Ana Amélia Lemos: A história de Ana

Uma jornalista que saiu de Lagoa Vermelha para conhecer presidentes e papas

Ana Amélia Lemos - Reprodução

Por Adão Oliveira

Em 1959, Leonel Brizola recebeu carta de uma menina de 12 anos, natural de Lagoa Vermelha. De origem pobre, pedia ao governador uma bolsa de estudos para freqüentar o colégio Rainha da Paz, em sua cidade. Dois meses depois, a menina voltava a estudar. Leonel Brizola, que hoje se orgulha disso, na época nem imaginava que o seu gesto daria início à formação profissional daquela que viria a ser uma das mais completas jornalistas brasileiras: Ana Amélia Lemos.

A vida de Ana Amélia Lemos, como ela mesma reconhece, "daria um belo folhetim ". Até os nove anos de vida, andava descalça pelas ruelas esburacadas na vila em que morava, num pequeno distrito de Lagoa Vermelha. Foi lá, em 1951, que ela conheceu uma mulher elegante que visitava alguns parentes, que moravam perto de sua casa. "Foi no armazém da esquina. Eu tinha ido lá comprar alguma coisa pra casa e me deparei com aquela senhora bem vestida contrastando com toda aquela pobreza que havia por ali. Quando eu a vi, fiquei perplexa. Recebi em troca um amável convite para ser sua dama de companhia em Porto Alegre. Não tive dúvida, aceitei na hora. Logo depois ela foi até a minha casa, ali perto, para pedir o consentimento de meus pais. Dois dias depois, com nove anos, eu estava morando na avenida Independência, em Porto Alegre. Com a maior desenvoltura".

Foi aí que tudo começou! Quatro anos depois, ao retornar a Lagoa Vermelha, é que ela escreveu a carta ao governador Brizola. Com a bolsa, cursou o ginásio e o normal no "Rainha da Paz". Em 1967, de volta a Porto Alegre, a vida da Ana dá outra guinada surpreendente. O conhecido teste psicológico de Rochard a afastou da Faculdade de Serviço Social. Decepcionada, foi fazer o vestibular de jornalismo. Passou. Aí, deu no que deu!!!

Improviso de letra

Quem ouve Ana Amélia pelo "Atualidade", na Rádio Gaúcha, falando de forma inteligente, articulada, não sabe "o quanto é difícil levar alegria para o povo", como dizia Maurício Sirotsky Sobrinho. Para fazer o programa ela levanta diariamente às 5h: "Independente do horário em que eu vá dormir, meia-noite, uma ou duas da madrugada. Faça chuva ou faça sol". Depois de percorrer 20 quilômetros, ela chega ao prédio da RBS em Brasília, onde é a primeira a chegar. O vigia Dionésio a espera com os jornais do dia, informações da Internet e um cafezinho quentinho.

A partir daí ela participa de programas da RBS/TV (Bom Dia Rio Grande e Jornal do Almoço), da TV Catarinense (Bom Dia Santa Catarina), do Canal Rural, da CBN/Diário e da Rádio Rural. Para "entrar" em todos esses programas, Ana Amélia não escreve uma linha. É tudo de improviso e ao vivo. E com um detalhe: até o tempo de duração dos boletins é cronometrado mentalmente. Não é pra qualquer um: os jornalistas mais famosos da televisão brasileira têm as suas participações gravadas. Quando, por qualquer razão, eles têm de "entrar" ao vivo, é um Deus nos acuda! Falta-lhes o improviso, fundamento que só o rádio dá. Todo esse esforço tem trazido algumas alegrias.

Outro dia, no Atualidade, ela fez uma pergunta para o técnico da seleção brasileira que acabou repercutindo em toda a imprensa brasileira. Luiz Felipe respondeu sobre Romário, o que não havia feito para os jornalistas esportivos de todo o Brasil. Garotinho foi outro que não resistiu à perspicácia de Ana Amélia. Entrevistado no "Atualidade", ele falava no candidato a vice-presidente de sua chapa, mas não queria revelar o seu nome. Ana pediu uma dica e Garotinho caiu na cilada. "CL", disse ele, ingenuamente. "Costa Leite", falou Ana Amélia, matando a charada e antecipando ao Brasil a decisão do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral em candidatar-se a vice-presidente da República na chapa encabeçada pelo governador do Rio de Janeiro.

Lições de Maurício

Ana Amélia começou a sua vida profissional no Jornal do Comércio, pelas mãos de Homero Guerreiro e Delmar Jarros. Nesse período ela cruzou com Políbio Braga, o mais exigente de seus chefes: "Muitas vezes ele rasgou as minhas matérias no meio da redação. Mas valeu. Dele recolhi o nível de excelência profissional com que me cobro. E cobro aqueles que comigo trabalham". Que o digam os competentes jornalistas Nikão Duarte, Maria Luíza About, Deraldo Goulart, Rozângela Zorzo e Ilimar Franco, entre outros.

