Leonid Streliaev: O mundo visto por trás das lentes

Ele já fez de tudo, amargou tempos de dificuldades, mas hoje está realizado com o sucesso do trabalho

O menino Leonid tinha cerca de 11 anos de idade quando ganhou de seu pai um telescópio. A partir daí, soube que seu destino seria "olhar o mundo através de uma lente". Enganou-se apenas ao imaginar que se tornaria um astrônomo, pois a paixão por fotografia apareceria alguns anos depois com toda a força. Tinha 17 anos quando teve que optar por uma das atividades extracurriculares do Colégio de Aplicação, onde estudava. Escolheu a foto. Se encantou com as possibilidades oferecidas pelo trabalho com imagem e começou a brincar com a atividade. Acabou ganhando do pai um novo presente: uma câmera fotográfica. A máquina, de uma marca russa da qual Leonid Streliaev não lembra o nome, tinha mais recursos do que o jovem era capaz de compreender na época. Então, levou-a em uma visita a Santos Vidarte, chefe do departamento de fotografia do Correio do Povo. "Simplesmente fui lá, na carinha. Fui chegando, entrando no setor e ele me recebeu. Viu que eu era um guri, querendo brincar, e me atendeu", lembra. Foi Vidarte quem o ensinou a operar a câmera que havia ganho. Depois disso, Leonid teve certeza de que era isso o que queria fazer de sua vida e iniciou o curso de Jornalismo na Famecos (Faculdade dos Meios de Comunicação Social da PUCRS).


Paz e conflitos


Cursar a faculdade foi uma opção, pois até 1969 bastava estar trabalhando na imprensa para ser reconhecido como jornalista profissional. Nesse ano, Leonid conseguiu seu primeiro emprego, como fotógrafo da editoria de Geral, em Zero Hora. O convite partiu de Geraldo Canalli, que, além de ser chefe de redação do jornal, namorava a irmã de Leonid. Permaneceu lá por um ano e resolveu sair depois de ter sido escalado para cobrir Polícia, à noite. O fotógrafo é um cara da paz: "Desgostei muito porque eram só crimes e violência". Então, passou a atuar como free-lancer nas sucursais em Porto Alegre de O Globo, O Estado de S. Paulo e Veja.


Os trabalhos para a revista foram os que mais lhe renderam frutos, inclusive a contratação pela Editora Abril, onde atuou por seis anos, fotografando para Placar, Quatro Rodas, Realidade, Cláudia e Exame, além da Veja. A sucursal da editora na Capital realizava as coberturas jornalísticas da Região Sul, Argentina e Uruguai. Assim, Leonid teve a oportunidade de fazer diversas viagens. "Onde tinha uma revolução, no outro dia, já estava lá", brinca. Mino Carta, então chefe de Veja, admirava muito seu trabalho e passou a convidá-lo seguidamente para participar das grandes reportagens internacionais da publicação.


As coberturas que o fotógrafo destaca são as da morte de Juan Perón, eleições portuguesas, as viagens presidenciais de Geisel e Médici ao exterior e uma reportagem sobre petróleo, na Venezuela. Ele perdeu a conta de quantos conflitos foi fotografar no Uruguai e assegura que não tinha dificuldades em efetuar a tarefa: "Era um gurizão cabeludo, todo mundo gostava de mim. Certa vez, fui a Montevidéu a passeio e me hospedei no mesmo hotel onde costumava ficar. Quando os funcionários me viram já saíram perguntando que revolução estava havendo"!


Sem patrão


Leonid se cansou de ser empregado e resolveu iniciar "carreira solo". A decisão se deu porque as empresas exigiam uma dedicação tremenda, por salários muito baixos. Em 1978, foi convidado a fotografar para um projeto da Secretaria Estadual de Educação e Cultura, a exposição "Porto Alegre Caras e Coroas". O fotógrafo é entusiasmado com projetos culturais, uma das razões é que "ganhei o equivalente a um ano de trabalho com essa exposição" e outra, por considerar o jornalismo efêmero. "O trabalho jornalístico, documental, é legal, mas, depois de um tempo, a revista vai para o lixo", diz.


A publicidade foi outra fonte de trabalho, pois "apesar de ser ainda mais efêmera que o jornalismo, paga muito melhor". Leonid sempre teve um bom tino comercial, "afinal, também gosto de ganhar um dinheirinho". Nessa época, montou uma agência de fotografias e notícias com o jornalista Assis Hoffmann, a Focomtexto. Acabou não ficando mais de um ano lá, pois já estava decidido a deixar o jornalismo, que era a área da agência. Então, abriu um estúdio com Liane Neves, o Fotof, que durou até 1989 e onde fazia o que queria: fotos para publicidade e projetos culturais. É que apesar de gostar muito da área de cultura, Leonid reconhece que a publicidade é seu ganha-pão. São dele oito edições dos famosos relatórios temáticos da Samrig, os relatórios anuais da Gerdau, campanhas da Tim, entre outros trabalhos.


