Cid Martins: Força para fazer

Considerado o jornalista mais premiado de todos os tempos da Região Sul do País, Cid Martins fala da paixão pelo Jornalismo

Por Márcia Farias
Os diversos prêmios conquistados ao longo de 42 anos de vida, sendo 15 de carreira, poderiam fazer de Cid Martins um jornalista envaidecido. Ao contrário disso, o repórter da Rádio Gaúcha mostra-se simples, humilde e, ao lado disso, convicto da profissão que escolheu. Formado pela Ufrgs na turma de 1997, levou sete anos para concluir a faculdade, pois sempre precisou trabalhar muito para sustentar seus custos acadêmicos. Os pais, Aelson e Ivone, segundo ele, sempre foram de classe média baixa e, portanto, sua vida foi cercada de batalhas. "Um dia meu pai me disse que tentaria me pagar um curso pré-vestibular, mas a faculdade seria difícil, por isso eu precisava tentar na Ufrgs", recorda.
Seu Aelson trabalhava no setor de audiovisual do Colégio Israelita e, conforme contava aos filhos, vivia fazendo hora extra. Certo dia, Cid descobriu que, na verdade, o pai trabalhava no turno da noite como segurança da escola, pois precisava de renda extra para sustentar o cursinho do filho mais velho. Após a descoberta, o jornalista ouviu do pai que ele se manteria nessa condição por mais quatro anos, caso ele quisesse tentar entrar na PUC. "Aquilo ficou tão gravado que ingressei na Federal", conta.
Ficou feliz ao ser apontado o jornalista mais premiado de todos os tempos da Região Sul, pelo site Jornalistas & Cia, mas corrige que, na lista do ranking, ainda faltaram 11 premiações - o que ratifica ainda mais a posição ocupada. Quantas distinções já faturou até hoje? Ele prefere responder com uma brincadeira: "Faltam nove". O cálculo é para chegar aos 100. Apesar do orgulho, ele pondera: "Esses prêmios são do meu trabalho, não para mim. Eles não valerão de nada se amanhã eu fizer uma matéria mal apurada". Faz questão de ressaltar que as distinções não existiriam se não fossem três pessoas: Cezar Freitas, Cyro Martins e André Machado. "Eles sempre acreditam no meu trabalho", agradece.
Aventuras de um foca
O ingresso no rádio foi curioso. Estava com um colega na Fabico quando tropeçou no elevador e derrubou alguns papéis do amigo, entre eles, um encaminhamento para estágio. Ao saber que a vaga era na Band, sugeriu que fosse junto. Na emissora, os entrevistadores questionaram quem poderia fazer uma matéria entrar no ar e Cid se prontificou. "No final, contaram que aquilo não passava de uma simulação, mas que a vaga era minha, pois tinha me saído muito bem", recorda.
Antes de entrar para a Band, era freelancer na revista Gool. Um dia, o diretor da publicação, José Aveline, o chamou para propor que fizesse a matéria de capa e que a revista queria uma entrevista com o Adílson, do Grêmio. "Topei o desafio, mesmo sendo colorado e tendo dois dias para produzir", afirma. Correu para o Olímpico, mas por não ter credencial de imprensa teve que se esconder, pular portão, fugir de segurança, entre outras aventuras. Escondido em um lugar estratégico, avistou a fonte, correu em sua direção, se apresentou como repórter e pediu uns minutos de atenção. Como a resposta foi que o jogador não tinha tempo para falar, Cid apelou: "Agarrei o braço dele e disse, quase implorando, 'por favor, é a primeira matéria que farei na minha vida, eu preciso disso'. Ele me olhou bem nos olhos e prometeu que voltava ali em cinco minutos para falar comigo. Dito e feito. Conversamos por meia hora e eu conquistei a tão sonhada matéria de capa", relata.
