Ney Gastal : Do Jornalismo ao meio ambiente

Durante muito tempo, Ney Gastal seguiu os passos do pai, agora desenvolve projetos voltados ao meio ambiente

É em uma de suas duas bibliotecas particulares que Ney de Araújo Gastal concede esta entrevista. Antes de iniciar a conversa, ele previne-se: "Algum problema com gatos?", brinca, referindo-se aos cinco felinos que moram com ele. Sujeito alto e despojado, é com uma voz mansa que lembra sua trajetória profissional. Ney viveu o Jornalismo, queria passar o resto da vida dentro da redação do Correio do Povo, mas, desiludido, abandonou a profissão e, hoje, se dedica ao ambientalismo. Filho de Dinah de Araújo Gastal e do jornalista Paulo Fontoura Gastal, criou-se no ambiente da Comunicação.
Tinha nove anos quando a mãe foi internada para dar luz à Maria Luísa e, durante estes 10 dias, acompanhou o pai no jornal do Grupo Caldas Júnior, onde era editor de Cultura e um dos críticos de cinema mais respeitados do País (hoje, a sala de cinema da Usina do Gasômetro levam o nome P.F. Gastal em sua homenagem). Começa o encanto pela profissão. Foi lá que aprendeu a operar linotipo, ligar rotativa e, em 1968, publicou as primeiras matérias. A opção por tornar-se jornalista, segundo ele, foi determinismo: "Não tive escolha", brinca.
Desde o início da carreira, atuou na área cultural. A primeira matéria, que foi sobre um show, surgiu por acaso e ele guarda até hoje. Fez parte da Equipe das Terças - grupo de estudantes que assinava resenhas de cinema no Correio -, ao lado de profissionais como Antonio Hohlfeldt. Mais tarde, ampliou o leque para a área musical, passou a redigir críticas também para o Folha da Tarde e assumiu como editor de Cultura no CP.
Mesmo com toda esta bagagem, hoje, prefere dedicar-se ao cargo de presidente da Associação Brasileira para a Preservação Ambiental (Abrapa). Neste ramo, também atuou, de 2003 a 2006, como diretor do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul.
Lidando com a censura
Em 1973, Ney pediu uma entrevista a Geraldo Vandré, autor da música "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores". À época, em meio ao regime militar, era proibido falar no cantor, que estava exilado no Chile. "Liguei pra ele, perguntei se poderia fazer uma entrevista, ele riu e disse: "Poder, tu pode. Quero ver publicar"", relembra. Com o material em mãos, foi até o diretor Breno Caldas e recebeu o aval. A matéria, até pouco tempo, era a única entrevista do compositor publicada no País. Do episódio, levou um aprendizado: "Na maioria das vezes, o que censura, o que bloqueia, o que impede é o medo. O medo de perder o salário no fim do mês, de perder o emprego", explica.
A censura, no entanto, aconteceu antes, nos tempos de estudante. Criado e editado pela turma de Jornalismo de 1974 da PUC, o alternativo Puk-Puk, do qual era editor, foi proibido pela reitoria da universidade, em sua quarta edição. Em entrevista, um médico afirmava que a maconha podia ser menos prejudicial do que o álcool e o cigarro. Foi o suficiente para que o impresso fosse acusado de fazer apologia às drogas. Um quinto número chegou a circular fora da instituição de ensino, mas não seguiu adiante. Apesar da curta existência, o jornal chegou a receber anúncio da Pepsi.
Despedido, reintegrado, elogiado
Era 1981, quando chegou à redação do Correio do Povo e foi convidado a testemunhar contra uma ex-colega de trabalho, repórter subordinada a ele, que havia sido demitida em ocasião na qual Ney não estava presente. Recusou-se e, em 15 minutos, foi despedido pelo então diretor, Francisco Antônio Caldas Jr. "Ele tinha choque com a área cultural, nos implicávamos muito. E também existia ali um conflito de gerações, porque eu fazia parte da turma que tocaria o CP nos próximos anos e ele, possivelmente seria o diretor", esclarece. Com a demissão, viu seus planos desestruturados. "Pensava que iria passar o resto da vida ali", enfatiza.
Um ano depois, retornou à redação para conversar com Breno, que, na época do episódio, estava em viagem. Informou que recorreria à Justiça e não seria para buscar direitos, mas, sim, reintegração. Descobriu que tinha estabilidade. Foi assim que voltou ao impresso, e, pela segunda vez, viu suas perspectivas se perderem, em 1984, com o fechamento do jornal.
Como recordação, guarda o elogio de Breno Caldas ao trabalho realizado durante o governo estadual de Jair Soares (1983-1987). Cogitava-se a instalação de um centro de convenções no prédio anexo ao Museu de Ciências Naturais, o que representava uma ameaça ao Jardim Botânico, que poderia ter de ceder espaço para o empreendimento. Para esclarecer a questão, o então governador concedeu entrevista, mas somente agravou a situação. O conteúdo da reportagem era forte, segundo Ney: "O doutor Breno saiu da sala com a matéria em mãos e o barulho na redação foi baixando. Estendeu as folhas e disse: "Está muito bom. Pode publicar"", recorda.