Profissionalmente, outra pessoa importante na vida de Ana Amélia Lemos foi Maurício Sirotsky Sobrinho, o pai da RBS. Foi ele que a liberou para trabalhar em Brasília. Ela fazia sucesso com o seu "Panorama Econômico", comentário com duração de cino minutos que apresentava na então TV Gaúcha e na Rádio Atlântida FM, juntamente com a coluna, com o mesmo nome que escrevia para o jornal Zero Hora: "Nessa época, 1979, o Tavico - Octávio Cardoso, marido de Ana Amélia - precisava vir para Brasília, onde assumiria o cargo de diretor de Recursos Humanos da Caixa Econômica Federal. Tavico condicionou aceitar o cargo caso eu também viesse para cá. Levei o assunto ao seu Maurício que, imediatamente me transferiu para Brasília, onde comecei a trabalhar na sucursal dirigida por Edgard Laurent".

Nestes 23 anos de Brasília, Ana Amélia trabalhou como nunca. Credenciada no Palácio do Planalto desde aquela época, cobriu os governos João Figueiredo (e a eleição de Tancredo Neves), José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Por todos eles sempre foi muito reconhecida e respeitada: "As relações do Poder com a Imprensa são sempre respeitosas e transparentes", diz ela. Deles, tem opiniões bem distintas. João Figueiredo: "Era um militar bonachão com a cara da fronteira gaúcha". Tancredo Neves: "Era o mais mineiro dos mineiros". José Sarney: "O mais tolerante". Fernando Collor de Mello: "O mais ousado". Itamar Franco: "Indecifrável". E Fernando Henrique Cardoso: "O mais preparado, habilidoso e sedutor".

Credenciais pelo mundo

Os fatos mais marcantes ocorridos em Brasília de 80 para cá, foram testemunhados por Ana Amélia. A Anistia, a luta pelas "Diretas Já", a transição política entre militares e civis, a morte de Tancredo Neves, a Constituinte, o Impeachement de Collor e a crise do painel eletrônico do Senado que levou três senadores a renúncia. Por todo esse tempo ela fez mais de 60 viagens pelo mundo, a grande maioria delas acompanhando chefes do Estado Brasileiro: "Conheço todo o Brasil, toda a América Latina. Das Américas, andei de Vancouver ao Estreito de Magalhães".

Ela possui mais de 300 credenciais recebidas nos eventos nacionais e internacionais que cobriu. Com toda essa bagagem, é natural que seja convidada a transferir aos seus ouvintes e leitores experiências as mais variadas. Por isto, passou a aceitar convites para proferir palestras. Falou em mais de 100 oportunidades sobre os mais diversos assuntos, para milhares de gaúchos. Sempre em nome da RBS.

Quando não está trabalhando, Ana Amélia se recolhe à fazenda que possui a cerca de 300 quilômetros de Brasília. Lá, entre uma e outra "campereada" juntamente com o marido, Ana Amélia procura ler, ouvir música e ver seus filmes preferidos. Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez, é o livro predileto, "Ghost" é o filme, e "As Rosas não falam", de Cartola, é a música que ela mais gosta. Antoninho Gonzáles e Eunice Jacques são suas referências na profissão. Para Ana Amélia Lemos, Alexandre Garcia e Rogério Mendelski são dos mais importantes jornalistas de sua geração. Não diz a idade, mas dá uma pista: "Sou alguns anos mais jovem do que o Mendelsky", brinca. Mas nos seus 32 anos de profissão, já esteve frente a frente com as mais altas personalidades do mundo.

A que mais a impressionou foi o Papa João Paulo Segundo. No governo Sarney ela acompanhou o presidente e sua mulher Dona Marly numa missa rezada pelo Papa, no Vaticano, mais precisamente na capela privada do Papa. Ainda no governo Sarney, acompanhando o então ministro da Justiça Paulo Brossard, esteve em Cuba onde, por três horas, conversou com Fidel Castro. Conhecer Deng Xiao Ping, no Palácio do Povo, em Pequim, foi outra de suas alegrias. Outras personalidades políticas dignas do respeito de Ana Amélia são Mickail Gorbatchev e Bill Clinton.

Política? Ainda não

Para quem conhece quase todo o mundo - visitou a Rússia por quatro vezes, a China também por quatro vezes, nas mais diferentes épocas - é surpreendente ouvi-la dizer que foi no Timor Leste onde o coração bateu mais forte: "Foi a mais emocionante de minhas viagens. Lá eu vi o renascimento de uma nação. Incrível!". Algumas coberturas internacionais foram complicadas, até mesmo para uma profissional experimentada como Ana Amélia: "A da Organização Mundial do Comércio, em Seatlle, nos Estados Unidos, a da Cúpula das Américas em Quebec, no Canadá, e o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, são alguns exemplos de um trabalho árduo, tenso, difícil".

Por todo o conceito pessoal e profissional que possui Ana Amélia foi muitas vezes assediada pelas diferentes correntes partidárias para concorrer a um cargo político. Nunca aceitou "porque sei o quanto os políticos sofrem". Do Congresso ela tem uma opinião definitiva: "O Congresso é às vezes corajoso. Outras vezes opera com doses exageradas de demagogia. Mas sua utilidade é incontestável".

Essa é a história de uma profissional que venceu pela determinação, talento e muito trabalho. Quem acompanha a trajetória de Ana Amélia sabe que ela conquistou quase tudo na profissão que abraçou. E que o seu sucesso não acontece impunemente!

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