Daniela Corso: Tudo depende do ponto de vista

Limitá-la ao diploma de Arquitetura seria injusto. Ela já era artista mesmo antes de saber

Apesar de compartilharem o sobrenome, elas não são parentes. Algo muito mais profundo, sem querer querendo, as uniu. Acompanhando o trabalho da psicanalista uruguaia Diana Corso, a arquiteta Daniela Giovana Corso soube da história de quando a psicóloga e também escritora assistia à morte iminente de uma árvore ao lado de sua casa. Um prédio seria construído no terreno e, tomada pelo medo de perder a sombra e brisa da natureza, não aproveitou a companhia da mesma. Da reflexão, Diana propôs o pensamento "nadie te quita lo vivido", que em tradução livre do espanhol para o português significa "ninguém tira o que você viveu". 

Caminhando pelas ruas de Porto Alegre, sempre observadora e com as engrenagens da mente em movimento contínuo, Daniela, a outra Corso, relembrou da frase com a sensação de quando algo forte nos atinge, e resolveu eternizá-la. "Achei bárbaro o que ela disse e, naquele mesmo momento, decidi entrar em um estúdio e tatuar", conta. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escolha feita de modo peculiar, ela nunca poderia ter seu crédito limitado a um diploma. Desenhista, ilustradora, costureira, fotógrafa, artista plástica e tantas outras nuances que as palavras não conseguem descrever. 

Como em um moodboard, uma das ferramentas de trabalho de Dani, cores, formas e texturas se misturam formando imagens em tudo e todos, aflorando a imaginação e garantindo singularidade. À frente da Nowhere EXPD, onde atua na concepção de projetos arquitetônicos, comerciais, efêmeros, artísticos, de design e promocionais na área do entretenimento, com clientes fiéis há 20 anos - como Associação Riograndense de Propaganda (ARP) -, aproveita a liberdade do empreendedorismo para dar vida a outras iniciativas, como a criação de objetos de arte com seus desenhos e a curadoria de fotografias em preto e branco na página 'noir est doux', no Instagram. Em uma seleção criteriosa, busca desmistificar a cor ligada, muitas vezes, ao luto, a algo pesado, ruim, e transformar seu tom preferido da aquarela na intensa beleza que realmente é.

Como sangue correndo pelas veias

De uma família de mulheres artistas, Dani nasceu e cresceu como em um mundo à parte. Para ela, materializar o infinito de ideias em sua cabeça sempre foi natural. "Tenho guardados os desenhos da época da escola, as roupinhas bordadas pela minha mãe de quando eu era bebê. Não me considero acumuladora mas, sim, colecionadora da minha história", enfatiza. E foi entre esses e tantos outros estímulos, a exemplo dos domingos na casa do avô, em Ana Rech, Caxias do Sul, sua cidade natal, que a arquiteta soube que o destino com a arte estava traçado. Conhecido como Nino Seleiro, o avô paterno produzia selas para cavalos e a maestria com as mãos foi sendo passada de geração em geração. 

Filha da dona de casa Leda e do industriário Dalvi, quando estava prestes a terminar o Ensino Médio, acreditava que sua carreira estava facilmente decidida. Na época, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) abriu o curso de Moda. Acostumada com o interior, pensou que era "um presente", mas outros planos estavam reservados para ela. Em um teste vocacional oferecido pelo pré-vestibular, foi direcionada para três possibilidades, dentre as quais estava a então desejada graduação. Publicidade e Propaganda também surgiu na conversa com a psicóloga que, vendo os resultados de Dani, percebeu o gosto pelas exatas e sugeriu que ela cogitasse Arquitetura. 

Aos 16 anos, conquistou a penúltima vaga no vestibular da Ufrgs e, com incentivo da família, mudou-se para Porto Alegre. Cada instante na Capital foi uma descoberta. E da mesma forma como funciona hoje, permitiu deixar os pés livres para encontrar o caminho sem muito planejamento. Foram sete anos de faculdade, muitos cursos extras e alguns estágios até vivenciar uma experiência que, novamente, a colocaria em trajetos (alegremente) inesperados. Em 2001, integrou a equipe da 3ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, pelo GAD Design. Pela primeira vez, teve contato com a arquitetura efêmera, baseada na temporalidade, com mais liberdade criativa, para construir algo que pode ser desfeito ou mudado de lugar. 

Vão-se os projetos, ficam as relações

Bater ponto das 8h às 18h, ter a obrigação de sentar diariamente na mesma cadeira, em frente à tela repetida do computador, nunca foi uma opção para Dani. Os resultados do esforço e da paixão pela profissão, onde pode unir um pouco de tudo que mais lhe traz felicidade, são, desde os primeiros passos no mercado de trabalho, o melhor cartão de visitas. O portfólio reúne outros nomes de peso como a Saccaro Móveis, Festival de Cinema de Gramado, Iguatemi, Unimed RS, entre muitos mais. 

