Leila Endruweit: Construindo pontes

Natural de Ijuí, a ex-repórter e editora de ZH atua como jornalista na Deutsche Welle, em Bonn, na Alemanha

Talvez a humanidade se divida entre aqueles que erguem muros e aqueles que constroem pontes. Leila Martina Baratieri Endruweit faz parte do último grupo. Nascida em 18 de fevereiro de 1986, em Ijuí, a 'Capital Mundial das Etnias', a jornalista e relações-públicas, formada pela Unijuí, cedo aprendeu a conviver com diferentes culturas, conectando mundos e realidades distintas. As famílias de origem alemã e italiana, o catolicismo e o luteranismo, o interior e a capital? Tais contextos contribuíram para fertilizar o solo em que uma certa semente da diplomacia iria se desenvolver. Desde março de 2019, a conexão - por ora, definitiva - passou a ser entre Brasil e Alemanha: ex-repórter e editora do jornal Zero Hora, Leila, atualmente, mora em Bonn e é jornalista na Deutsche Welle (DW), emissora pública alemã, que produz conteúdo multimídia em mais de 30 idiomas. 

Filha do mecânico e comerciante de máquinas agrícolas Salo e da professora aposentada Teresinha, Leila trilha o caminho inverso do seu avô paterno Adolfo, que, aos 11 anos, deixou para trás o Velho Continente para recomeçar a vida no Brasil. É graças a ele que a jornalista possui, desde criança, a cidadania alemã. Por essa razão, aprender formalmente o alemão e desbravar as terras germânicas acabou sendo uma forma de buscar um vínculo com o "Opa", que ela não chegou a conhecer, mas cuja influência e, de certa forma, presença persiste até hoje. No passaporte, nos traços familiares, nas ruas em que transita e nas cidades em que conhece... É onde ela (re)conhece e (re)encontra o Opa Adolfo. 

Leila é daquelas pessoas apaixonadas: pela família, pelos avós, pela cidade em que nasceu, pela cidade em que vive e, claro, pela cultura alemã. Tanto que, em 2020, ela e a irmã Iara, pós-doutora em Estatística, tiveram um projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura para contar a história do Centro Cultural 25 de Julho Ijuí, fundado em 1987 por descendentes de alemães para preservar as tradições dos seus antepassados. O documentário se chama Mein Zweites Zhause (Meu Segundo Lar). Hoje, mesmo com um oceano de distância, não perde a relação com a terra natal. Além de assinar uma coluna mensal na revista da cidade, a Stampa, está sempre disponível para dar entrevistas às rádios locais quando está no Brasil, bem como para conversar com estudantes de Jornalismo em universidades da região. 

O emprego dos sonhos

Há uma frase da escritora Lya Luft que diz: "A infância é o chão sobre o qual caminharemos o resto dos nossos dias". Foi justamente quando ainda era uma criança que Leila tomou uma das mais importantes decisões de sua vida. Por volta dos 11 anos, quando estava na 5ª série, ganhou um concurso de redação com a releitura de um clássico infantil. O prêmio era uma caixa de bombons, mas o conto 'Chapeuzinho Cor-de-rosa' acabou por lhe inspirar na escolha da profissão. "Senti-me o máximo e comecei a gostar cada vez mais de escrever", conta ela, que também viria a ser influenciada por uma professora de português que levava para a sala de aula matérias de jornais para serem analisadas. Foi nessa altura que Leila viu, pela primeira vez, seu nome impresso em um jornal, quando assinou um texto sobre lixo eleitoral. Na hora de prestar vestibular, na Unijuí, não teve nenhuma dúvida de qual caminho seguir. 

Com dedicação e persistência, vieram os primeiros estágios e bolsas. Já formada, com a cara e coragem que lhe são características, bateu à porta do Jornal da Manhã. Não havia vaga naquele momento, mas Leila se ofereceu para um teste, e o resultado é que, depois de um mês trabalhando de graça, foi contratada. Aos poucos, a jovem do interior foi aprendendo a sonhar mais alto. Leila conta que, ao folhear a ZH, sempre que via o mapa dos correspondentes, pensava que o colega de profissão baseado em Cruz Alta tinha o emprego dos sonhos, afinal morava na região e trabalhava para um grande veículo da capital. Não acreditou quando surgiu vaga para aquele posto, que, após seleção e prova em Porto Alegre, ocuparia por 14 meses. "Quando minha foto saiu no mapa dos correspondentes, meu tio mandou plastificar a página", lembra. 

No ano seguinte, em 2011, veio o desejo de atuar na capital gaúcha. Como a jornalista não deixa passar oportunidades, aproveitou que vários editores da ZH estariam em um evento de inauguração do ClicRBS em Santo Ângelo, para tentar convencê-los a darem uma chance de atuar em Porto Alegre. Eis que, dois meses depois, surge uma vaga na redação de ZH. A mudança também representou um passo a mais na relação com o então namorado (e hoje marido), o engenheiro de Software Mateus, que, na altura, já morava no local. O casal, que se conheceu em uma festa de Natal em Ijuí e estava acostumado com o namoro a distância, passou a morar e abraçar as aventuras juntos. 

