Cagê: Essência alternativa

A Ipanema foi a primeira escola de rádio de Cagê, que retorna à emissora depois de quase 20 anos

Cagê - Reprodução

Por Márcia Farias

Há 49 anos nasceu Carlos Eugênio Nunes Lisboa. A madrinha do recém-nascido achava o nome extenso demais e decidiu chamá-lo de Cagê. E assim permaneceu - tanto, que muitos nem sabem seu nome. Com quase 30 anos de carreira, uma larga bagagem em rádio FM, muitas lembranças e acreditando que há ainda um caminho imenso por ser trilhado, o comunicador afirma que não existe diferença entre o Cagê e o Carlos Eugênio, pois nenhum deles é um personagem. "O segundo só existia quando minha mãe ficava brava comigo. Eles são um só, com certeza", garante. Pessoalmente, é um cara muito parecido com o que representa diante do microfone: voz comum, mas marcante, alto astral e simples. Não é o tipo de pessoa que foge de alguma pergunta, ou pensa muito para responder. Sincero, não tem medo de mostrar quem é e o que pensa.

Acostumado com o rádio desde criança, por ter sido um costume imposto pelos pais, o securitário Manoel Eurico (falecido há pouco mais de um mês) e a professora Sara, Cagê revela que cresceu ouvindo mais do que vendo TV. O tempo passou e, quando era adolescente, surgiu a Bandeirantes FM, que tinha estúdio bem próximo à sua casa. "Era uma emissora que eu gostava muito, pois tocava o que as outras não tocavam. Comecei a visitar a rádio, me aproximar dos locutores. Ou seja, minha entrada para o meio foi natural, questão de tempo", recorda, lembrando que o primeiro contato com o microfone foi por volta de 1985.

Quase 20 anos se passaram e ele está de volta. O filho pródigo se diz em uma fase de empolgação, com muita liberdade e realizando o sonho de retornar. "Foram longas as tratativas, mas deu certo e é isso que importa. É uma sensação muito boa, é espetacular", resume. Além de se sentir em casa, Cagê destaca que está com um novo desafio, algo que o tem motivado bastante: o esporte. Fazer um programa diário com Fabiano Baldasso e Carlos Guimarães, "que são dois profissionais espetaculares, dos quais eu já era fã", o  faz especialmente feliz.

Ouvinte chato

A Ipanema lhe deu a primeira oportunidade de desbravar desde os bastidores de produção até o microfone - e, talvez, tenha ganhado a chance na base da insistência. "Eu era aquele ouvinte muito chato, que vivia pentelhando os caras, ligava para lá toda hora, ia no estúdio. Hoje, estando do outro lado, entendo melhor isso", conta, rindo. Ele recorda que, junto com três amigos, participou do programa Clube do Ouvinte, e deixou seu irmão, André Francisco, gravando tudo em casa. Após a edição daquela noite, o trio deixou a rádio, passou em casa, pegou a fita cassete e foi beber dentro do carro, ouvindo o que tinha feito e comemorando a oportunidade. A primeira de muitas, já que sua participação começou a ser mais frequente, o que lhe deu bagagem para começar a cobrir folgas e férias dos comunicadores.

A estreia no horário da tarde, considerado nobre na Ipanema, foi para substituir Mauro Borba por três dias, o que deixou Cagê "em estado de glória". Não demorou para atuar ao lado de Vitor Hugo, pela manhã, voltar para o turno da tarde e migrar, em seguida, para a Pop Rock (na época, Felusp) - Mauro foi quem o levou para a nova emissora. Era final da década de 1990 quando trocou de emprego, segundo ele, no primeiro boom do rock gaúcho. "Lembro da proposta de transformação para Pop Rock, onde poderíamos tocar sons mais comerciais, o que era um desafio, especialmente pra mim, que vinha de uma escola mais alternativa. A rádio se tornou um fenômeno", recorda, orgulhoso.