"Quando reflito atualmente, entendo que era pra ser isso. Podemos nos permitir fazer tudo", ressalta, pontuando que o aprendizado não está somente dentro de uma sala de aula, mas das experiências construídas ao longo dos anos: "Minha maior escola foi e continua sendo o chão de fábrica, a vivência de perto, as inteligências somadas". Dos frutos, além de reconhecimento a exemplo do Prêmio Colunistas Brasil, Prêmio Bornancini Design de Ambientação e Cenografia, Melhor Projeto Externo no Prêmio Revista Grandes Formatos, o principal, segundo ela, é olhar pra trás e perceber que criou não apenas 'coisas' mas relações duradouras. "Não tem preço, é a maior recompensa", reforça. 

Entender que cada demanda exige saberes distintos e que nem todas as pessoas são iguais é um dos desafios entre os quais a empreendedora precisa lidar. Alguns segundos de análise interna e Dani responde, quando instigada a dividir uma qualidade e um defeito: "Acho que é o mesmo para ambos". O excesso de criatividade, em suas próprias palavras, é maravilhoso por lhe proporcionar realizar os sonhos da infância e entregar produtos e serviços inusitados, mas também a deixa 'refém'. "Não consigo separar a Dani profissional da pessoal. Minha mente nunca para e o conflito de não conseguir tirar do papel tudo que imagino me persegue."

Encarando a vida com positividade

Quando se trata de fé, Dani já passou por várias fases. Batizada na Igreja Católica, fez catequese, crisma, costumava ir à missa toda semana enquanto criança e adolescente. Aos 48 anos, prefere não definir uma religião. Crente no poder transformador que há dentro de cada pessoa, defende a positividade como maneira de encarar a vida. A ouvindo falar, peguei-me sorrindo (eu, a repórter) ao lembrar de uma máxima de Freud que minha psicóloga repete com frequência: "O pensamento é o ensaio da ação". 

Para a arquiteta, é exatamente isso. O pensamento vem antes de tudo e nossa falta de capacidade de controlá-lo não nos tira o domínio de escolher o que fazer com o que pensamos. "Não de modo fantasioso, mas creio que o jeito como enxergamos o mundo muda tudo", pondera. Pode-se dizer que essa perspectiva deu a Dani a 'coragem' necessária para cultivar um novo relacionamento durante a pandemia de Covid-19. Há cinco anos, compartilha os dias bons e ruins com Eduardo. O namoro começou em 2019 e, pouco depois, os dois se viram diante do obstáculo do confinamento. No segundo ano, decidiram arriscar e juntar as gavetas sob o mesmo teto. Confiar no, até então, desconhecido, deu certo. 

Na ressignificação das raízes com a família, que inclui a irmã Cristina e o sobrinho e afilhado Murilo, conseguiu também se abrir para o autoconhecimento, reconstrução e aceitar as alternativas na trilha da vida. A retomada do habitual despertou em Dani o desejo de sair do estilo 'deixa a vida me levar' e definir metas com planos traçados para fazer acontecer com mais clareza o que se propõe, como a coleção Mulheres Anjo, pinturas retratando as inúmeras facetas do sagrado feminino.

Um pouco do que somos, um pouco do que gostaríamos de ser

Não precisam muitos cliques nos posts da arquiteta para se deparar com imagens, textos e sons entusiasmantes. De um desses lampejos, a essência resumida de si mesma: "Sou o que meus olhos veem. E eles me dão asas". Adepta do conceito de que não há nada do que se arrepender, Dani mira tudo como inspiração e oportunidade. Com isso, a linha que separa o hobbie do trabalho é finíssima, tênue. 

Do samba, o gênero musical favorito, a nostalgia da adolescência resgatada recentemente com as letras e melodias de PetShopBoys. No som das ondas quebrando no mar ou na batida do calçado pelas ruas de Minas Gerais, estado brasileiro que considera seu lugar no mundo. Até mesmo pelas batidas inquietas do coração ao expressar uma vontade nova. Ela tem uma playlist para tudo. "Uma amiga dizia que dá pra sentir o que estou criando a partir do que estou ouvindo e compartilhando", conta. 

Amplificando o ponto de vista, de uma lente inigualável de quem tem na imagem o balizador da existência, ela segue desbravando suas próprias fronteiras e surpreendendo. Um dos mais recentes cases que ilustra bem quem é Dani é o de um desenho feito para ser impresso em uma caneca e um caderninho. Faltava algo. No dia de apresentar ao cliente, levou junto a lista de músicas que ajudou na inspiração e, assim, o que podia ser considerado apenas um objeto tornou-se uma experiência. Da mesma forma como a reação que foca ao empenhar-se em um desafio profissional, espera para o ângulo pessoal sem medo o que imortalizou Arnaldo Nunes no último álbum como vocalista da banda de rock Titãs: "Tudo ao mesmo tempo agora".

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