Danilo Ucha: Boêmio por profissão

Não por acaso, é o dono do ‘Jornal da Noite’, depois de passagens por redações de jornais e sucursais

O jornalista Danilo da Silva Ucha, atualmente responsável pela coluna "Painel Econômico", do Jornal do Comércio, é um santanense nascido a 10 de junho de 1944, "lá na fronteira com o Uruguai". De lá, só saiu aos 20 anos, quando veio para Porto Alegre fazer a faculdade. De Arquitetura. Não fosse ele não ter gostado do ambiente do curso, o jornalismo gaúcho teria perdido esse grande profissional. Na hora da inscrição para o vestibular da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ele optou pelo Jornalismo. Não por acaso, mas porque já trabalhava na área em Livramento, no jornal A Platéia, com os amigos de infância Elmar Bones e Kenny Braga, que o acompanharam na vinda para a Capital, mas já com a intenção de cursar Jornalismo.


Com os amigos na Capital


Os jovens eram colegas de escola e foram à procura de um emprego em A Platéia, um pouco por necessidade, um pouco pela boemia. "Naquela época, os jornalistas eram considerados boêmios", explica Ucha. E os três não ficaram para trás. Foram contratados como revisores, portanto eram os últimos a deixar a gráfica, o que ocorria por volta das 2h ou 3h da madrugada. Então, iam direto para os bares. Quando chegaram na Capital, em 1965, ainda desempregados, todos moraram em pensões, às vezes juntos, às vezes separados. As famílias, de classe média, deram a ajuda que podiam nesse primeiro ano. Em 1966, todos estavam trabalhando. Os primeiros empregos de Ucha foram na Rádio Farroupilha e, concomitantemente, no Diário de Notícias.


Permaneceu nos veículos por cerca de dois anos e, então, foi para a Folha da Tarde, para onde também foram os inseparáveis Kenny e "Bicudo", como se refere ao amigo Bones. Enquanto trabalhava no jornal, passou por alguns períodos pela Rádio Guaíba, que também pertencia à Empresa Jornalística Caldas Júnior. Ele trabalhava à tarde no diário e à noite na rádio, fazendo seu fechamento. Ainda nessa época, atuou como correspondente do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro.


Anos de chumbo


Ucha recorda que o período entre 1966 e 1969 foi considerado os "anos de chumbo", devido à ditadura militar, e que presenciou alguns atos de arbitrariedade: "Não só presenciei, como levei muito pau!" O jornalista cobriu muitas passeatas, até ser decretado o AI-5 (Ato Institucional No 5). Mas nem todas as reportagens que fez foram divulgadas, pelo menos não na íntegra. "Faziam-se as notícias e os jornais davam aquilo que eles podiam dar, os editores acomodavam o texto, porque houve por um tempo a censura prévia, mas muito pior foi a autocensura", conta.


Saiu da Caldas Júnior em 1970, quando, em função desse período difícil, foi "tirar umas férias" na Europa, por uma questão de cautela. Passou um ano lá e morou em Portugal, onde trabalhou em jornais e revistas. Mas Portugal também tinha seus limites para a informação, já que o país passava por uma ditadura. Na Europa, viajou por outros países, fez muitas festas, mesmo com pouco dinheiro, e cansou. "Dei uma sondada nos amigos que ficaram no Brasil, vi que a coisa estava mais tranqüila e resolvi voltar", lembra.


De volta a Porto Alegre, foi direto pedir emprego em Zero Hora, para o diretor do jornal, Lauro Schirmer. De cara, foi ser editor. Não se lembra se de Variedades ou de Polícia, pois atuou nas duas editorias do diário, no qual ficou por quatro anos. Em 1974, surgiu o convite para trabalhar na sucursal gaúcha de O Estado de S. Paulo, cobrindo toda a América do Sul. Ficou ali durante cinco anos, até que houve uma greve geral dos jornalistas e toda a redação do Estadão aderiu. "Foi uma paralisação que durou bastante tempo e foi muito discutida e disputada. Quando acabou, como geralmente acontece, nós, jornalistas, saímos perdendo", recorda. Em poucos meses, o jornal demitiu todos que participaram da greve, inclusive Ucha, que recorreu novamente ao Schirmer e, assim, retornou a ZH, onde ficou até 1992. Entre idas e vindas, trabalhou no veículo por 18 anos.


