Evelyn Bastos: Uma repórter engajada

Correspondente internacional da Record TV, a pelotense transformou o estilo de vida desde a mudança para os Estados Unidos, em 2018

Evelyn Bastos, correspondente internacional da Record TV

* Por Cleidi Pereira, correspondente de Coletiva.net em Lisboa, Portugal. A jornalista assina conteúdos para Perfil de profissionais gaúchos da Comunicação que estão espalhados pelo mundo.

Naquela manhã fria de inverno, Evelyn Bastos Nascimento desembarcou na cidade que nunca dorme com a impressão de estar sonhando. Ou, quem sabe, de estar dentro de um filme. O dia 10 de janeiro de 2018 marca a chegada ao topo, que era também - como canta Sinatra em New York, New York - um recomeço. Mas talvez ela ainda não soubesse, ao menos não com a convicção de quem, hoje, olha para o caminho percorrido. A nevasca que havia atingido a cidade de Nova Iorque naquele dia, somada à decoração natalina remanescente, alimentavam a sensação de imersão em um típico longa-metragem americano. Assim que chegaram, a jornalista e o marido, o engenheiro carioca Victor Albuquerque, e a cachorrinha Tequila deixaram as duas malas no hotel e caminharam rumo à Times Square.

Evelyn tinha oito anos quando estreou em frente às câmeras. Nas festas da família, era ela quem entrevistava os convidados, enquanto um tio fazia as vezes de cinegrafista. A veia jornalística também se manifestava na elaboração dos trabalhos escolares, que eram transformados em jornais ou programas de rádio ou TV. Mais tarde, a opção pelo Jornalismo viria de uma forma natural, o que não foi surpresa para quem a conhecia. Nascida em 14 de junho de 1986, a pelotense teve como uma de suas inspirações uma vizinha de condomínio, a repórter Tânia Cabistany, do Diário Popular. "Era destemida, independente, jornalista, mulher... E eu achava aquilo o máximo", conta.

O que ninguém esperava era que a menina que gostava de assistir ao noticiário se tornasse uma das mais jovens profissionais a assumir o posto de correspondente internacional, aparecendo quase que diariamente na tela da Record TV, em horário nobre, com informações sobre a maior potência política e econômica, os Estados Unidos. De certa forma, por caminhos inesperados, a trajetória profissional cumpriu um sonho-profecia de Evelyn: aos 16 anos, numa conversa sobre a escolha do curso universitário, disse ao pai: "Um dia, vou ser correspondente internacional."

Filha do engenheiro Alcenir e da técnica em telecomunicações Dóris, cresceu rodeada por crianças e teve uma infância longa e feliz, com pais presentes, que estimulavam a criatividade e a prática de esportes. "Sempre fui muito moleca, como até hoje. Sou uma criança grande", diz. Evelyn, que é gremista, brinca que jogar futebol era quase que obrigatório em sua casa, tanto que seus dois irmãos, Gustavo e Gabriel, tornaram-se jogadores. O pai - que abdicou da carreira profissional em prol da família, ao recusar uma proposta internacional quando a esposa estava grávida do primeiro filho - era treinador em um projeto social de futsal, que envolvia cerca de cem crianças.

Foi na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) que Evelyn deu seus primeiros passos no telejornalismo, durante estágio na TV UCPel. Recém-formada, em 2007, integrou a equipe da TV Nativa, retransmissora da Record no Sul do Estado. E a qualidade do trabalho lhe renderia um convite, em 2010, para atuar na Record em Porto Alegre. Na capital gaúcha, a jornalista também teve passagens pela RBS e SBT antes de se mudar para o Rio de Janeiro, em 2012, quando voltou a ser requisitada pela Rede Record.

Representatividade na tela

A vida, muitas vezes, pode ser irônica. Evelyn que o diga. A mudança para os Estados Unidos representou um marco não apenas profissional, mas de um novo lifestyle. Foi na terra do hambúrguer que ela se tornou inicialmente vegetariana, e depois vegana. E também foi imersa numa das culturas mais consumistas que consolidou um estilo de vida minimalista e sustentável. Além de compartilhar sua rotina e escolhas no Instagram (@reporterevelynbastos), onde tem mais de 25 mil seguidores, a jornalista tem inspirado muitas pessoas a reverem seus hábitos, inclusive por meio de reportagens, como quando mostrou como é ser vegana em Nova Iorque.