Apesar de não fazer parte da primeira formação do programa Cafezinho, onde ficou por 10 anos, Cagê lembra bem de como ele começou e como estourou na audiência. Também sabe que foi por conta desta atração que deixou a rádio para ir para Atlântida, do Grupo RBS. "A proposta era fazermos algo bem semelhante. Aceitamos e surgiu o Pretinho Básico, em 2007, que se tornaria concorrente direto do Cafezinho. Nunca fomos surpreendidos com o sucesso, pois sempre esperamos por isso, os primeiros números de audiência já nos confirmaram as expectativas", conta.

E nem tudo são flores

Sempre ligado a temas culturais e sem se enxergar como humorista, Cagê entende que perdeu espaço no PB. Quando foi "limado", como diz, da Itapema, sem justificativa alguma, começou a perceber o que viria logo em frente. "O Pretinho mudou muito, virou um programa humorístico e não mais um programa bem-humorado, como era a proposta inicial. E eu não me encaixava mais nesse perfil", lamenta, sem esconder certa mágoa com a dispensa da emissora e com Alexandre Fetter, o seu diretor. "Sei que foi pressionado, mas acho que ele podia ter lutado um pouco mais por mim. Uma pena, pois perdi um amigo", desabafa.

O período de sete meses longe do microfone, quando ficou desempregado, é classificado como desesperador. Além da preocupação com o sustento da família, ele virou "arroz de festa", participando de diversos programas como convidado. Foi quando decidiu criar alternativas, como a venda de vinil, que foi uma novidade em sua vida. "Já era colecionador e descobri um nicho muito legal, que me abriu um caminho muito prazeroso de trabalho", diz.

Quase 30 anos de carreira fizeram de Cagê um profissional mais responsável e mais maduro, pois, como diz, só o tempo ensina certas coisas. A responsabilidade na frente do microfone é um exemplo. "É um canhão que temos nas mãos. É preciso um cuidado imenso com o que vai ser dito no ar. Uma coisa é ser politicamente incorreto, mas inteligente, outra é ofender alguém, por exemplo", fala, destacando que o amadurecimento traz esse limite. E se tem outra área que a profissão também aperfeiçoa, esta é a afetiva. Garante que é possível, sim, fazer grandes amigos, e dá exemplos: "O Porã é um amigo de muitos anos e o Potter é um novo amigo - um cara que merece todo o sucesso que está tendo. O Vitor Hugo é meu compadre, sou padrinho de uma das filhas dele. E tem muitos outros por aí", enumera. Por outro lado, ele também afirma que "dá para conhecer muita gente mau caráter".

Pelos seus

O mais velho dos três filhos (além de André Francisco, arquiteto, ele tem a irmã Mariane, bancária) lembra que foi um pouco pai da mais nova. "Quando morávamos no Bom Fim e ela era estudante do Anchieta, tinha um revezamento de pais que deveriam buscar as amigas nas festas e levar todas em casa. Como meus pais eram separados, quem fazia essa parte era eu", conta. E completa: "Odiava quando era julho, três horas da manhã e eu colocava uma roupa qualquer por cima do pijama e me tocava para buscar aquelas fedelhas", brinca. Um pouco antes, na infância, uma dos passatempos preferidos era comer uva direto da parreira, que tinha nos fundos da casa da avó paterna, junto com os primos.

Casado há 11 anos com a produtora cultural e professora de dança flamenca Andressa, ela também é fruto do rádio, já que se conheceram enquanto a esposa era estagiária da Pop Rock. Artur, de 13 anos, é filho apenas de Andressa, mas não é assim que Cagê o enxerga: "Conheci ele com dois anos e, por mais presente que seja o pai, o dia a dia dele é comigo. É meu filho e sempre vai ser", garante, para em seguida completar que gosta de participar da vida do adolescente. Artur já esboça preferências profissionais e deixa Cagê orgulhoso, pois o menino tem veia artística, mesmo que voltada para o desenho. Agora, quando o assunto é música, o pai confessa que se desespera, pois Artur não passa muito tempo ouvindo, nem se liga muito em futebol. "Eu tento, levo a shows e no estádio, mas não é a praia dele, para minha tristeza, óbvio."