Correndo o mundo


Em Zero Hora, deu continuidade ao trabalho que exercia no Estadão, como correspondente internacional. Primeiro, cobrindo a América Latina e depois, todo o mundo. "Acompanhei quase todos os golpes de Estado, na Argentina, no Uruguai. E depois, a derrubada dos ditadores, inclusive o Pinochet, do Chile", relembra. Mas a cobertura internacional que Ucha considera mais importante, "e talvez a mais impactante e perigosa", foi a Guerra das Malvinas, em 1982.


Ele foi o correspondente estrangeiro a permanecer mais tempo na Argentina: 80 dias. Apesar de não ter podido chegar à ilha, cenário da guerra, o jornalista explica que a cobertura teve muitos atritos e conflitos, mesmo em Buenos Aires, por causa da violência da ditadura argentina. Quando não estava viajando, fazia a página 3 de ZH, "que não era essa bobagem de hoje, mas uma página muito importante, com grandes furos em pequenas notícias".


A saída do jornal se deu com a chegada de um novo editor, Augusto Nunes, vindo de São Paulo, para realizar uma mudança de orientação e no quadro de pessoal de Zero Hora. "Ele escolheu os profissionais mais antigos e lideranças da redação e mandou embora. Eu fui um deles, mas não pensa que fui o único. No dia que saí, saíram mais 300. Foi um corte grande", diz. "E infelizmente, essa mudança não deu certo. Zero Hora era, na época, um jornal regional muito bem feito. Tentaram transformar em nacional e acabaram fazendo um péssimo jornal nacional, acabando com o prestígio do veículo", avalia.


Sucessos e crises


Alceu Collares era o governador do Estado e sempre foi muito amigo de Ucha (que tem sua foto no escritório inclusive) e o convidou para assumir o cargo de diretor-técnico de uma companhia estatal ligada à Secretaria de Indústria e Comércio. O jornalista também ganhou uma atração na TVE, coordenava um programa de debates. Nessa função prosseguiu mesmo com o fim do governo, por mais quatro anos. Só deixou a emissora quando foi convidado para ser diretor da Gazeta Mercantil na sucursal Porto Alegre.


Antes disso, se dedicou apenas à TVE e ao seu próprio veículo, o Jornal da Noite, que recentemente completou 18 anos, "sem dar lucro, mas também sem prejuízo". Outro empreendimento de Ucha foi o Coojornal, uma grande experiência que um grupo de jornalistas de Porto Alegre fez. "Tentamos realizar o sonho de todo jornalista, que é ter seu próprio jornal e o projeto se enquadrou naquele período de censura, que ajudou no seu fortalecimento. E também na sua queda. A existência do jornal dentro do período de ditadura ajudou-o a crescer no conceito das pessoas, mas ao mesmo tempo gerou as adversidades e os inimigos que acabaram levando ao seu fim", conta. Ele escreveu um livro sobre a trajetória da publicação: "A História do Coojornal".


A experiência na Gazeta, Ucha classifica como muito boa, mas não durou muito tempo porque o jornal entrou em crise e cortou todas as sucursais. Aí, então, chegou, há cerca de três anos, ao Jornal do Comércio, onde está até hoje. E o jornalista vai à redação todos os dias, embora pudesse fazer a coluna de casa, por telefone, e depois enviar por e-mail para o jornal. "Sempre gostei da redação, lá se faz contatos que facilitam a informação, se pega muita coisa por osmose", brinca o colunista, que realiza a coluna sozinho, embora pense, às vezes, em montar uma equipe de colaboradores. Mas Ucha acredita que "o colunista só é bom colunista se for aos lugares buscar as informações" e costuma dizer isso nas palestras que realiza em faculdades.


Nos agitos


Nesses últimos seis meses, que passou em casa fazendo repouso por recomendação médica, após ter sofrido um enfarte e implantado três pontes de safena e uma mamária, o jornalista declara que ficou "de saco cheio". Liberado pelo médico, está voltando ao jornal. Da sua casa na Cidade Baixa, vai a pé mesmo, até porque precisa dar uma caminhada. Até por conta da doença, tem passado mais tempo em casa, onde vive com a mulher, Maria Jair, e um neto, Sérgio, de 21 anos.


Ucha se diz um exemplo na área de Jornalismo, pois está casado - com a mesma mulher - desde 1963. Mas, muito descontraído, não nega que teve uma vida boêmia: "Era um cara notívago, saía sempre com o Bicudo e o Kenny e era amigo de músicos e compositores, inclusive Lupicínio Rodrigues". Além das noitadas, o jornalista participa de muitos eventos, em busca de notícias para a coluna. Também freqüenta a Confraria do Cordeiro, pois é um apaixonado por esse tipo de carne, tendo inclusive dois livros sobre o assunto: "Confraria do Cordeiro" e "Cordeiro na Mesa".

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