Rumo ao ambientalismo
Aos poucos, percebeu-se insatisfeito com a profissão. "Você descobre que toda a imprensa é manipulada. Então te cabe, como jornalista, tentar ser isento, não imparcial, mas isento. E eu não aguentava mais jornal", explica. Partiu para a área ambiental, na qual participou da fundação da Abrapa e fez questão que constasse no estatuto da organização não governamental que, em hipótese alguma, aceitaria verbas públicas. O item, para ele, era essencial para que o caráter de ONG fosse oficial.
Para o programa Abrace o Taim, a entidade montou um clube de seguros, que destinava 10% do valor pago pelos contratantes a um projeto ambiental centralizado na região da reserva ecológica. O projeto - criado por Vera Targa - reunia outras cinco seguradoras. Conta que, próximo das eleições, apólices foram oferecidas a um partido político. "Houve uma série de reuniões com o diretório estadual, até que um dia perguntaram: "10% é pouco, não dá para ter um caixa-dois nisso?" Vera disse que não", conta.
Em cerca de um mês, foi lançado o concorrente Clube da Cidadania - que mais tarde seria acusado de lavagem de dinheiro -, segundo ele, com cópia integral do estatuto, até mesmo com os mesmos erros. Revoltado, Ney encaminhou fax ao então presidente do partido, mas não foi respondido. Passados alguns anos, o mesmo político assumiu o poder executivo estadual. Enviou a carta novamente, mas, desta vez, ao gabinete do governador. Também não obteve resposta, mas garante que a notícia circulou pelo Palácio Piratini.
Vida de assessor
No meio ambiental, foi assessor de José Lutzenberger, em Brasília, durante o governo Collor, naquele que define como o "período mais louco" de sua vida. Lutz vivia em um parque, onde trabalhava, e não comparecia ao gabinete. Certa vez, pediu uma antena para assistir TV e instalaram "uma gigantesca rastreadora de satélite", segundo Ney. O fato rendeu reportagens e uma briga entre os dois, o que fez com que Ney deixasse a capital federal.
Mais tarde, retomou a amizade com aquele que disputa o posto de referência ao lado do pai. "Ele não era um executivo, era um filósofo e, mesmo assim, fez coisas incríveis", lembra. Foi com Lutz que aperfeiçoou muitas crenças. Para ilustrar uma delas, cita a frase do ambientalista "nossos maiores adversários não são nossos inimigos. Eles apenas acreditam em coisas diferentes de nós".
Dos tempos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), lembra de quando descobriu que, certa manhã, o então governador Antonio Britto visitaria o Taim. Entusiasmado, Ney montou um material sobre o parque e enviou à casa do político, destacando a necessidade do cercamento. Tempos depois, o pedido se concretizou, mas com a ajuda de doações. Na lembrança, ficou a burocracia enfrentada. "O material que montei foi encaminhado ao Daer (Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem), à Secretaria de Saúde e retornou ao presidente da Fepam, que, sem saber o que era, me devolveu. Aquilo tudo me deixou ainda mais desiludido", desabafa.
Disperso, mas honesto
Ney confessa que é disperso. Também não é bom com datas, mas dois anos vêm à mente de imediato: 1981 e 1988. O primeiro foi quando conheceu a esposa, Ânia Chala, era assessor e editava a Revista da Universidade, na Ufrgs. Na época, ela era sua estagiária e hoje, é responsável pelo que se tornou o Jornal da Ufrgs. O segundo representa desde quando estão juntos, ou seja, sete anos após o primeiro encontro.
Tem na honestidade o seu norte, qualidade que já lhe rendeu represálias. Na década de 1970, lecionou no curso de Jornalismo da PUC, mas a carreira de professor durou apenas dois anos. ""Sugeriram" que passasse uma aluna que estava doente e não comparecia às aulas, apenas porque era filha de alguém importante. Eu disse que não passaria. Ela passou e eu fui demitido", conta.
Apesar de algumas situações pelas quais passou, sente-se uma pessoa realizada. Estava ao lado do filho Rodrigo, ainda pequeno, quando viveu uma das experiências que mais o entristece. "Estava na rua quando explodiu o gerador de energia do poste e larguei a mão dele. Foi um reflexo, mas aquilo me magoou muito", relembra.
Tem como atividade de lazer o gosto pelo estudo de Biologia, Paleontologia e Geologia. Chegou a fazer bacharelado em Biologia e mestrado em Geologia Marinha, mas ambos os cursos ficaram inconclusos. Nos planos futuros estão documentários sobre meio ambiente. O cinema, aliás, o acompanha desde a infância, período do qual traz como recordação as sessões de cinema realizadas em casa pelo pai, amante da sétima arte. No campo musical, escuta de tudo, de música brasileira a clássica. Recentemente, comprou o DVD do Chitãozinho e Xororó. Acredita que em tudo há algo de bom e de ruim.
Imagem

Comentários