Juarez Fonseca: Memória viva da MPB

Profundo conhecedor e crítico de música, o jornalista abriga em seu acervo um número infindável de discos de todas as épocas

A combinação de sons e de silêncios, em uma seqüência simultânea ou sucessiva, desde muito cedo inspirou a reflexão crítica de Juarez Fonseca. A música, uma das formas mais representativas de expressão, há muitos anos acalenta a vida do jornalista. Do clássico ao erudito, brasileira ou internacional, antiga, moderna ou contemporânea, ele é um profundo conhecedor. Já foi jurado de incontáveis festivais de música, produziu discos e shows. Mesmo estando formalmente aposentado, Juarez não deixou de fazer o que mais gosta. Há mais de dez anos, desde que deixou a redação de Zero Hora, ele é colunista de música no jornal ABC Domingo e nas revistas Sucesso, de São Paulo, e Aplauso.


Crítico de música, abriga em seu acervo pessoal um número infindável de discos de todas as épocas. Pelos seus cálculos, são aproximadamente nove mil discos de vinil, sem contar as coleções de que já se desfez para dar espaço a novos títulos. Os CDs chegam a quase oito mil unidades. O jornalista tem ainda 600 fitas cassete com entrevistas e demos e 500 livros sobre música. Coleções de revistas de música publicadas no Brasil desde os anos 70, dezenas de pastas com recortes de jornais e material fornecido pelas gravadoras, livros sobre arte e revistas em quadrinhos dos heróis clássicos, edições antigas, álbuns e publicações de humor completam o imenso patrimônio cultural.


Juarez Antônio Bittencourt Fonseca nasceu em 8 de setembro de 1946, em Canguçu. Ainda garoto, com apenas cinco anos, mudou-se com a família para Canoas e, logo em seguida, para o interior de Guaíba, onde viveu até os 18 anos, quando passou a morar com o avô na Capital. "Música é uma coisa que me "pegou" desde bem pequeno. Eu estava sempre "grudado" no rádio, tinha cadernos em que eu escrevia letras de música e revistas sobre cantores e artistas?", conta, lembrando que, quando criança, escutava rádio junto com a avó. O que mais chamava a atenção de Juarez eram os programas de música. Estes ele não perdia um, sequer. Já na adolescência, foi DJ das reuniões dançantes da Sociedade Tiro ao Alvo Recreio, no interior de Guaíba. Por isso, sempre que vinha à Capital, comprava um disco novo e levava para sempre ter novidades.


Predileções íntimas


"Eu gosto de tudo que é tipo de música, mas o que eu mais ouço é música popular brasileira, jazz e música instrumental. Os gaúchos, em geral, a música feita no Rio Grande do Sul tem uma atenção especial", revela Juarez. Ele tem maior parte dos discos que saíram, de todos os tempos, de música de bandas e grupos do Estado. "Volta e meia me dá uma recaída de rock e eu vou lá e pego os velhos discos de rock", conta. Neste gênero, o jornalista gosta muito do rock internacional dos anos 70, como Pink Floyd, Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Jimi Hendrix e Neil Young, entre outros.


A reunião com os amigos também está na agenda semanal do jornalista. Desde 1987, participa de um grupo formado por cerca de 15 pessoas que se reúne todas as quintas-feiras, no Copacabana, para uma boa conversa. Chamam-se de Os Confidentes, uma brincadeira feita pelo escritor Arnaldo Campos tendo em vista o fato de o líder do grupo, professor Joaquim Felizardo, ser um expert na Inconfidência Mineira.
Da roda participam também Luís Augusto Fischer, Voltaire Schilling, Sergius Gonzaga, Luis Osvaldo Leite, Enéas de Souza, Pilla Vares, Tau G
olin, Lauro Schirmer, Sérgio da Costa Franco, Flávio Azevedo e Claudio Moreno, entre outros. Na pauta, os mais diversos assuntos entre cultura e política, inclusive ironia, deboche e fofocas. "É uma mesa bem-humorada", define Juarez.


