Batista Filho: Paixões acumuladas

Ele esteve presente em momentos que marcaram a história do Jornalismo, como a TV Piratini, onde: trabalhou do primeiro ao último dia de existência

A família o considerava inteligente - "Diziam que eu era inteligente, mas na verdade eu era muito conversador" - e queria que João Batista de Melo Filho fosse um diplomata e se preparasse para o concurso do Itamaraty. Tanto foi a insistência que ele chegou ter a mesma ambição dos familiares. O jornalista, nascido em 10 de fevereiro de 1941, em Lagoa Vermelha, se intitula um ?desistente? na área acadêmica: cursou um pouco de Direito e Ciências Sociais, mas a veia jornalística falou mais alto, e resolveu seguir os passos do irmão Ênio Melo, um dos grandes nomes da radiofonia esportiva na época. E foi assim que, desde cedo, o jovem Batista criou contatos e fez amizades graças à sua espontaneidade, à boa desenvoltura e às visitas que fazia ao irmão na Rádio Farroupilha.


Uma gama de funções


A história profissional de Batista se confunde com a história do Jornalismo gaúcho. Em 1958, a Rádio Farroupilha resolveu ampliar o quadro de funcionários na área esportiva e o chefe de esportes, Rui Vergara Corrêa, chamou-o para um concurso de locutor. Assim, com apenas 17 anos foi escolhido para ler as notícias esportivas de última hora. Só faltava avisar e convencer o pai de que não levava jeito para a diplomacia. Para isso, prometeu desistir da mesada. "Fiquei na Farroupilha lendo notícias e trazendo informações do Jóquei Clube, foi minha primeira designação antes de ler notícias. Mais tarde, o Ruy Vergara Corrêa, num gesto de ousadia e, acredito também, um pouco de irresponsabilidade, me escalou como comentarista de futebol", acrescenta.


Depois disso, o jornalista passou para o plantão e, logo, foi contratado para a TV Piratini, antes mesmo de ela ser inaugurada. Lá, permaneceu desde a abertura da emissora até o seu fechamento. Suas primeiras funções foram a de redator e apresentador de esportes. "Sabia as notícias de memória. Sou um antecessor do teleprompter", brinca. Também foi diretor Comercial e, em 1968, diretor de Jornalismo. Segundo Batista, o cargo foi exercido "em uma época ruim, de censura explícita e auto censura", explica. Após o fechamento da TV Piratini, os 136 funcionários foram absorvidos pelo SBT. Anos depois, em 1989, Batista estava muito envolvido com a campanha à presidência da República do ex-governador Leonel Brizola, e como o ?patrão? Sílvio Santos também concorreria, acabou sendo desligado da emissora mais tarde por este motivo.


Antes, em 1985, teve uma passagem pela TV Guaíba, onde foi levado por Nelson Cardoso, e atuou na área de jornalismo e no esporte como narrador. "Foi um dos trabalhos mais gratificantes que tive e acredito que fui importante para a manutenção da emissora. Levei todos os patrocinadores que mantiveram a TV Guaíba no ar até que ela fosse negociada", afirma. Entres estes patrocinadores, que foram procurados pessoalmente por Batista, estavam o Banerj, a Transpampa, a Varig e a Ughini. Foi feito um planejamento para que a folha de pagamento fosse honrada mensalmente com o dinheiro obtido e o restante era encaminhado à tesouraria central da Caldas Júnior.


Nas entidades representativas


Exerceu outras atividades dentro e fora da TVE, até que, no período do Governo Collares, foi nomeado para a presidência da Fundação Cultural Piratini, que tem a concessão da emissora. "A TVE passou a operar com a Cultura de São Paulo, o que diminuiu custos e possibilitou o estabelecimento de um plano de carreira, com o melhor nível salarial de Porto Alegre. Reequipamos a TVE a custo zero, através de convênio com o Ministério da Educação. Fiquei na TVE até 1995, quando um erro de interpretação jurídica entendeu que eu deveria ser desligado por estar aposentado pelo INSS", conta.


Depois da TVE, foi convidado pelo prefeito Alceu Collares para assumir a Epatur (Empresa Porto-alegrense de Turismo). Acumulou também a chefia de gabinete da Prefeitura e a assessoria de imprensa. Em 1997, 2000 e 2004, narrou jogos de payperview para a RBS. Batista ainda tem em seu currículo uma atuação forte no Sindicato dos Jornalistas. Assumiu um cargo com um "nome pomposo" , como diz ele: presidente da Comissão Nacional do Exercício da Fiscalização da Profissão de Jornalista. Na década de 70, também foi do Conselho Fiscal, participou da Diretoria e do Sindicato dos Radialistas.


Atualmente, é vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa. O jornalista foi levado para ARI como conselheiro por Antônio Gonzalez, e com Ercy Pereira Torma na presidência, no mandato seguinte, chegou à vice-presidência. "Nós procedemos a uma alteração estatutária, que aumentou o mandato de 2 para 3 anos, com direito a uma só reeleição. A ARI é absolutamente respeitada, mas precisa de gente nova, de uma oxigenação", reflete ele. Na ARI, Batista está dedicado à busca de recursos para manter a entidade e eventos capazes de gerar discussões de temas que envolvam a sociedade e os jornalistas. "Nós fizemos uma das primeiras manifestações públicas em defesa da Varig, denunciando interesses que estavam atrás do agravamento da crise da empresa", relembra.