Os olhos do pai
Cobrir Assembleia Legislativa, em 1997, foi o pior momento da carreira, pois nada sabia de Política. Então, começou a fazer matéria investigativa fora do horário de trabalho. Foi também nessa época que trabalhou no Jornal do Comércio, onde desempenhou diversas funções na redação. "Foi um tempo de muito trabalho, pois ficava na rádio Band de manhã, na TV durante o horário de almoço e de tarde no JC. Não tinha vida social, mas eu estava prestes a comprar um apartamento e precisava de dinheiro", justifica. Hoje, além das diversas inserções e matérias especiais que faz na Rádio Gaúcha, ainda alimenta diariamente o blog Caso de Polícia, inserido no site da emissora.
O motivo que faz com que Cid insista em permanecer atuando no meio tem nome e sobrenome: Aelson Martins. Em 1994, o pai ficou cego. "Desde então, prometi que não largaria o rádio, pois é a forma que encontrei para que meu pai me veja um pouco a cada dia", emociona-se. E acrescenta: "Ele é o meu melhor ouvinte". Em 2005, ganhou o prêmio CNT de Jornalismo e Pedro Bial era o mestre de cerimônias. Quando foi agraciado, contou rapidamente a história do pai e percebeu que o apresentador do Big Brother Brasil havia ficado emocionado. "Na época, Bial já estava apenas no comando do BBB. Com os olhos marejados, ele me disse: 'Que saudades de fazer Jornalismo; é por isso que vale a pena'. Aquilo me orgulhou", lembra.
Ser jornalista
A escolha pelo Jornalismo foi uma sugestão do pai. Mais de 20 anos depois de acatar a ideia, ele não se imagina em outra profissão. "Todo mundo reclama de salário, de trabalhar demais, dos perigos, mas eu uso a regra do 'ex': dependendo de como você enxerga a situação, ela pode ser uma exploração ou uma experiência", defende. Apesar da convicção, Cid sabe que precisa ter limites e garante que se vê primeiro como ser humano, antes de jornalista. Costuma desligar o telefone nas férias, por exemplo.
Os fatos que marcaram a carreira estão relacionados à linha tênue entre a pessoa e o profissional. A reflexão começou em 2005, após fazer uma matéria junto com Fábio Almeida, na Cidade Baixa ('O território sem lei'), e ser assaltado. "Comecei a pensar até que ponto devo colocar minha vida em risco", afirma. Na mesma época, ao lado de Jocimar Farina, Cid produziu uma matéria sobre os matadores de aluguel, que ninguém acreditava existir em Porto Alegre. Quando entrevistou um deles, um ex-policial militar, confessa que teve medo: "Sentamos e o cara colocou uma arma na mesa, inclusive exibindo que estava carregada. Queria mostrar poder".
Em 2010, enfrentou um dos maiores riscos, quando cobriu a invasão da polícia no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Junto com Humberto Trezzi e Rodrigo Müzzel, ficou deitado no chão, vendo os tiros de fuzil atingirem a parede de trás. Entrou ao vivo, tentando passar o que estava acontecendo. Diversas vezes permaneceu em silêncio no ar, "pois era impressionante o que estava acontecendo tão perto", lembra. Após tantas situações perigosas, Cid diz que, agora, pensa primeiro nos filhos. "Minha esposa sempre me diz 'teus filhos não querem um herói, apenas um pai'. O mundo é muito grande e eu só tenho dois braços, então prefiro abraçar meus filhos, que fazem parte desse mundo".
Por um triz
Em 27 de abril do ano passado, Cid se envolveu em um acidente de carro em Farroupilha, junto com diversos colegas da imprensa. Ter a vida por um triz mexeu com o jornalista que, hoje, toma diversos cuidados. Ele evita andar muito de carro - vai a pé para o trabalho, na maioria das vezes - e lê a bíblia com os filhos e a esposa toda quarta-feira, antes de os pequenos dormirem. "Não tenho religião definida, mas criamos esse hábito, daí interpretamos de forma que eles possam entender. Pode ser bobagem ou até piegas, mas é um momento em família."
