Luciana Rosa: Colhendo sonhos

Correspondente internacional, a jornalista trocou recentemente Buenos Aires por Nova Iorque e já pensa no próximo destino

* Por Cleidi Pereira, correspondente de Coletiva.net em Lisboa, Portugal. A jornalista assina conteúdos para Perfil de profissionais gaúchos da Comunicação que estão espalhados pelo mundo.

Nas lavouras de arroz do Pampa do século 20, era comum que um mesmo terreno só voltasse a ser semeado com o grão após um período de três a quatro anos. Tendo que buscar novas paisagens a cada entressafra, muitas famílias se adaptaram à vida itinerante. Foi o caso do bisavô da jornalista Luciana Rosa, que, apesar de não ter conhecido o antepassado, carrega no DNA uma espécie de anseio cíclico por respirar novos ares e ampliar horizontes. Há mais de uma década morando no exterior, a correspondente internacional - que colabora com veículos como Estadão e Rede TV, entre outros - trocou recentemente a Argentina pelos Estados Unidos e já pensa no próximo destino. 

Nascida em São Gabriel em 17 de fevereiro de 1985, a vida nômade da profissional freelancer começou cedo. Com poucos meses, também morou em Vila Nova do Sul e Porto Alegre, onde ficou até os 5 anos. "Minha avó era a pessoa que impulsionava essas mudanças. Ela dizia: 'Eu gosto de me mudar, estou acostumada porque meu pai plantava arroz e a gente tinha que se mudar por causa das temporadas de colheita'", lembra. Hoje, são as safras de sonhos, semeados ainda na infância ou na idade adulta, que impulsionam as andanças de Luciana.

Criada pelos avós, que a acolheram quando tinha nove meses, ela recorda com carinho de Mário e Diva, ambos já falecidos. O avô, um homem do campo, e a avó, costureira, propiciaram, junto aos tios, uma infância plena de amor e atenção. Foi com Diva - nome, aliás, que carrega como tatuagem - que aprendeu valiosas lições sobre independência e conhecimento. "Ela dizia: 'Você tem que estudar, é a única herança que vamos deixar para você: a oportunidade de estudar, porque eu não a tive", conta a jornalista, reforçando que a avó nunca se alfabetizou.

A tal da paixão insaciável 

Da capital gaúcha, Luciana migrou aos 5 anos para a capital catarinense, que foi sua casa durante 14 anos, entre idas e vindas. Lá, porém, sentia-se como um peixe fora d'água. Afinal, a família possuía hábitos que destoavam dos da vizinhança, como o chimarrão, além do sotaque distinto. O reencontro com as raízes aconteceu em Santa Maria, quando voltou ao Rio Grande do Sul para cursar História e deu largada à sua "trajetória de solitude". 

Não foi por acaso, mas por estratégia que o Jornalismo ficou em segundo plano. Depois de uma tentativa frustrada de ser aprovada em uma universidade federal, ela, oriunda de escola pública, resolveu mudar a rota. Na faculdade de História, estava certa de que iria para a área de Antropologia ou Arqueologia. Voltou a tentar o Jornalismo por conselho de um ex-namorado, que queria trocar de curso. Sem pressa, pressão e grandes pretensões, veio a aprovação, e logo no primeiro laboratório de rádio, a certeza de que tinha nascido para fazer aquilo. 

Luciana sempre soube que queria ser jornalista, um desejo que já se manifestava nas brincadeiras de criança. Uma das principais influências talvez tenha vindo dos tios, que vendiam assinaturas de revista. O tio mais novo, Fernando, que era como um irmão mais velho para ela, passava a semana viajando e, na sexta-feira, voltava para casa carregando uma caixa de revistas semanais, além dos gibis. O Jornalismo, recorda ela, entrou pela porta da frente de sua casa e sempre esteve presente nas conversas da família. 

(Re)começo no exterior

Foi na faculdade, após um intercâmbio em Buenos Aires, que surgiu o interesse por ser correspondente internacional. Os seis meses vividos na capital argentina, em 2010, (re)orientaram os ponteiros de sua bússola interna. Regressou decidida a ir atrás desse novo sonho, que a permitiria viver as mais diversas experiências e contá-las ao público. Entretanto, mais uma vez, seria preciso dar algumas voltas e enfrentar curvas.

Recém-formada, agarrou a oportunidade de substituir uma repórter na sucursal da Rede TV em Santa Maria. Mas o lado nerd fez com que ela cogitasse a carreira acadêmica, que, numa daquelas ironias da vida, viria a esbarrar justamente na prova de inglês. "Fiz a prova de mestrado na Universidade de Brasília e passei em quase todas as etapas. O lado prático do jornalismo me distraiu, pois fui conhecer o canal universitário da UnB", relembra.