Paixão pelo rádio


O jornalista atuou mais tempo na televisão, mas a sua grande paixão sempre foi o rádio. "Porque que eu gosto de rádio? Por que ele é um veículo insuperável, em termos de instantaneidade e pelo subjetivo. Devido à capacidade de cobrança do público, ninguém ruim sobrevive no rádio. Neste meio você tem um acompanhamento permanente", declara.


Em 1966, apesar da própria desconfiança, Batista começou a narrar futebol. "Olha, eu não sei! Eu não sou narrador de rádio, porque se fosse, morreria de fome! Não tenho o volume de voz e nem fôlego para agüentar os 90 minutos. Como não existia o rádio portátil, o futebol era muito mais emocionante, a narração era muito mais rápida que o ritmo de jogo e eu não conseguiria fazer aquilo", lembra. A primeira narração foi no estádio Eucaliptos, num jogo entre Internacional e Brasil de Pelotas, onde o Colorado ganhou de 2 a 1. Almir Ribeiro foi colocado como repórter para orientar o ?novato? e eles estabeleceram um código para auxiliar na narração. Se a locução estivesse rápida demais, Almir entraria do campo como se fosse um saída de bola. Se ele dissesse ?esta bola passou longe?, a narração estava rápida demais. Se dissesse, ?esta bola passou perto?, estava muito devagar. O plano deu certo e, no fim das contas, Almir não precisou falar em bolas e Batista recebeu elogios devido a sua boa estréia.


No período em que trabalhou na Rádio Farroupilha, Batista conta que a equipe conseguiu furar a censura ao anunciar, em um jogo no estádio Beira-Rio, a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, durante o período de ditadura militar. "O locutor de plantão ligou dizendo que havia recebido de uma agência internacional a notícia da morte do Vladimir Herzog e ele me perguntava se deveria dar no noticiário das 18h, que era depois do futebol. Eu falei para ele dar naquele exato momento, porque depois a notícia seria censurada, então nós transmitimos a nota extraordinária no meio do futebol e dez minutos depois estava lá a ordem para que a emissora não transmitisse a notícia", conta.


Nesta época, no "Conversa de Arquibancada", programa que fez sucesso e é reconhecido até hoje pelos ouvintes, Batista revelou um dos ícones do comentarismo esportivo: Paulo Sant"Ana. "Embora Sant"Ana diga que foi revelado por Cândido Norberto, fui eu quem o convidou para debater durante as partidas e ele triturava todos os colorados que o enfrentavam", lembra.


Momento histórico


O jornalista narrou o primeiro jogo transmitido com exclusividade por uma emissora de televisão, que foi entre Internacional e Cruzeiro. "A partida provocou uma reação fantástica. As pessoas diziam que os jogos exclusivos iriam desempregar os profissionais das outras emissoras de televisão e não era o momento de desagregar, e sim de congregar". Batista acreditava que o futuro do futebol estava na televisão, porque as rendas não manteriam os times profissionalizados e defendia a idéia de que a TV seria o veículo de propagação do esporte. Sílvio Santos era o dono dos domingos e aquele jogo marcou: Internacional e Cruzeiro obteve uma audiência nove vezes maior que a do programa, que era então transmitido pela Rede Globo.


Fundador do PDT no Rio Grande do Sul, Batista foi membro regional e é membro do diretório nacional do partido. "Sou PDT porque eu acreditava que o Brizola não tinha grandes defeitos e acreditava na importância das suas grandes idéias, que eram voltadas para a educação, a proposta de valorização das nossas riquezas naturais e porque precisamos de um partido e de uma sociedade solidária. O PDT, por definição e estatuto, nem sempre por atuação, está pregando tudo isso, mas é necessário buscar afinidades com outros partidos como, PSB, PV, PMN e PHS", filosofa ele.


Além de narrar e comentar partidas de futebol, Batista também jogava na ponta esquerda e participava de peladas. "Certa vez o Tesourinha, craque do Internacional, me disse: - Ô guri! Vai pra ponta direita! Tu com o teu tamanho, na ponta direita é seleção brasileira, na ponta esquerda é Flamengo de Caxias", lembra. E quando questionado sobre os esportes que pratica atualmente, se define como um "tenista ameaçador": "Há 25 anos que eu ameaço jogar tênis no Clube do Comércio. Ameaço jogar, mas nunca vou! E a caminhada recomendada pelo médico, eu sempre transfiro pra segunda-feira", brinca.


Jornalismo, herança de família


Como um bom jornalista, Batista é adepto da leitura. "Aquilo ali (aponta para a biblioteca), eu tenho quase 3 mil lidos. Só não leio auto-ajuda", diverte-se.


É casado há 38 anos com a professora e jornalista Olenca Schimidt Kampf de Melo. Com Olenca tem dois filhos, João Batista de Melo Neto, 36, formado em História, e Andrei Kampf, 35, que também seguiu a área da Comunicação e é jornalista da TV Globo, em São Paulo. A filha primogênita é Sandra, 44, secretária. Batista é avô de quatro netos: Rafael, 25, Tarsila, 21, Gabriel, 11, e Bernardo, 7 anos.


Depois de participar de momentos históricos no Jornalismo gaúcho, Batista entende que obteve reconhecimento por seu trabalho, e resolveu se aposentar. Hoje, continua apaixonado pelo rádio e pela cobertura esportiva e está aguardando propostas. "Eu pensei toda a vida que quando eu me aposentasse, faria só o que gostava de fazer, ou seja, comentaria no rádio. Talvez eu esteja ultrapassado na linguagem, sem o fôlego necessário para fazer isso, porque não fui mais procurado para narrar. As propostas não surgiram! Estou esperando!", avisa.

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