Encontros na sinaleira


Em1990, o fotógrafo, que é pedetista, se candidatou a deputado federal. Não se elegeu, mas o governador eleito, Alceu Collares, ofereceu-lhe um cargo público, graças a um fortuito encontro que tiveram em uma sinaleira. Leonid e o jornalista Vítor Vieira estavam desenvolvendo um projeto global para a cultura gaúcha, de disseminação dos projetos culturais para a comunidade, para apresentar ao novo governador durante a fase de transição. Foi logo depois de finalizar o projeto que se deu o encontro. O fotógrafo abriu a janela do carro e disse a Collares que estava com o tal projeto em mãos. O político sugeriu que estacionassem para conversar e olhou a papelada. No dia seguinte, chamou Leonid ao gabinete de transição, estava encantado com o projeto e o convidou para ser secretário da Cultura.


Alguns dias depois, porém, o presidente do partido, Leonel Brizola, solicitou que Mila Cauduro fosse nomeada para essa Secretaria. Então, o convite mudou, passou a ser para a presidência da TVE. Boa parte do projeto desenvolvido por Leonid e Vítor era dedicada à emissora, por isso, ele se alegrou igualmente com essa indicação. O fotógrafo lembra que encontrou a estatal "numa situação bem complicada", com os funcionários insatisfeitos, principalmente por causa dos salários. Foi preciso negociar com os sindicatos dos Radialistas e dos Jornalistas.


A negociação foi difícil, pois, explica ele, os dirigentes dessas entidades pertenciam ao PT, partido de oposição ao novo governo. Mas garante que teve êxito, já que os próprios funcionários escolheram representantes para o plano de cargos e salários, o que tornou o processo mais transparente. "No fim, acabei ficando amigo do (José Carlos) Torves e do (Edisson) Caverna", diz, se referindo aos presidentes dos sindicatos. Mesmo assim, deixou a TVE após um ano, cansado das brigas com o Partido dos Trabalhadores.


Reconquistando seu lugar ao sol


Depois de deixar a emissora, Leonid amargou dois anos sem trabalho. Nesse período, chegou a fazer alguns frilas, mas foi uma fase difícil, pois durante o período da TVE ficou afastado da fotografia. "Até conseguir me recolocar no mercado não foi fácil, já havia se espalhado a notícia de que eu tinha parado com essa atividade", conta. Ele lembra que nesse período não tinha dinheiro nem para pegar um ônibus! Mas, aos poucos, foi visitando agências, oferecendo seus trabalhos, mostrando que ainda estava na ativa, até que conseguiu se estabilizar.


Hoje, está com uma nova empresa, a LS Participações, que atua em diversas áreas: além de fotografia, editorial e até barcos pesqueiros, atividade que mantém numa praia catarinense.


No momento, está entusiasmado com os livros "O Rio Grande do Sul de Erico Verissimo" e "A Porto Alegre de Mario Quintana". O primeiro reúne fotografias de Erico feitas por Leonid, além de uma interpretação fotográfica sua da obra "O Tempo e o Vento" e textos de Chico Buarque, governador Germano Rigotto, Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, Maria da Glória Bordini e Armindo Trevisan. Já o outro, é de Liane, que era fotógrafa de Quintana e ilustrou seus poemas sobre a cidade. Este traz textos do prefeito eleito José Fogaça, Bruna Lombardi, Washington Olivetto, Lya Luft e Trevisan, que é o curador-geral dos dois livros. O layout é do publicitário e designer Hélio Nardi, amigo e companheiro de trabalho de Leonid. Cada uma dessas obras terá uma tiragem inicial de 16 mil exemplares, com lançamento em 16 de dezembro.


Os planos de Leonid são ainda mais grandiosos. Ele está estudando, junto com o secretário Estadual da Educação, José Fortunatti, uma logística para distribuir os livros para todos os alunos da rede de escolas públicas e privadas do Estado, o que representa algo em torno de 1 milhão e 500 mil exemplares. Porém, com uma edição mais simples, pois os primeiros livros serão uma versão de luxo, dedicada aos patrocinadores, que também deverão financiar a distribuição às escolas.


Um navegante


Aos 55 anos, Leonid não é casado - mas já foi, com a ex-sócia, Liane. A sociedade e o casamento duraram praticamente o mesmo tempo, mas os dois continuam amigos até hoje, tanto que são parceiros nesse novo projeto cultural. O fotógrafo vive para seu trabalho e diz não ter tempo para praticamente nenhum hobby.


Uma de suas diversões ele transformou em atividade profissional, que são os barcos. Tem uma pequena frota, na Praia do Rosa, Santa Catarina, para onde vai sempre que consegue umas férias. Por que barcos pesqueiros? "Loucura", responde. Leonid tem um bom terreno na região e resolveu ajudar a colônia de pescadores que vive ali. Ele também tem um barco em Porto Alegre e diz que, se sobra um tempo, este é dedicado a velejar. "Os passeios de barco são fundamentais para ajudar a relaxar", afirma. Como se precisasse? O fotógrafo é um cara alto-astral, dedicado à sua atividade, mas sem deixar de levar a vida numa boa.

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