Airton Ortiz: Explorador de palavras

Travessias, escaladas e epopéias: o jornalsita e escritor transformou aventuras vividas pelo mundo em histórias que incentivam leitores a viver intensamente

Movido por uma intensa curiosidade intelectual, Airton Ortiz descobriu, aos 40 anos de idade, que nunca é tarde para recomeçar e  aproveitar a vida fazendo aquilo que gosta. Hoje, aos 53 anos, não se arrepende de ter trocado uma vida de empresário para fazer as duas coisas que mais lhe agradam: viajar e escrever.  Ele optou por correr riscos ao redor do mundo e, em troca, ganhou experiência de vida, contemplou as mais belas paisagens, conheceu diferentes culturas e escalou as mais altas montanhas. Explorando palavras, transformou suas aventuras em histórias que incentivam leitores a viver a vida intensamente.   


Vindo de uma família humilde, foi com muita garra e determinação que conseguiu realizar seus sonhos. Ortiz é casado há 21 anos com a professora Ana Paula e, com ela, tem três filhas: Gabriela, 15, Carolina, 7, e Giovana, 5. O primogênito Pablo, 25, é fruto do seu primeiro casamento. O escritor nasceu no dia 27 de novembro de 1954, na Vila Ferroviária de Bexiga, interior do município de Rio Pardo. Com seis anos de idade, mudou-se com os pais para o interior do município de Candelária e, ainda criança, com 10 anos, começou a trilhar o caminho da independência. Saiu da casa dos pais para morar com a madrinha e estudar em Cachoeira do Sul. "Foi um fato marcante na minha vida, pois com 10 anos eu calçaria um sapato pela primeira vez", relembra emocionado.


Muito influenciado pelo rádio, aos 14 anos decidiu que seria jornalista. "No interior, onde eu morava, o rádio era um veículo muito forte. Minha família não tinha jornal e nem televisão para se informar e eu me criei ouvindo a Guaíba, a emissora das grandes reportagens." Aos 16 anos, começou a trabalhar na Rádio Cachoeira, no Plantão Esportivo, e permaneceu na equipe durante cinco anos, quando veio para Porto Alegre com o objetivo de concretizar um dos grandes sonhos de sua vida: cursar Jornalismo. Ele, que sempre estudou em escolas públicas, passou no vestibular sem ter preparação. "Isso prova que o problema não é a escola ser pública ou não. O problema é a escola ser boa ou ruim", diz. Mas a vontade de seguir uma carreira e de tornar-se "um alguém" na vida não bastava, era preciso dinheiro para pagar os estudos. Para bancar a faculdade, prestou concurso público e foi assim, com o próprio suor, que honrou as mensalidades durante os cinco anos de curso.


Espírito empreendedor


Ao concluir o curso de Jornalismo, em 1981, convidou alguns colegas para criar um jornal diferenciado. Desta idéia surgiu o Jornal Tchê apresentando ao público um conteúdo regionalista, mas com uma abordagem inovadora. "Foi um divisor de águas na imprensa do Rio Grande do Sul. Éramos o elo entre o regionalismo e a juventude urbana, falávamos sobre a cultura gaúcha sem preconceitos, mas também sem ufanismo, porque nós gaúchos gostamos tanto do nosso estado que dificilmente conseguimos ter uma visão crítica do que acontece aqui. Somos ufanistas demais e tudo o que falamos sobre o Rio Grande do Sul é exageradamente exagerado. O Tchê tinha uma visão e uma postura crítica e ao mesmo tempo não era preconceituoso."


Com uma linguagem descontraída e moderna, o jornal, que tinha uma tiragem de 40 mil exemplares, era composto por muitas charges, cartoons e possuía um texto irônico. "Não era um jornal para agradar a velha guarda, era um jornal para agradar a juventude envolvida com a nossa cultura. O jornal Tchê, o rodeio de Vacaria, o Festival de Cinema de Gramado e a Feira do Livro de Porto Alegre contribuíram para que o termo "gaúcho" deixasse de ser pejorativo e passasse a ser motivo de orgulho", afirma. Junto com a publicação, Ortiz mantinha a Livraria Tchê, na Salgado Filho, que era um ponto de encontro de intelectuais identificados com o jornalismo. Nomes como Santiago, Fraga, Jaca, Bier e Iotti integravam a equipe do jornal, desativado há 30 anos, segundo Airton, quando a linguagem deixou de ser revolucionária. Porém, mesmo após o fechamento do jornal, o espírito empreendedor do jornalista se manteve e, em 1982, criou a Editora Tchê, especializada em cultura gaúcha. "A partir da editora, autor gaúcho deixou de ser sinônimo de grosso e passou a ser reconhecido nacionalmente." Nos seus 15 anos de existência, a editora publicou cerca de mil títulos e comercializou três milhões de exemplares.


