Cláudio Moretto: Atraído pelas ondas do rádio

Experiências ocorridas na infância despertaram interesse pela atividade profissional

Por Poti Silveira Campos
Coordenador de Jornalismo da Rádio Gaúcha, Cláudio Moretto, 55 anos, estava às vésperas de completar seis de anos de idade quando a voz do então governador Leonel Brizola mobilizou a população na Campanha da Legalidade. Naquele conturbado mês de agosto de 1961, o rádio, o principal meio de comunicação na época, ganharia ainda maior importância com a determinação de Brizola de formar a Rede da Legalidade - um conjunto de emissoras de ondas curtas - para divulgar manifestações a favor da posse do vice-presidente João Goulart, na sucessão à renúncia de Jânio Quadros. Foi ouvido até mesmo num barco na costa do Alasca. Na audiência, também estava o garoto Moretto, que considera ter sido influenciado por episódios como este para escolher o radiojornalismo como área de atuação.

Era o final do tempo do rádio - mas ainda revestido de momentos de glória - e, para Moretto, principalmente, talvez um meio que combinava dois sentidos particularmente significativos aos pais. A fala e a audição. O pai, Oscar Saraiva do Nascimento, era representante comercial - ganhava a vida conversando. A mãe, Luizinha Moretto do Nascimento, violinista, ganhava a vida ouvindo: tocava nos clubes de música clássica de Porto Alegre. Surgidos a partir do fim do século 19, estas associações musicais foram expressivas na vida cultural e social da cidade até meados dos anos 50. Depois, infelizmente, desapareceram. Moretto, que se considera ruim de ouvido, jamais se aventurou pela música, mas tornou-se um fã de compositores como Ludwig van Beethoven (1770-1827). E fala com propriedade sobre o assunto: "Beethoven é o símbolo do clássico e do romântico", afirma o jornalista, salientando também a admiração pela história pessoal do artista alemão. Entre as obras preferidas, aponta a quinta e a nona sinfonias e as sonatas Ao Luar e Appassionata.

Moretto cita ainda a convivência com o jornalista e publicitário José Goulart - pai do cineasta e também publicitário José Pedro Goulart - como outro estímulo ao radiojornalismo. Os Goulart eram vizinhos dos Moretto do Nascimento, no Bairro São João, em Porto Alegre, onde o coordenador da Gaúcha viveu até seus 30 anos. "Havia poucos telefones na cidade quando mataram Margrit Kliemann. Nós tínhamos uma linha. Ligaram lá para casa naquela noite para avisar que José Goulart precisava retornar à redação para trabalhar", recorda Moretto, referindo-se ao assassinato da mulher do deputado estadual Euclides Kliemann, em 20 de junho de 1962. O crime, que mobilizou Porto Alegre em suspense e emoção, foi outro acontecimento acompanhado pelo jovem junto ao rádio.
Máfia Time

Goulart criou afeição pelo garoto, órfão de pai desde os 12 anos. Torcedores do Grêmio, eram parceiros nas idas ao estádio. Para Moretto, uma atração à parte: a possibilidade de acompanhar jogos direto da cabine de rádio. "Tive o grande prazer de assistir Pedro Carneiro Pereira narrando futebol", afirma, relembrando o profissional morto em 1973 e que foi considerado o maior narrador esportivo da época. Quando ingressou no Ensino Médio, no Colégio Estadual Dom João Becker, Moretto deixou claro que o estímulo ao jornalismo estava confirmado: "Inventei um jornal para o grêmio estudantil". O grêmio, aliás, estava fechado: a ditadura militar governava o Brasil.

A publicação, de quatro páginas, "composta" com caneta esferográfica, tinha frequência incerta. Moretto contava com a ajuda de colegas, todos com pseudônimos, que reproduziam apelidos de personagens então populares no rádio porto-alegrense, como Julius Brown e Cascalho. O título da publicação antecipava o espírito da coisa: "Máfia Time". O negócio era, antes de tudo, pegar no pé de colegas. "É o primeiro caso comprovado de bullying. Hoje, estaríamos na cadeia", brinca Moretto, que ingressou na Famecos em julho de 1974. No ano seguinte, o estudante teve a primeira oportunidade profissional na área, como redator do Repórter Bradesco, da Rádio Farroupilha, então pertencente ao grupo Diários Associados.

