Fábio Canatta: Vocação para ensinar
Professor de Jornalismo da Famecos, aos 44 anos, ele não se imagina em nenhuma outra profissão
Não passar no vestibular pode ser sinônimo de sorte? Para Fábio Canatta, sim. Se em sua primeira tentativa não tivesse tido dificuldades em solucionar as questões de exatas da prova, talvez concluísse o curso de Medicina Veterinária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e estivesse cuidando de animais. No entanto, a ausência do nome no tão aguardado listão deu a ele a oportunidade de racionalizar a decisão, fazer orientação vocacional, oferecida pelo seu cursinho, e descobrir que a aptidão para escrita o levaria ao Jornalismo.
Ao iniciar a graduação na atual Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a Famecos, jamais imaginava que um dia estaria lecionando no mesmo curso e contribuindo para a formação de tantos colegas de profissão. Ver seus professores, doutores em Comunicação, parecia algo inatingível, isso porque, vindo de uma família de classe média baixa, foi o primeiro a colar grau em uma universidade e, posteriormente, surpreendendo as expectativas daquele jovem que iniciava o Ensino Superior, seria o pioneiro também a se tornar mestre e doutor.
Canatta considera que tem dificuldades em planejar o futuro, acredita que o presente é resultado de escolhas que foi obrigado a tomar em diferentes momentos da vida a partir de chances que foram se desenhando em sua frente. "Eu nunca sonhei em ser professor. Em algum momento, almejei ser jornalista. No entanto, a vida acadêmica se colocou como possibilidade para mim, me seduziu, me apaixonou e fez com que eu tomasse algumas decisões para trilhar esse caminho", reflete.
Trajetória essa que segue há 14 anos. Nesse período, ininterruptamente, esteve à frente da disciplina de Telejornalismo, mas hoje em dia também leciona Jornalismo Audiovisual e Princípios do Jornalismo, além de estar no quadro de professores do curso de especialização em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global. Também orienta,há 12 anos, os alunos na produção de reportagens, podcasts, textos, etc, no laboratório dedicado à prática jornalística na instituição de ensino, o Lab J. Além das turmas da manhã e da noite na Famecos, durante dois anos e meio, foi docente substituto na Fabico, da Ufrgs, missão encerrada no último semestre.
Incentivo na infância
Claudete Canatta de Souza deu à luz prematuramente, aos sete meses, ao seu único filho, no Hospital Fêmina em um domingo de inverno, no dia 5 de agosto de 1979. Nascido e criado em Porto Alegre, Canatta foi muito desejado pelos pais, que tiveram outras duas gestações interrompidas. Claudete com Ensino Médio completo e Cláudio Bandeira de Souza com o Ensino Fundamental completo, repetidas vezes destacavam a importância dos estudos. "Esse era o mantra lá em casa, talvez por eles não terem tido a mesma oportunidade", relembra. De uma família grande, com seis tios pelo lado materno e quatro pelo paterno, não teve ninguém que tivesse seguido os mesmos passos escolhidos por ele, mas o seu pioneirismo expandiu os horizontes familiares para a academia.
Além das lembranças rotineiras de carinho e incentivo, a vivência no estádio torcendo pelo Grêmio na companhia de seu pai, segue viva em seus pensamentos. Não recorda ao certo da primeira vez em que foi assistir a uma partida no local, mas sabe que, quando criança, eram esses os momentos que abriam espaço para que a emoção tomasse conta a cada gol ou vitória do tricolor com abraços e beijos entre os dois nas comemorações. "Meu pai teve uma criação diferente, em que o homem ocupava outro espaço na família do que o que eu ocupo hoje. Então, as lembranças do passado de carinho estão muito ligadas ao futebol. E acredito que isso ajudou a moldar a paixão que tenho pelo esporte", comenta.
Sentimento este que o fazia frequentar o Olímpico e que hoje o leva à Arena, com chuva, sol, frio ou calor, e que já o fez viajar para o interior do Estado e também Uruguai. O amor pelo clube não está apenas representado pela coleção de mais de 20 camisas oficiais - o que poderia ser o dobro se parte do seu acervo não tivesse sido roubado. Esse sentimento foi passado também para seus filhos - Ernesto, de oito anos, e Cecília, de cinco. Ambos já o acompanham em alguns jogos. Enquanto Ceci ainda não compreende o ambiente na sua totalidade, mas se diverte com o passeio e com a pipoca, Ernesto adora, sabe o nome dos jogadores e gosta de acompanhar as notícias do time pelo rádio. "Eles puderam escolher quase tudo, mas o time não", brinca.
De veículo à academia
Por óbvio, a paixão pelo futebol poderia tê-lo levado ao Jornalismo Esportivo, ou aos campos, caso tivesse aceitado participar, aos 15 anos, de um teste no Internacional, rival do clube do coração. No entanto, além da sala de aula, a pesquisa com a temática Direitos Humanos o atrai fortemente. Foi a responsável pela retomada à reportagem e pela conquista, em 2023, pela quarta vez, do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.