Idéias na cabeça, mochila nas costas


Em 1994, ele participou de uma conferência sobre o livro do futuro, na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, e ao expressar sua opinião sobre o assunto despertou interesse do reitor da Universidade de Guadalajara, que o convidou para integrar o quadro de congressistas de um evento do gênero que aconteceria no México. Sempre dedicado, para participar do encontro, estudava espanhol cinco horas por dia. "O congresso tinha mil editores de 55 países e eu fui o único cara que chegou lá e falou espanhol, então, ganhei na hora a platéia. Sempre encarei as coisas com profissionalismo e, desta forma, aprendi a falar oito idiomas", conta. 


A viagem de volta de Guadalajara mudaria sua vida. No caminho, no dia e na hora que completava 40 anos, estava numa estrada no meio do deserto, e percebeu que havia chegado ao cume de sua própria montanha, ou seja, atingido o máximo que poderia atingir na área editorial. A partir deste momento, decidiu que estava na hora de mudar e correr atrás de outro desafio, algo que o estimulasse mais do que publicar livros. "Descobri que só tinha duas coisas que eu gostaria de fazer: escrever livros e viajar. Então voltei a Porto Alegre, fechei a editora, indenizei os funcionários e parti para uma nova etapa."


Ortiz acredita que por ter passado a infância em uma fazenda, o contato com a natureza ajudou a estimular um certo gosto por aventuras. O trabalho que desenvolve hoje é resultado da união das suas duas atividades favoritas. Ele, literalmente, conseguiu unir o útil ao agradável. "Bolei uma coleção de livros de viagens radicais, coloquei uma mochila nas costas e fui para a África escalar o Monte Kilimanjaro." Se a viagem rendesse boas histórias, ele escreveria um livro - e foi exatamente isso que aconteceu. O aventureiro desceu em Joanesburgo, no Sul da África, e, logo nos primeiros dias, teve seus contratempos. O fato de ter sido assaltado e espancado por um grupo de jovens, de ter sido preso e se envolvido com traficantes, não fez com que ele desistisse e desanimasse durante a expedição. A vontade de chegar ao cume da mais alta montanha do continente africano era maior, e o jornalista assegura que se tornou o primeiro gaúcho a atingir o topo do Monte Kilimanjaro.


Ao retornar ao Brasil, três meses mais tarde, o ex-executivo conclui que possuía um "case" e tinha que passar a idéia para o papel. Ele apresentou o projeto para quatro editoras e acabou fechando contrato com a Editora Record, do Rio de Janeiro, que fez a melhor oferta: um contrato de 10 anos para publicar uma coleção de livros intitulada "Viagens Radicais". Desde então, com o patrocínio da Cia Zaffari, Airton faz uma viagem por ano e a transcreve para um livro. Sua primeira publicação, "Aventura no topo da África", foi lançada em 1999.


O escritor define sua atividade como algo diferente de tudo o que já se fez em termos de jornalismo. "O tipo de livro que eu escrevo é completamente inovador. Hoje meus livros são adotados nos cursos de pós-graduação em diversas universidades brasileiras como jornalismo literário. Realizo um jornalismo investigativo, na hora de buscar a informação, e literário, na hora de formatar, com o detalhe que o torna diferente: o repórter é ao mesmo tempo o personagem principal da história. Ao invés de eu entrevistar um cara que escalou a montanha para ele me contar a sensação que teve e eu, depois, passar isso para o meu leitor, eu prefiro ir lá e escalar a mesma montanha para passar esta sensação para o meu público. Recebo e-mails de leitores dizendo: "cheguei ao cume do Kilimanjaro contigo. Faz uma semana e ainda sinto dores nas pernas". Ou seja, realmente eu consegui passar para o leitor o que é escalar a montanha".