Moretto ficou três meses na Farroupilha, então instalada no Morro Santa Teresa, onde hoje se encontra a Cultura FM. "Era naquele prédio, que havia incendiado anos antes. Do jeito que estava, ficou. Os Diários Associados estavam mal e viriam a falir logo depois. Eles não pagaram o salário e eu saí." Voltou para o Banco Sulbrasileiro, onde trabalhava antes da tentativa de ingressar no radiojornalismo. Mas não desistiu: no final de 1976, procurou e encontrou emprego na Rádio Difusora, hoje Bandeirantes.
Chefe do professor 

Ali na Difusora, Moretto trabalhava sob a orientação do hoje senador Sérgio Zambiasi (PTB), colaborando na redação do Jornal de Integração Nacional e no Jornal da Manhã. "O da Integração era comandado pela Jovem Pan, de São Paulo. Ia ao ar das 7h às 7h30, e envolvia Porto Alegre, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Recife. Um dos locutores era Wilson Fittipaldi, pai de Emerson e Wilson, pilotos de várias categorias, incluindo a Fórmula 1. Moretto chegou a chefe do Departamento de Jornalismo na Difusora, tendo como subordinado, inclusive, um professor da Famecos, João Brito. Ficou lá até outubro de 1980, quando recebeu convite para trabalhar na Rádio Gaúcha, como editor do Chamada Geral, então apresentado por Bira Valdez (1953 - 2005). Na Gaúcha, tornou-se chefe de Reportagem, coordenador de produção e, finalmente, coordenador de Jornalismo, cargo atual, conduzindo a atuação de 52 pessoas. "Nem penso em me aposentar."

Entre as centenas de coberturas das quais participou, destaca a vinda do Papa João Paulo II a Porto Alegre, em 1980. Ele acompanhou o evento pela Difusora, rádio controlada por capuchinhos. Moretto foi escalado para o Gigantinho, onde o pontífice teria um encontro com religiosos. Lá, por um imprevisto, se descobriu isolado dos demais colegas de imprensa, mas justamente no caminho que o Papa deveria percorrer para chegar ao lugar que lhe era destinado. "João Paulo chegou a uma distância de um metro e meio, entre ele e eu. Pensei: 'É agora que entrevisto o Papa'. Fui narrando 'nesse momento o Papa chega próximo ao posto de transmissão da Rádio Difusora'? e fiz um sinal para ele vir. Aí, um frei, ao meu lado, se entusiasma e se ajoelha para receber a bênção. Isso fez com que a segurança caísse em cima de nós e nos afastasse de João Paulo bruscamente", relata.

Hoje residente da Avenida América, no Bairro Auxiliadora, Moretto está casado desde 1988 com a estudante de Pedagogia Lúcia Nascimento, 48. O casal tem um filho, Eduardo, 11. No momento do lazer, uma das preferências é jogar Playstation com o garoto. O pai ainda não teve a oportunidade de identificar qual poderá ser o rumo profissional do rebento: "Como toda a criança, ele já quis ser várias coisas. Tem boa redação e facilidade com o português para um pré-adolescente de 11 anos, mas o mais perto que passou (da área de Comunicação) foi ser ator". Na atividade física, Moretto, por enquanto, se limita a caminhadas leves, pois se recupera de infarto e de operação de ponte de safena. "Eu era assíduo frequentador do fumódromo", diz, referindo-se à pequena sala utilizada pelos colaboradores fumantes de Zero Hora e da Gaúcha.

Moretto também é reconhecido entre amigos pelas pizzas que prepara. "Gosto de ter amigos por perto." E a eles oferece os sabores calabresa e pepperoni, sempre na companhia de um bom som, especialmente se for de MPB, com intérpretes como Vinícius e Toquinho, Chico Buarque e Gilberto Gil. Na leitura, Moretto diz que consome de tudo - "até bula de remédio". No momento, ele se dedica às 256 páginas de "Caso Kliemann" (Literális e Edunisc, 256 p. 2010), de Celito de Grandi, sobre o assassinato de Margrit. Para Moretto, o interesse pelo livro vai além do mistério de quase 50 anos a respeito da identidade do criminoso: é também um retorno ao tempo em que começou a sonhar com o radiojornalismo. "Quero ver se o trabalho bate com a informação que tinha quando era garoto", afirma, curioso e desconfiado, como um bom repórter deve ser.
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