A matéria "Policiais confessam crimes impunemente em podcasts e videocasts", produzida para a Ponte Jornalismo, levou a segunda colocação e serviu como base para uma recomendação da Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro e da Defensoria Pública da União sobre as normas de uso de redes sociais e aplicativos por Policiais Militares do Estado.
O reconhecimento e a provocação de debate ocasionada pelo material reacendeu ainda mais a vontade de Canatta em conciliar a rotina de professor universitário com projetos especiais. Para esse momento de vida, tem como inspiração a colega Fabiana Moraes, professora da Universidade Federal de Pernambuco e autora do livro 'A pauta é uma arma de combate'. "Ela segue produzindo reportagens incríveis, sendo uma professora, pesquisadora, tem séries transformadas em livros e reportagens premiadas. Consegue estar em todos esses campos, com qualidade, produzindo conhecimento, conteúdo, jornalismo de alta qualidade, além de gerar reflexão", explica ele, que acredita que suas referências mudam conforme sua fase, mas que tem ao redor muitos profissionais nos quais admira.
E não é à toa a retomada à reportagem. Afinal, escolheu o Jornalismo pelo gosto pela escrita e passou por diversos veículos antes de estar à frente de uma sala de aula. Ainda enquanto estagiário, realizou o desejo de trabalhar na mídia impressa, no jornal do bairro Menino Deus e depois integrou a equipe da sucursal de Porto Alegre da Folha do Sul, de Caxias do Sul. Atuou ainda como repórter, produtor, editor, chefe de Reportagem e coordenador de Jornalismo, experienciando o dia a dia da imprensa em empresas como rádio e TV Bandeirantes, onde pôde exercer a função de editor do Jornal da Band, em São Paulo, e no portal Terra.
A ligação com a Famecos não é do momento atual. Canatta reconhece a importância da instituição também em suas conexões. Ingressou na Band à convite de Ligia Tricot, que foi sua professora na graduação. Quando estava na emissora como coordenador de Jornalismo que, em uma conversa despretensiosa com sua ex-professora Cristiane Finger, que exercia a mesma função no SBT RS, comentou o quanto se sentia bem quando voltava à universidade para conversar com os alunos como convidado.
Algum tempo depois, Cris, como a chama carinhosamente, recordou-se da conversa e o convidou para participar de uma seleção na Famecos, o que o levou a formar uma dupla com sua mestre na disciplina de telejornalismo. Lembra-se do primeiro dia de aula, em que ela, então coordenadora do curso de Jornalismo, precisou resolver algumas questões antes de ingressar na aula: "Foram os 15 minutos mais desesperadores da minha vida. Eu não sabia direito o que, nem como fazer".
Passados 14 anos, ele garante que a cada início de semestre bate um nervosismo. "Tem algo bonito, mas ao mesmo tempo inquietante: tudo se inicia e termina em seis meses". Para ele, cada turma é diferente e isso significa que nenhuma aula está totalmente pronta de um período para o outro. Gosta de levar em consideração as discussões e reações do grupo durante os encontros. Como resultado dessa dedicação, foi escolhido duas vezes como paraninfo e como professor homenageado foram diversas, o que o fez perder as contas.
Afeto em forma de tempero
O interesse e os desafios da docência são divididos em casa. Afinal, a companheira, Scheili Vargas, também é professora. No entanto, ela atua como alfabetizadora nas séries iniciais. Juntos há mais de 25 anos, eles se conheceram por amigos em comum e, por frequentarem os mesmos lugares, a relação foi crescendo e se solidificando aos poucos até os dias atuais. A família é completa ainda pela cachorrinha schnauzer Uni, de 14 anos.
Em casa, ele procura participar da rotina dos filhos nas tardes de folga, buscando-os na escola, brincando, andando de skate ou jogando futebol. Mas é também cozinhando que se dedica a agradar aos que mais ama. "Vejo a cozinha como uma forma de carinho e, por isso, adoro preparar pratos que eles gostem", conta.
Ler, ver filmes e viajar em família estão entre seus outros prazeres, principalmente se o destino for em meio à natureza, com trilhas, cachoeiras e um misto de diversão e aventura. Fã de Fito Páez, Canatta gosta de Rock, especialmente os argentinos. E apesar de já ter ido nos últimos seis shows feitos por ele no Rio Grande do Sul, ainda almeja ir a um em Buenos Aires ou em Rosário, cidade do músico.
Já profissionalmente, um desejo ainda não realizado e que lhe desperta interesse é o de ministrar aulas na Pós-Graduação, para os alunos de mestrado e doutorado. Apesar de não especular sobre a carreira no futuro, garante que não se imagina em nenhuma outra profissão. "Sou muito feliz em fazer o que eu faço. Tem uma pulsão de vida nesse lugar que é muito legal porque acredito que o tempo passa diferente quando estamos em contato com jovens. Agora, o que eu espero do futuro é estar onde eu estou, talvez envolvido em outros projetos, mantendo outro braço no mercado para dar conta desse anseio de continuar sendo jornalista além de professor", enfatiza.