A mudança mais gratificante e libertadora, contudo, aconteceu no início de 2019. Depois de 18 anos alisando os cabelos e de um ano de transição capilar em segredo, ela assumiu os cachos. Evelyn diz que se recorda de todos os detalhes e do nervosismo daquele dia de (re)estreia crespa. Foi durante um ao vivo direto da Bolsa de Valores de Wall Street. "Fui 100% abraçada pela Record. Recebi muitos elogios, tanto por ter feito a mudança como por ter tomado a atitude de levantar essa bandeira - uma bandeira, aliás, que não havia quando eu precisava de representatividade, de me enxergar nesse lugar de poder", afirma.

Descendente de alemães, africanos e portugueses, a repórter conta que começou a alisar os cabelos justamente para se encaixar em padrões estéticos supostamente exigidos pelo telejornalismo. No início da carreira, foram inúmeros os comentários depreciativos, como o que não iria longe devido aos cachos. Ela não só foi - literalmente - como está entre as pioneiras de um movimento de aceitação, que incentiva meninas e mulheres a se amarem como são. A reação do público fez valer a pena o esforço de fazer escova todos os dias durante o período de transição. Pelo Instagram, recebeu retornos como o de uma mãe contando como a filha de seis anos ficou feliz ao ver a jornalista e exclamou: "O cabelo dela é igual o meu!"

Essa espécie de empoderamento pessoal vem para Evelyn num dos períodos mais necessários. Se o preconceito faz parte, muitas vezes, do cotidiano de um imigrante, a gravidade é ainda maior numa sociedade que tem a segregação racial como uma de suas características. Durante a cobertura das eleições americanas, a repórter foi alvo de ataques racistas e xenófobos quando estava encerrando uma transmissão ao vivo. "Os EUA são um país com muitos problemas. É fácil endeusá-los quando não se vive aqui", comenta.

O recomeço

O convite para ser correspondente nos EUA foi uma surpresa, e pegou a jornalista num momento de certa desilusão com a profissão e de frustração no âmbito pessoal. Isso porque o casal vinha enfrentando dificuldades para engravidar, com vãs tentativas de fertilização. "A gente estava no fundo do poço sentimental", conta. Para Evelyn e Victor, que se conheceram durante uma pauta, quando ambos atuavam no Rio de Janeiro, família grande e casa cheia é um sonho. O desejo, por enquanto, foi postergado, mas não cancelado: com o tempo, a ideia de gerar um filho no coração e não no ventre vem se fortalecendo.

Após seis anos de um processo descrito como "torturante", a repórter decidiu levantar a bandeira da naturalização da infertilidade. "Acho que é importante a gente normalizar situações que não foram normalizadas ao longo dos anos, porque a gente vive numa sociedade muito machista e opressora, com muitos tabus", diz ela, que tornou público o "problema" para auxiliar outras mulheres. As adversidades acabaram por unir ainda mais o casal. Quando a companheira recebeu a proposta para atuar no Exterior, Victor deixou o trabalho para acompanhá-la. Hoje, os dois compartilham agruras, dilemas e conquistas da vida pessoal e profissional, isso porque Victor passou a fazer dupla com a repórter também como cinegrafista.

Juntos, realizaram, neste ano, a cobertura mais importante de suas vidas: a eleição presidencial americana. O casal, que hoje vive na Flórida, percorreu quilômetros para cobrir debates e passou noites em claro para entregar o melhor conteúdo sobre o pleito histórico para o público brasileiro. "A gente viveu intensamente aquela semana. Estar em Washington, em frente à Casa Branca, no momento da divulgação do resultado, quando todo mundo se reuniu, foi uma celebração muito bonita e muito importante. Foi muito emocionante fazer parte daquele momento não só como repórter, mas também como pessoa", recorda-se.

Em sua "casinha amarela", o casal diverte-se jogando sinuca, assistindo a séries ou documentários. Leitora voraz, Evelyn devora, em média, dois livros por mês no seu Kindle. Ela também gosta de cozinhar, de praticar yoga e de cuidar das plantas, e a saudade da família é amenizada por meio de videochamadas. A jornalista brinca que a sobrinha Giovana, de dois anos, a quem ela ainda não conheceu pessoalmente, acha que a tia mora numa tela, a do celular ou da TV. Sobre o futuro, Evelyn diz não mais fazer planos, pois quando os tinha a vida deu uma reviravolta. Por enquanto, sabe que ainda tem muito a aprender como correspondente e cidadã nos EUA, carregando a certeza de que se conseguiu lá fará o mesmo em qualquer lugar...

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