Para relaxar e manter a saúde em dia, Juarez vai à academia algumas vezes na semana. Entre as atividades de lazer, estão a culinária e viagens com a esposa Sônia, psicóloga e psicopedagoga, com quem é casado há 37 anos.  Todos os anos, juntos, eles realizam um belo passeio pelo Brasil ou exterior. A casa é cheia de "penduricalhos", que são lembranças trazidas pelo casal das viagens. Também vão de vez em quando, nos finais de semana, para um apartamento que têm em Capão Novo. Quem acompanha, muitas vezes, é a filha, Lis, de 33 anos, formada em Publicidade.


No início da década de 70, antes da chegada de Lis, Juarez e Sônia chegaram a morar na Europa. Na época das mudanças de comportamento da juventude e do movimento hippie, o casal resolveu largar tudo e viver uma temporada de 11 meses na Europa, dois dos quais na Suécia. Lá, ele encontrou muitos amigos e ficou trabalhando em um restaurante.


No caminho do jornalismo


"Eu sempre gostei de ler e escrever. Eu escrevia bem, e as redações que eu fazia no colégio eram destacadas pelos professores", conta Juarez. Um dos primeiros indícios de que o jovem apreciador de música iria se tornar um jornalista foi quando começou a publicar alguns de seus poemas no jornal do Colégio Estadual Júlio de Castilho, o Julinho. Na hora de escolher o curso para qual prestaria vestibular, Juarez fez duas opções: Jornalismo e Direito. Para Jornalismo, ele passou de primeira, enquanto em Direito foi reprovado. Ingressou na Ufrgs em 1967. Já no primeiro ano de faculdade, começou a fazer alguns trabalhos na área, colaborando com a diagramação do Jornal de Turismo do Rio Grande do Sul, produzido por uma colega de curso.


No mesmo ano, participando do centro acadêmico, conheceu uma estudante que estava trabalhando na fundação do jornal Cepegê - que depois passou a se chamar Exemplar - do Clube do Professor Gaúcho. Como se relacionava bem com os colegas, logo Juarez foi convidado a participar do projeto. "O progresso era visível a cada edição. E esta época foi de muita renovação no jornalismo brasileiro", contextualiza o jornalista. Ele lembra que, na época em que surgiu o Cepegê, nasceram publicações que fizeram História, como O Pasquim, Veja, revista Realidade. O jornal, que era mensal e chegou a ter tiragem de 50 mil exemplares, circulou até 1973.


Em meio a guerras de laranja


A primeira experiência profissional de Juarez foi em 1969, como repórter, durante três meses, em Zero Hora , onde um de seus principais trabalhos foi uma reportagem sobre o Projeto Rondon. Em seguida foi atuar na Folha da Tarde na área de economia. A vontade de escrever matérias mais relacionadas à área da cultura, em especial a música, tornou-se possível nesta época. Juarez começou a colaborar também com o caderno "Fim de semana", que circulava aos sábados. "Eu tive a possibilidade de fazer matérias mais elaboradas, desenvolver melhor a linguagem e usar mais a criatividade", conta, referindo-se ao surgimento, neste período, do jornalismo literário, e à liberdade que tinha para sugerir pautas. Ao mesmo tempo, fazia freelancer para a Editora Abril em Porto Alegre. Neste período, também foi colaborador de diversos jornais alternativos, entre eles os gaúchos Peleia, Risco e Tche!, e os cariocas Pasquim e Jornal da Música.


"Freqüentemente tinha um "quebra-pau" na Redação? e um dia aconteceu uma guerra de laranja. No outro dia, as paredes estavam marcadas da batida da laranja", conta ele, divertindo-se com o episódio e o fato de que foi demitido, sem nem ao menos ter participado da bagunça. "Era uma época de ditadura, mas o dia-a-dia não era tão concentrado, tão vigiado, tão "sério" como é hoje. Então a gente formava turmas, íamos pros bares de noite, juntávamos os amigos de todas as redações", relembra. Mas não demorou muito para o jornalista ser convidado a retornar para Zero Hora, como repórter de economia. Em três meses, aos 25 anos, foi promovido a editor de Geral.


