Carina Donida: Do piano à mesa de som

Com 30 anos de atuação no mercado publicitário, ela conquistou direito ao título, mas, na verdade, é formada em Música

Em um daqueles momentos em que escolha e destino se fundem, Carina Donida resolveu dar ouvidos à sua voz interior e trocar o curso de Medicina pelo de Música. Não bastasse tão significativa mudança, percorreu os quase 300 quilômetros que separam Passo Fundo de Porto Alegre para se tornar estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Em 1988, quando deixou a segurança da casa dos pais, o bancário Rainer e a professora Maria Inez, não imaginava que uma outra área, a da Comunicação, mudaria o rumo de sua carreira (e da vida).

Sócia-diretora do Grupo Radioativa, que inclui três empresas - Radioativa Produtora, Radioativa Game Sounds e America Podcast -, Carina ganhou, pela experiência e domínio do segmento, o direito de ser "confundida" com publicitária. "Acredito que essa seja a maior curiosidade sobre mim, o fato de que sou bacharel em Música com ênfase em Composição, e que fui pianista no início da minha trajetória profissional", revela.

Ao lado de dois amigos, teve um grupo de jazz chamado 'TrioCais'. E foi dedilhando notas e melodias pela noite na capital gaúcha, em lugares marcantes como a Sala Jazz Tom Jobim, que se aproximou do mercado de produção musical publicitária e de conteúdo em áudio, de onde nunca mais saiu. Um dos parceiros da música, Marcelo Figueiredo, embarcou junto na ideia empreendedora e, 30 anos depois, segue como sócio de Carina.

Trabalho que virou hobby

Diante dos desafios de manter o negócio sustentável, competitivo e moderno, o nicho de podcasts não passou despercebido por Carina. "Fomos a primeira empresa a falar no assunto no Rio Grande do Sul, em 2016, o que me alegra muito", comenta. Entre estudar o formato, descobrir conteúdos e produzir, encontrou no que, inicialmente, era 'apenas trabalho' uma expressiva paixão.

A lista dos preferidos é extensa e vai de 'The Shift', onde as jornalistas Cristina de Luca e Silvia Bassi conversam descontraidamente sobre disrupção e transformação digital, passando por 'A Playlist da Minha Vida', em que a atriz Fernanda Torres recebe personalidades nacionais para relembrar memórias de suas vidas a partir de suas músicas prediletas, até a produção ficcional de mistério 'França e o Labirinto', que tem Selton Mello como protagonista.

Desbravadora, também tem o verbo viajar entre as atividades que lhe dão mais prazer. Como legado da pandemia de Covid-19, a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar do mundo e, com os avanços tecnológicos, Carina tem como perspectiva para o futuro próximo levar uma vida mais nômade, conhecendo lugares e culturas diferentes, aprendendo e aproveitando cada uma delas. "Consolidar a presença da Radioativa no cenário internacional e atuar no segmento de podcasts ficcionais são planos em desenvolvimento", enfatiza. E não se engane: atenta às novidades e sagaz estudante do labor, mesmo em posição de liderança, ela entende desde a criação, investimentos em pessoas e processos, equipamentos e inteligência artificial, até operar a mesa de som. 

Uma confidência exclusiva

Há exato um mês da publicação deste texto, Carina assoprava as velas em comemoração a mais um ano de vida. Gosta de fazer aniversário, pontua, mas revelar a quantidade de 'parabéns' que acumula já é outra história. Um sorriso daqueles que expressam 'preciso mesmo dizer?' e a resposta ao questionamento durante a entrevista: 56 anos. Para ela, não existe isso de 'não dá pra ser, ter ou fazer tal coisa depois dos 50', mas sabe bem que o mundo, em especial o mercado de trabalho, ainda tem muito preconceito, tanto com mulheres quanto com pessoas mais velhas. Imagina ser ambos. 

"Se me recordo bem, essa é a primeira vez que estou abrindo minha idade para o mercado", confessa, seguindo: "Ainda há muito sexismo e ageísmo. Então, às vezes, prefiro não falar, apesar de estar convicta de que estou no meu auge". A coragem e a determinação para seguir e defender seus sonhos - como quando contou aos pais que deixaria a Faculdade de Medicina - vêm de sua referência e inspiração: a mãe.

Professora de Matemática, Maria Inez - conta a filha orgulhosa - sempre foi uma mulher à frente do seu tempo. Casou, teve filhos, mas nunca deixou de lado suas aspirações pessoais, como o estudo e o trabalho. Lecionou e viu formar centenas de alunos e, mesmo agora aposentada, segue ativa. "Ela é otimista, tem um alto astral inigualável, uma força. Sempre foi muito realizadora, proativa e continua nos incentivando a buscar nossos objetivos", ressalta Carina, que também pretende permanecer executando suas responsabilidades profissionais até enquanto a saúde permitir.