Há quatro meses também faz ioga com a mãe, e confessa que a atividade tem ajudado no controle da adrenalina. "Parece engraçado, o cara faz matéria investigativa, de polícia, com alta tensão, mas faz ioga", brinca. Uma das cenas que mais marcou após o acidente foi quando Jocimar Farina foi visitá-lo no hospital. "Quando ele me viu, me abraçou e chorou comigo. Senti como um elogio, pois, apesar de todo o trabalho, o que vale mesmo é a parceria com os colegas."
Seu mundo
Cid não é o nome verdadeiro, algo que preserva em sigilo não apenas pela profissão, "mas porque é feio mesmo", conforme brinca. Demonstra que a cegueira de seu Aelson, causada por um fungo, é algo que o emociona. Ele o viu chorando apenas duas vezes na vida. Quando o pai perdeu o emprego e ficou preocupado com o sustento da família; e no nascimento do neto mais velho, João Pedro. "Todo arrumado e perfumado, ele foi conhecer o neto. Pegou meu filho nos braços e acariciou o máximo que conseguiu. Depois, pediu para ir ao banheiro. Coloquei o ouvido na porta e percebi o quanto ele estava emocionado com aquela sensação", conta, com os olhos marejados.
Casado há 15 anos com assistente social Verônica, recorda da primeira vez que saíram juntos: "Lembro até da roupa que ela vestia. Fui buscá-la no trabalho e estava linda demais", elogia, para concluir: "É a minha grande parceira de vida". Do matrimônio, nasceram João Pedro, de 11 anos, e Lorenzo, de seis. Cid conta que sempre quis casar e ter filhos. Conquistado o sonho, ele se sente um cara feliz, por ter tudo que desejou.
Todos os momentos de folga são dedicados exclusivamente aos herdeiros. Com eles, gosta de fazer trilha, ir a local onde haja mata nativa, tomar banho de piscina, jogar futebol e viajar. Os locais escolhidos são, geralmente, Salto Ventoso, em Farroupilha, Capão Novo, onde a família tem casa, e, especialmente, Cambará do Sul. A relação de cumplicidade com os pequenos é batalhada, conforme conta: "Digo a eles que sempre serei pai, mas amigo é algo que preciso ser a cada dia".
Dos prazeres
Colorado fanático, o jornalista herdou a escolha da família e repassou à esposa e aos filhos, tanto que os pequenos foram batizados na capela do clube. Ir ao Beira-Rio para assistir aos jogos do time é um dos passatempos preferidos do quarteto. A paixão é tanta que, junto com os infantis, todos os filmes que envolvam o Inter estão entre os preferidos. Quando está na praia, o mar atrai os homens da casa, já que todos gostam de surfar. Na gastronomia, a preferência é por massa, ainda mais se for a especialidade de Verônica, à carbonara. Também se arrisca na cozinha, mas não muito - o melhor dele é risoto de camarão, regado a vinho branco. Cid confessa que prefere os afazeres da casa, como lavar a louça e a roupa.
Em Literatura gosta dos de História, mas se misturar esta área com ficção, melhor ainda. Adora poesia também, especialmente as mais simples as de Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana e Josué Guimarães. Para ouvir, reggae é a preferência, e não só dele, pois os filhos curtem ouvir Bob Marley. Rock nacional, especialmente os dos anos 1990, também é muito bem aceito pelo jornalista, que ainda acumula um gosto inusitado: "Durante os almoços de família, adoro ficar falando de história com meu pai, ao som de música alemã e medieval. Ninguém nos aguenta juntos".
Na condição de pai e de filho, a aprendizagem é algo que cultiva. Para lidar com a adrenalina constante, por exemplo, Cid sempre lembra uma frase do seu caçula: "Lorenzo me diz: respira fundo e conta até três. Se não adiantar, sai do lugar e volta depois". Ele não tem um lema de vida, mas uma certeza: quer cultivar a força para fazer tudo que quer e precisa. Seu maior valor é seguir a verdade de todos, pois "as pessoas são justas, até que provem o contrário". E conclui: "Cid é um cara que tenta ser um bom pai, um bom marido, um bom filho, um bom amigo e um bom jornalista".
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