Destino: Alemanha 

Com a faixa de embaixatriz, nas danças tradicionais no Centro Cultural 25 de Julho, nas histórias contadas por familiares e vizinhos, na viagem da personagem Heidi a Frankfurt: a Alemanha povoou o imaginário da criança e adolescente que foi Leila. Porém, o desejo de morar no país e fazer um intercâmbio só viria a florescer mais tarde, na versão adulta. "O Brasil vivia um bom momento, então, não pensava em morar fora. Fiz a minha carreira, casei, comprei carro e apartamento. Estava cumprindo todos aqueles itens da lista, sabe? Mas chegou um momento em que pensei: 'Tá, e agora'?" Foi quando passou a se dedicar ao estudo da língua e à pesquisa de bolsas. 

A primeira oportunidade surgiu em 2018, quando realizou um intercâmbio de quase três meses em Berlim, com estágio no jornal Die Welt, pelo Programa de Jornalistas Internacionais (Internationale Journalisten-Programme, IJP). No mesmo ano, regressou para fazer um estágio de dois meses no jornal Blickpunkt, desta vez em Nienburg, uma cidade com cerca de 40 mil habitantes. "Foram experiências bastante diferentes. Trabalhei em um dos maiores jornais da Alemanha, com uma redação gigantesca, e depois fui morar em uma cidade de 40 mil habitantes para trabalhar em um jornal local, que saía duas vezes por semana", lembra a jornalista, que, na ocasião, assinava uma coluna e acabou ficando famosa na cidade, com direito a flores e foto no impresso na hora da despedida. 

Todas as vezes que realizou os intercâmbios, Leila teve a parceria do marido, que pedia demissão dos empregos e, depois, conseguia recolocação. Em 2019, na terceira bolsa conquistada, uma conversa com o então editor-chefe da ZH, Nilson Vargas, ajudou a ajustar o leme. "Eu vinha pedindo licença da ZH, e ele disse que, mais uma vez, podia renovar, mas fez um questionamento: 'Não está na hora de cortar o cordão com o Brasil?' Foi uma conversa fundamental." Em abril de 2019, iniciou um estágio profissional de três meses na Deutsche Welle e, ao final, emendou outra bolsa, a Heinz-Kühn-Stiftung, um programa de qualificação para jovens jornalistas que se encerrava com um novo estágio na Deutsche Welle. Depois da onda de bolsas, com a paciência e persistência de sempre, acabou sendo contratada para trabalhar na emissora que conheceu ainda criança, quando assistia a programas da DW gravados em fita VHS por amigos do pai que moravam em Porto Alegre. 

Sobre origens e sucesso

Na cidade em que nasceu o célebre compositor Ludwig van Beethoven, uma das atividades preferidas da jornalista - que cresceu tendo Os Atuais e Musical JM como trilha das viagens à praia em família - é passear de bicicleta às margens do rio Reno. Receber amigos em casa, caprichar no cardápio e na decoração da mesa também estão nesta lista. Além disso, Leila adora apresentar a cidade para quem está de passagem pela antiga capital da Alemanha Ocidental. "Bonn é uma cidade espetacular. Durante a pandemia, pude explorar vários cantos menos conhecidos da cidade. Foi aqui que nasceu Beethoven, que estudou Karl Marx, Nietzsche", conta com o mesmo entusiasmo com que fala de Ijuí para os alemães. 

No fundo, a jovem que chegou a ocupar o posto de embaixatriz cultural da etnia alemã não mudou muito, talvez apenas o cenário e o hábito de tomar chimarrão, deixado de lado devido à dificuldade de encontrar erva-mate. A diversidade étnica, por outro lado, segue marcando as relações: em Bonn, os seus melhores amigos são de Benin, Indonésia e Turquia. E a escrita, além de estar presente na profissão, continua sendo um hobby: as descobertas sobre a vida na Alemanha são partilhadas em um blog, o Currywurst, criado durante o primeiro intercâmbio em Berlim e cujo nome faz referência a um prato de fast-food alemão. 

No dicionário alemão, Sehnsucht é a palavra que pode ser traduzida como saudade. O sentimento é uma constante na vida da jornalista quando se trata da família, especialmente dos pais, da irmã e dos três sobrinhos. Leila diz que, por enquanto, não tem a intenção de voltar a morar no Brasil. Os planos para o futuro continuam orientados para a Alemanha: "Quero viajar mais, melhorar o alemão, integrar-me mais à sociedade". No blog, pessoal ou profissionalmente, continuará fazendo a ponte entre os dois países, compartilhando experiências tanto lá como cá.

Tudo isso, é claro, sem se esquecer das origens. "Quando converso com estudantes de Jornalismo, sempre enalteço que trabalhar em jornal do interior é muito importante, talvez mais, porque afeta mais a vida das pessoas do que talvez trabalhando na Deutsche Welle. Se eu escrever uma notícia, tudo bem, posso até ter um alcance maior, muitas pessoas podem me ler, ver e ouvir. Mas se eu estiver trabalhando em Ijuí e fizer uma matéria sobre um buraco na rua, amanhã esse buraco vai estar fechado. Então, não dá pra medir o sucesso", completa. 

 

Comentários