Legado guiado pelo amor

E para quando, porventura, a vida pedir pra pausar, a empreendedora sabe o que quer: acompanhar o legado do Grupo Radioativa, vencedor do Salão ARP - promovido pela Associação Riograndense de Propaganda - 2023 na categoria Produção de Áudio, como parte de um campo com potencial exponencial, para as próximas gerações. Uma frase recém-semeada no coração de Carina, "o melhor da vida é de graça", do músico Marcelo Janeci, despertou com mais intensidade o amor, não somente pela profissão, mas pelo que sempre a moveu, a família. 

Nos 'xodós' dos Donida, os sobrinhos Maria Fernanda e João Pedro, bem como nos filhos do sócio Marcelo e de outros jovens com quem, felizmente, cruza pelas andanças da existência, encontra o brilho da mocidade que a motiva a não passar pela Terra simplesmente por passar, mas registrar marcas para o porvir. O equilíbrio entre o profissional e o pessoal não é tarefa fácil, principalmente quando se está à frente da empresa, porém Carina confia na sabedoria da própria vida de fazer acontecer exatamente como tem de ser.

Irmã do meio do engenheiro Marcus, o primogênito, e do advogado Rodrigo, o mais novo, tem na família, seja reunida em Passo Fundo, Porto Alegre ou em qualquer outro canto do planeta, o porto seguro. É com a tranquilidade do laço fraterno, responsável por lembranças de brincadeiras na rua, veraneios em Capão da Canoa, divisão do pão caseiro com nata e chimia de uva, e com a profunda cumplicidade com os pais - que a iniciaram na música aos seis anos, com aulas de piano - que ela vive em paz e satisfeita com suas decisões. 

Peixe Voador

E por falar em praia, é de sol e calor que Carina gosta. Apreciadora de bons vinhos e da culinária italiana, enraizada em suas origens, e destino para onde não cansa de visitar, com destaque para a Costa Amalfitana, encontrou no cicloturismo uma maneira de unir prática de exercício físico com experiências das mais variadas culturas. "Tenho um sítio de lazer em São Francisco de Paula, onde me reconecto com a natureza, descanso e confraternizo com amigos, mas meu lugar no mundo mesmo é o mar", afirma. 

Discorrendo sobre a vida, as maravilhas do dia a dia, buscas e ferramentas, música, livros, vinhos, mar e viagens, a jornalista e marinheira Patricia Palumbo é a dona da voz por trás do podcast "Peixe Voador", um dos que conquistou Carina e, de forma resumida, refere-se à boa parte de quem ela é. Em suas palavras, não inesperadamente, a música é um "vício". Amante do MPB, jazz, clássica e pop rock, com ilustres nomes em seu descritivo de cantores, como Chico Buarque, Gilberto Gil e Rita Lee, poderia ser retratada como esse animal marinho que plana sobre a água em busca de novas ondas, eclética.

Clientes como Sport Club Internacional (time para o qual, segredo entre nós, ela torce), Banrisul, Zaffari, Tramontina, Jornal do Comércio, Giga Gloob e outros compõem um vasto portfólio que também condiz com o espírito entusiasmado de Carina. Na leitura de 'Depois é Nunca', do escritor Fabrício Carpinejar, que ganhou de presente do sócio, o conjunto de letras e sentimentos expressos na colocação "É o poder da imaginação que nos torna realistas. Quando sabemos que não sabemos tudo, reconhecemos o imponderável, incontrolável, alheio à nossa vontade" fez, para ela, todo sentido. 

Aliado ao contexto da notável escrita de 'Sapiens', de Yuval Harari, o repensar sobre o mundo e as relações sob novas perspectivas foram inevitáveis. De muita fé, deposita suas fichas no sucesso do que vem construindo há três décadas e carrega esperança na herança intelectual que o mercado que acolheu como propósito tem a deixar. No entanto, compreende bem que a produtora de áudio, sound designer, atendimento, diretora de vozes e todas as outras especialidades que moldam a Carina adulta nasceram da menina que ganhou uma vitrolinha quando criança, acertou seus primeiros acordes e sonhou em ser cantora. "Sou uma só, pessoa e profissional, agraciada por viver do que amo, mas se posso desejar algo para 2024 é, também, voltar um pouco às minhas origens, compor, tocar piano, fazer música", conclui.

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