Curtir, ouvir, comer e assistir

Após cinco anos no Grupo RBS, tendo que fazer o projeto Balada do Pretinho e, por isso, não tendo finais de semana livres, hoje, Cagê faz questão de ficar em casa nos períodos de folga. "Sempre que posso, quero curtir minha casa, a churrasqueira, o fogão a lenha, a piscina, entre outros", afirma. E por falar nisso, virginiano convicto que é, ele diz que é tão organizado, a ponto de ser chato. "A Andressa e o Artur dizem que tenho TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Meus discos e CDs, por exemplo, são todos arrumados em ordem alfabética. Mas como vou me achar no meio de mais de 5 mil títulos?", justifica-se. Entre suas características também cita a fidelidade em qualquer tipo de relacionamento. Talvez por isso, segundo reflete, tenha dificuldade de entender rasteiras e falta de honestidade. Como defeito, pensa, ri sozinho e admite: "Sou mal-humorado. Às vezes nem eu me aguento".

A cozinha é um ambiente ao qual admira, mas não para pilotar o fogão, só conduz mesmo a churrasqueira. "Gosto do ritual da gastronomia. Quando a Andressa vai fazer algo especial, eu participo: corto os ingredientes, lavo a louça, abro o vinho, boto som", relata, confessando que já tentou, mas não consegue cozinhar. No cardápio de preferências, aliás, gosta da culinária simples, como carne de panela com molho, arroz e feijão, mas não dispensa algo mais sofisticado. Para passar o tempo, os livros são uma paixão. Ele está sempre lendo algo e se orgulha de ter passado a prática para o filho - o que pode ser confirmado pela sala da casa na Zona Sul, repleta de obras pelas estantes. "Tenho certeza, porque já passei por isso, que um livro pode mudar a vida de alguém, de verdade. Chego a ler o mesmo livro mais de uma vez."

Para assistir, gosta de filmes independentes e pouco comerciais, e não se presta a ver algo sobre guerras, com atentados e explosões. "Ou vejo algo bem feito, ou nem tento assistir. Acho que esse lado mais alternativo é fruto da minha escola na Ipanema; esta é a minha essência", reflete. O que um comunicador de rádio FM ouve? Bem, considerando a formação no rock, este é o estilo favorito, mas também tem em seu iPhone, por exemplo, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Carlos Gardel, entre outros. E por falar em música, um dos momentos de glória da vida de Cagê foi compartilhado com Artur: "Levei ele ao show do Paul MacCartey, botei o guri na minha garupa e curtimos muito. Sentir a empolgação dele do meu lado naquele momento, foi demais", lembra.

Pela verdade, sempre

Definitivamente, Cagê não se sente um profissional realizado e acha que ainda tem um longo caminho a ser percorrido e muito a contribuir. "Acho que me sentir realizado seria uma forma de me sentir conformado, o que não acontece", pondera. Entre os planos, está a enorme vontade de crescer nos Esportes, fazendo até jornadas. Apesar de ser gremista assumido, o desafio atual é ser o mais imparcial possível. "Estou trabalhando para levar a minha paixão em paralelo com a profissão, já que estou em um programa de esportes. E acho que tenho conseguido."

Para se definir, ele nem precisa pensar muito. Diz que é um cara verdadeiro, que não pretende se acostumar com a falta de caráter das pessoas e que está sempre em busca do que é melhor para ele, os amigos, a família e o mundo. Ele garante que uma das melhores sensações de quem é assim é poder deitar a cabeça no travesseiro de noite e dormir tranquilo. "É isso que eu quero para mim e é assim que quero educar meu filho."

Comentários