter optado por viver sozinha é facilmente explicado: "Casar dá muito trabalho. Na verdade, casei, mas com a propaganda. Não gosto de uma área específica, sou apaixonada pelo trabalho das agências como um todo, essa união de áreas é o que me conquista".
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