Fernando Picoral: Vida simples

Publicitário fala da carreira construída na Escala e do apreço pelas coisas simples da vida

Fernando Picoral - Reprodução

A extinta MPM Propaganda deu vida a muitas agências de publicidade no Rio Grande do Sul. Não foi diferente com a Escala Comunicação e Marketing, onde Fernando Picoral construiu sua carreira. Na sede da agência, o sócio-diretor fala de suas experiências profissionais e pessoais, e admite: "Estou numa fase da vida em que busco fazer as coisas de forma mais 'zen'".

Mais uma prova de que sua vida girou dentro da Escala, onde está há 33 anos, é Dóris, dona da produtora de áudio Maria Viola. Picoral e Dóris, casados há 24 anos, se conheceram dentro da agência. Da união, nasceu o filho Fernando, hoje com oito anos, e com quem o publicitário diz estar vivendo uma fase intensa e incrível de ser acompanhada. Nando, como é chamado pela família, é o companheiro dos pais em diversas viagens, lazer que está na lista de preferências do casal. "Sempre programamos uma nova viagem que remeta alguma cultura a ele. O Nando é muito curioso, muito ligado", paparica.

A convivência com o rebento não traz a Picoral apenas crescimento familiar, segundo conta. "Quando se tem uma criança que depende de ti pra tudo, se começa a reaprender muitas coisas da vida", diz. Além disso, o publicitário de 51 anos revela que o aprendizado de respeitar a opinião alheia também veio com a chegada do pequeno. "Eu e a Dóris estamos numa fase de abrir mão dos nossos desejos para realizar os dele. Mas conseguimos curtir também." 

E se o assunto é família, Picoral faz questão de citar o carinho e a admiração que sente pelo avô, José Picoral, um dos primeiros diretores de filmes a rodar um longa-metragem no Estado. Dele, guarda muitas lembranças, inclusive o glamour com que o via, e a quem atribui o início do seu encantamento pela Comunicação. "Quando ele estava com mais ou menos 60 anos, era agenciador de publicidade. E ali surgiu a minha convivência com a profissão."

A caminho da Escala

"Meu contato com a Comunicação foi quase natural", é o que o publicitário diz ao começar a relembrar o início da carreira. Com a morte do avô, e um ano depois a do pai, Fernando Francisco, a avó, Ema Picoral, assumiu as atividades na empresa deixada por José. "Com 11 anos, fiquei no meio das mulheres (mãe, avó e irmãs), sem chão em função das perdas. Minha avó achava que eu precisava trabalhar, então comecei a acompanhá-la nas visitas a clientes." Então: a primeira atividade na publicidade foi ajudar Ema a comercializar o Anuário do Correio do Povo. Enquanto ela tentava vender, Picoral assumia a parte operacional.

Quando começou a estudar Comunicação (curso que não chegou a completar), era necessária a realização de um estágio curricular. Começou a atividade no Correio do Povo, mas como a empresa exigia dedicação em turno integral, acabou sendo indicado para estagiar na MPM, agência que atendia à Caldas Júnior. Seu primeiro setor foi a área de criação. Colegas diziam que ele não cresceria numa empresa tão grande e com tanta gente, e indicaram que ele procurasse a então pequena e recém criada Escala. "Me senti um bobo. Cada lugar que eu chegava me tocavam para outro."

Após um mês tentando ser recebido na agência indicada, conseguiu ser atendido pela responsável do setor de Relações Públicas. "Ela disse que estava com pena de mim e ofereceu que eu trabalhasse com ela até que conseguisse falar com o Antônio Marcos Paim - na época, dono da Escala." Quando finalmente conseguiu uma entrevista, começou a estagiar efetivamente na agência. Durante dois anos, passou por todas as áreas: RP, mídia, produção gráfica, estúdio fotográfico, RTVC e coordenação.

A dedicação ao trabalho foi sempre muito grande. A decisão de ter filho foi adiada diversas vezes. O casamento também foi prorrogado, em função do período em que a Escala pegou fogo, em 1986, e a sede teve de ser em outro local. Sobre essas experiências, o publicitário é objetivo: "Minha vida profissional se resume à Escala."