Foi preciso persistir e construir pontes. Voltou a enviar currículos e, diante de uma nova chance de viver no exterior, foi bater na porta do Terra para tentar falar pessoalmente com a editora. Em meados de 2011, fez as malas e partiu rumo a Buenos Aires, mas o primeiro trabalho para o portal, a cobertura de um show do Criolo, iria ocorrer somente no ano seguinte. Nesse intervalo, trabalhou com organização de eventos internacionais. 

Em 2013, viu a oportunidade de fazer sua primeira grande cobertura internacional: as eleições no Paraguai após a destituição do então presidente Fernando Lugo. A experiência compensou o cansaço da viagem de ônibus. Depois, vieram colaborações para veículos como UOL, Opera Mundi, TV Globo, Veja, Estadão, SporTV.

American dream

O ano era 2016 e Luciana programou passar suas férias nos Estados Unidos, justamente no período em que os norte-americanos iriam eleger o seu 45º presidente, em uma disputa entre Donald Trump e Hillary Clinton, em que havia a expectativa de que, pela primeira vez, uma mulher poderia ser alçada ao cargo máximo da política norte-americana. Ao voltar para Buenos Aires, a jornalista trouxe um novo sonho na bagagem: cobrir os EUA, o que a levou a tatuar a célebre frase de Martin Luther King: "I have a dream". 

O interesse pelo país não começava ali. Ainda na escola, lembra de questionar os professores por qual razão os EUA, apesar de também ter tido um passado colonial, era um país rico, diferente das demais nações latino-americanas. Com o passar do tempo, entraram para a lista de temas que a fascinavam assuntos como o sistema eleitoral e a Grande Depressão - este último, aliás, é o enredo do seu livro preferido, 'As vinhas da ira', do escritor estadunidense John Steinbeck.

A sensação de pisar nos EUA pela primeira vez segue viva na memória: "Quando cheguei no Brooklyn, naquela parte de Dumbo, onde você vê o perfil da cidade de Manhattan, lembro que pensei: 'Nossa, agora estou naquele lugar onde tudo está acontecendo'", diz. Quatro anos depois, em 2020, voltou a cobrir as eleições norte-americanas, dessa vez já com a intenção de reconhecer o terreno para lançar as sementes e, assim, radicar-se em solo norte-americano. Os planos, entretanto, acabaram sendo adiados pela pandemia, e a mudança só viria a ocorrer em agosto deste ano. 

Morando em Nova Iorque, a jornalista diz que se sente uma cidadã do mundo e, ao mesmo tempo, em casa, já que o bairro em que vive fica em uma região latina, onde se fala muito espanhol. Em uma década de expatriada, garante nunca ter pensado em voltar para o Brasil, apesar de alguns momentos de dúvida sobre a rota traçada. "Minha cabeça está sempre na próxima etapa", completa. 

Gastando a sola do sapato

"Jornalista tem que gastar a sola do sapato." A lição de um dos professores dos tempos de faculdade virou mantra para Luciana. A profissional procura estar sempre circulando e ter uma vida social rica para descobrir boas histórias. Por isso, sempre que possível, trabalha em bibliotecas ou cafés, frequenta exposições de Arte e festivais, caminha pela cidade. Em Nova Iorque, também participa de encontros semanais de um grupo feminista. 

Apesar de ter tido referências de mulheres fortes na família, foi durante a criação do movimento Ni Una a Menos, cobrindo o processo de descriminalização do aborto, na Argentina, que a jornalista se descobriu feminista. "É um aprendizado. Você vai entendendo por que precisa do feminismo, por que é importante ser feminista? e que não necessariamente precisa de uma receita, estar na rua militando, às vezes, é mudar o mindset", avalia. 

Antes de se mudar para os EUA, passou um mês de férias na Europa, onde cobriu os primeiros casos da varíola dos macacos, em Madrid, e a final da Champions League, em Paris. E a bússola parece já estar novamente calibrada, pronta para apontar para o Velho Continente. "Quem sabe, depois das eleições de 2024 nos EUA, eu não encaro uma Europa? É a continuação da dinâmica de plantador de arroz do meu bisavô."

Para Luciana, sonhos não possuem prazo de validade nem estoque limitado. "Sou uma mulher que não admite a possibilidade de não poder cumprir um sonho. Sou uma concretizadora de sonhos. Uma vez li uma frase que dizia: 'A minha voz é o meu superpoder'. Com a minha profissão, o que eu posso fazer é dar voz às pessoas, e talvez isso faça com que eu me sinta viva e seja daí que tiro a força para cumprir com os meus objetivos."

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