Era 1972, quando a direção do jornal resolveu instituir o uso obrigatório do crachá. "Aí todo mundo se recusou, e formou-se um "pé de guerra" na Redação contra o uso do crachá. Era uma espécie de resistência", lembra sobre o episódio que considera emblemático na sua trajetória. Mais uma vez ocorreu um furdunço daqueles, típicos das redações da época. A maioria dos jornalistas acatou a determinação, mas alguns poucos resistiram e, por isso, foram demitidos. E, desta vez, Juarez estava, de fato, envolvido no movimento. Passados alguns meses, retornou, pela terceira vez, à Zero Hora. Mas desta vez foi para ficar por um bom tempo, até 1996.


Liberdade jornalística e musical


Neste período, criou o caderno "Guia", com serviços para o final de semana; foi editor de Variedades - caderno criado por Juarez e que depois se tornou o Segundo Caderno; editor de Cultura e crítico de Música, além de volta e meia atuar como repórter cultural, que era o que gostava mesmo de fazer. "Eu não gostava de ser chefe? porque o chefe, pelo bem ou pelo mal, em algum momento, ele tem que ter uma atitude mais enérgica ou limar pessoas que não são competentes. E eu queria ficar só na música, entrevistando artistas", reconhece. Juarez relata que, naquele momento, todo o envolvimento com a música estava começando em Porto Alegre.


"E eu ia a todos os shows? todos os artistas que vinham a Porto Alegre eu ia entrevistar." E foi assim que ele conheceu grande parte dos artistas internacionais e quase todos nacionais, na área da música. "Entre os grandes nomes da música brasileira, eu acho que só dois eu não consegui entrevistar, que são Vinicius de Morais e o João Gilberto. O resto, todos eu entrevistei?", conta orgulhoso. Entre os nomes consagrados que entrevistou, estão Elis Regina, Gilberto Gil e Tom Jobim, entre muitos outros. "Eu fazia o que eu queria. Eu inventava coisas e podia fazer. Eu tinha uma liberdade de crescimento que hoje eu considero impressionante. Porque tu cresce quando te permitem exercer as tuas liberdades", avalia o jornalista.


Entre 1997 e 2004, foi editor de Cultura do Jornal da Universidade, da Ufrgs. Entre os reconhecimentos recebidos pelo jornalista, os mais significativos são: o Troféu Amigo do Livro, concedido pela Câmara Rio-Grandense do Livro, em 1993; a Medalha Cidade de Porto Alegre, concedida pela Prefeitura Municipal, em 1994; o Troféu 30 Anos da Califórnia da Canção, concedido em 2001 a apenas 10 pessoas; e o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre.


Compilando informações


No currículo está também o livro "Ora Bolas", que escreveu sobre o humor do poeta Mario Quintana. Lançado em 1994, já está na quarta edição e é um de seis trabalhos mais conhecidos. Mas Juarez quer mais: está reunindo todo material publicado em mais de 30 anos. Depois de tantas entrevistas e reportagens sobre o circuito musical em Porto Alegre e também fora da Capital, ele planeja escrever pelo menos três livros: um sobre música no Rio Grande do Sul, outro com grandes entrevistas e um terceiro com as críticas de música assinadas pelo jornalista.


Outro projeto é a organização da discoteca, que atualmente encontra-se espalhada por todas as peças da casa devido ao grande número de títulos. "Eu mais ou menos ainda me encontro dentro dela, mas já quase não me encontro às vezes?", diverte-se. A biblioteca de livros sobre música também se inclui nesta arrumação.


Nos últimos tempos, muitas pessoas, na sua maioria estudantes de comunicação, vão até a casa de Juarez para conhecer e principalmente consultar seu acervo musical para pesquisa ou simplesmente pegar um disco mais raro emprestado para gravar. "Com o passar do tempo eu fui juntando coisas e, enfim, as pessoas têm um lugar onde estas coisas estão reunidas e é mais fácil vir aqui do que procurarem em outros lugares", considera.

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