Em 2000 e 2001 lançou, respectivamente, seus livros "Na Estrada do Everest", sobre suas escaladas na cordilheira do Himalaia, no Nepal, e "Pelos caminhos do Tibete", onde percorreu, de jipe, todo o platô tibetano, viajando de Lhasa a Katmandu através do Himalaia. Já em 2002 escreveu "Cruzando a Última Fronteira", uma travessia do Alasca, do sul até o Oceano Ártico e, em 2003, "Expresso para a Índia" relata uma experiência na terra dos deuses hindus. A "Travessia da Amazônia", de 2004, fala de uma viagem do Pacífico ao Atlântico pelos rios amazônicos. No ano seguinte, o "Egito dos faraós" narra a jornada do autor através do deserto do Saara, em lombo de camelo, e a descida do rio Nilo, numa jangada.


Já pra escrever "Na trilha da Humanidade", de 2006, Ortiz refez o caminho percorrido pelos humanos pré-históricos que povoaram o Brasil partindo da África, cruzando a Ásia, entrando nas Américas pelo Alasca e descendo até o Rio Grande do Sul, uma volta ao mundo completa, onde percorreu 45 mil quilômetros, visitando 12 países. A publicação também originou uma série com 12 reportagens, 24 páginas, publicada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. O ano de 2007 foi marcado pelo lançamento de ?Em busca do Mundo Maia. Para 2008, os planos estão voltados para uma publicação sobre o Vietnã pós-guerra.


Gaúcho do interior


Airton diz que a infância que teve foi privilegiada, pois cresceu numa fazenda rodeado de muito verde. A mãe cuidava de um pequeno armazém e o pai, da criação de animais, como gado, porcos e galinhas. "Eu andava de tamanco no inverno rigoroso e tinha que pegar o cavalo para ir à escola. Também gostava muito de acompanhar o pessoal que lavrava as terras de manhã cedo, porque à medida que o arado mexia a terra, deixava à mostra minhocas que atraíam vários pássaros e eu ia junto para montar "arapucas" e capturar os pássaros. Mas o mais interessante é que eu os soltava, depois. O tipo de infância que eu tive não tem preço. Se fosse para eu me definir em duas palavras, diria que sou um gaúcho do interior e é exatamente isso que eu acho que sou, um gaúcho do interior", revela.


A decisão tomada há 13 anos de tornar-se um aventureiro gerou um saldo de nove livros publicados, 80 países visitados e um acervo composto por mais de 100 mil fotos, a maioria de natureza selvagem. Em 2007, ministrou 48 palestras motivacionais e sobre administração de risco. Também colabora com jornais como Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, revistas de viagens da Editora Abril, com um estilo que lhe é característico: escrevendo sempre na primeira pessoa. Edita ainda o site 360 Graus, que tem dois milhões de acesso por mês. Já fez documentários para TV e, desde março, participa do programa Galpão do Nativismo, na Rádio Gaúcha, apresentado pelo Dorotéo Fagundes, onde faz comentários sobre assuntos regionalistas.


Airton cita a diversidade como a coisa mais importante que encontrou nos cerca de 80 países que já percorreu. Nepal (pela geografia), Tanzânia (pela beleza selvagem) e Índia (pela cultura) são os lugares mais belos que o escritor diz ter conhecido e que, também, indica para viagens. "Tenho uma base cultural regional sólida e sei bem quem sou. Conheço meus princípios, crenças, fantasias, ideologias e filosofias. Sou um gaúcho bem gaúcho e isso me permite entrar em contato com culturas bem diferentes e não ser sufocado por elas ou enxergá-las de uma forma preconceituosa. A minha infância no interior do Rio Grande do Sul foi a primeira universidade que freqüentei. Lá aprendi os principais conceitos que me norteiam até hoje." Ortiz gosta de citar exemplos a partir de lições de vida que suas aventuras lhe proporcionaram. "Já me perguntaram se é difícil escalar uma montanha, mas o difícil mesmo é chegar à conclusão de que escalar aquela montanha é importante pra ti. Tem que ter CHA: Conhecimento, Habilidade e Atitude, ou seja, tem que se conhecer em primeiro lugar, tem que possuir habilidades e, o mais importante, é necessário atitude para colocar tudo isso em prática. Sem atitude somos simples mortais e não iremos a lugar nenhum."

Imagem

Comentários