Vivendo a Propaganda

Ao contar que a todo momento tenta entender as pessoas, o que elas gostam e o que consomem, Picoral explica que isso é o que o auxilia na hora de criar. Apesar disso, ele também gosta de saber a opinião dos outros, pois afirma que ninguém pode se contentar com o próprio trabalho. Acredita que tem que haver comparações em equilíbrio com um pouco de narcisismo. O publicitário ainda afirma que no mundo da propaganda, muitas vezes, os profissionais se sentem deuses, com o pensamento 'eu faço, aconteço, crio, arrebento', e revela que já foi mais exigente, com ele e com os outros, mas aprendeu que não existe perfeição. "É preciso entender que as coisas podem ser feitas de maneiras diferentes, e respeitar isso."

Ele sabe que nem tudo são flores, em qualquer profissão, mas afirma ser apaixonado pela Publicidade. Cita que há coisas que lhe dão mais prazer, outras menos, mas não há nada na propaganda que não goste: "Eu vivo, respiro e curto a propaganda". E acrescenta que acredita que as vivências são as melhores escolas. "Ninguém pode ser um publicitário de gabinete, as coisas acontecem quando vivemos. É muito importante a troca de ambientes."

Para explicar melhor tudo o que pensa sobre Propaganda, ele faz uma comparação: "Essa área é como o surfista. Não adianta se jogar na onda nem antes, nem depois dela. Tem o momento certo para deslizar. Na Publicidade, também é assim. Ela não imprime novos comportamentos, as ações só dão certo quando entram num determinado momento cultural de determinada sociedade."

Pela simplicidade 

Crente de que talento é algo a ser desenvolvido, Picoral acredita em outras atribuições para o sucesso. "Tudo que é feito com dedicação, empenho e superação tende a ser, no mínimo, bastante competitivo." Assim, diz que o mundo da propaganda é uma eterna maratona, uma gincana que nunca termina. Objetivos? Sim. Mas nunca 100% alcançados, pois "sempre tem outro em paralelo".

Há quem diga que este é um negócio que não tem rotina, mas o publicitário discorda. Afirma que toda profissão deve ter uma, e o que diferencia o profissional é a maneira como isso é encarado "É como a velha história do pedreiro. Há pessoas que empilham tijolos, outras constroem castelos." Para explicar melhor, Picoral ainda cita um dentista: "Ele sempre tira cárie, limpa tártaro, arranca dente. Sempre em casos e bocas diferentes, mas as atividades são sempre as mesmas. Na propaganda, também é assim."

Ao contar que a revista Vida Simples tem sido leitura constante, revela que está numa fase em que busca atingir uma fase zen. "Descobri que comer um picolé pode ser tão gratificante e tão interessante quanto uma viagem a Tóquio." Tirar o prazer dos mínimos detalhes, simplificar a vida e conseguir enxergar os desafios como um momento prazeroso são as constantes buscas de Picoral. "A maneira como se vai buscar uma profissionalização é a grande jogada. É o que mais tenho aprendido nesta minha maturidade."

Errar para aprender

Capricorniano nato, ele conta que gosta de terra, de chão, de água e revela que, às vezes, precisa fugir da floresta urbana. "É uma forma de recarregar as baterias, de sair das cobranças, muitas vezes impostas por mim mesmo." No lado 'natureza', Picoral tem fases. Já teve fascínio por barco e pelo Guaíba. Depois disso, veio a paixão pelas praias. Sempre que podia, rumava para o Litoral. Hoje, divide a atenção entre a fazenda e a tranquilidade da Serra. E explica que, com essas distrações, consegue o equilíbrio. "Percebi que os ciclos da vida não dependem apenas de mim. Tem época de plantar, de crescer e de colher. Ninguém pode interferir neste plantio."

O filho da dona de casa Elza e irmão da Betina, da Janete e da Jaqueline se considera cabeça-dura e exagerado nas colocações, pois confia muito nas próprias verdades. Garante que não se importa de escutar críticas, pois elas surgem a todo instante. Já sobre o maior elogio recebido, é enfático: o reconhecimento de Publicitário do Ano, em 2000, pela Associação Rio-grandense de Propaganda (ARP).

Apesar da infância traumática, em função das perdas familiares, ele a considera muito intensa. E afirma que o maior ensinamento que traz é justamente sobre a intensidade com que se vive. "Tudo que é feito tem que ter entrega. Quando se comete um erro, as pessoas têm chance de consertar, quando não se erra, não há o que modificar. O gostoso da vida é errar e aprender."

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