Marcos Losekann: Nunca foi sorte

Jornalista gaúcho, com 36 anos de carreira, acumula 13 anos como correspondente internacional e cobertura de cinco guerras

Jornalista gaúcho Marcos Losekann atualmente se encontra em Brasília - Crédito: Rede Globo

Há quem diga que tudo na vida é sorte. Marcos Losekann, não. Força divina, Deus, natureza ou cosmos - para ele, não importa o nome do crédito. O que lhe interessa é o cavalo branco, que volta e meia passa encilhado. Nas vezes que montou, foi maravilhoso. Porém, quando o avistou de longe e o deixou passar, caiu, mesmo sem cavalgar. Filho único do caminhoneiro Ary e da balconista de loteria esportiva Elaine, e provindo do interior do Rio Grande do Sul, em Independência, jamais imaginou o quão incrível e intensa seria a caminhada. O jornalista e repórter da TV Globo, com 36 anos de carreira, acumula 13 anos como correspondente no exterior e a cobertura de cinco guerras, além de ter o passaporte carimbado por 122 países - em um total de 193 existentes no mundo.

Ele tem orgulho de ser gaúcho, por ser uma região politizada e com Jornalismo forte, além da tradição de luta. Para o futuro, projeta levar as filhas, Helena e Mariana, ao local onde nasceu e se criou, na Esquina Budel, a 3 km de Independência. De lá, coleciona momentos memoráveis, quando não sabia o que era um chinelo ou sapato, porque vivia de pés descalços ou descia o cerro com carretos feitos de madeira. Também tomava banho nos lajeados e açudes e nadava no Rio Buricá. "Quero ver se ainda existe o pé de laranja, assim como o de caqui, além de descobrir se o balde com bolas de gude continua no mesmo lugar onde enterrei, há 45 anos", empolga-se. Nada de chimarrão, pilcha e vanerão, costumes que seguia quando morava no Estado. Hoje, a sua âncora com o Rio Grande é o time do coração: o Grêmio. Algo que herdou do pai e passou às filhas.

Perfil Losekann

Lá atrás, quando chegou a hora de decidir a profissão, jamais cogitou vivenciar tudo isso. Isto porque era, na verdade, estudante de Direito, em Cruz Alta. O que ele não sabia é que uma ida à pizzaria poderia trocar as ambições do, então, futuro advogado. "O Jornalismo desmaiou na minha frente", é assim que conta como o ofício surgiu. Ao socorrer uma pessoa que havia desmaiado bem na frente dele, que logo ficou bem, ganhou um amigo. O homem, "que desmaiou só para conhecer Losekann", como brinca, era Flávio Damiani - jornalista que trabalhava para a televisão local do Grupo RBS.

Quando tentou conseguir um emprego com o amigo, a vaga que surgiu foi no Jornalismo. O resultado? Tornou-se radialista e, mais tarde, foi atuar na TV, em Pelotas. "Na época, fiquei em dúvida. Não sabia se era sorte ou azar, então, durante um ano continuei no Direito." Foi de Maurício Sirotsky Sobrinho que recebeu o empurrão. Após entrevistá-lo, foi surpreendido por um abraço paternal e com o conselho de que deveria investir no Jornalismo, visto que ele o acompanhava e gostava muito do que via. Com o gesto, trocou de curso, também em Cruz Alta, onde, mais tarde, formou-se.

Na Capital, foi para a rádio Gaúcha, onde ganhou a cancha de fazer hard news. Durante um ano em que trabalhou na emissora, cobriu duas rebeliões em presídios: em Charqueadas e no Central. Também teve uma breve passagem pela afiliada da RBS TV em Caxias do Sul, e foi chamado para Santa Catarina, em Florianópolis, "devido ao seu perfil". Em questão de meses, por meio de reportagens de rede, colocou o Estado no mapa da telinha nacional. Não demorou muito para outro diretor notar seu talento. Mais uma vez, fez as malas e trocou as praias por um lago, o Paranoá. Na verdade, novamente, estavam em busca de "alguém com o perfil" dele.

Um dos momentos mais marcantes aconteceu nessa época, quando acharam um avião de garimpeiros abatido na selva. Eles caminharam três dias para provar que havia sido derrubado pela guarda nacional da Venezuela, e não caído do nada, como diziam os vizinhos estrangeiros. Com o depoimento de um garimpeiro, comprovaram a verdade: havia ali um crime. A história o projetou, ao somar-se à outra grande cobertura, o assassinato do ativista Chico Mendes. Com a ECO-92, encontro sobre meio ambiente, a Globo desejava um repórter na Amazônia. O que era para ser uma experiência de três meses virou anos. Desta vez, era São Paulo que precisava de alguém com as características dele, que brinca: "Até hoje me olho de lado e não sei que perfil é esse".

Agora é em Brasília que se encontra, mais uma vez, para produzir matérias alternativas, que viram grandes reportagens. Foi então que percebeu uma nova oportunidade: tornou-se setorista onde estava ocorrendo o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal de Federal (STF).

Alçando altos voos (literalmente!)

As malas de Losekann não ficaram apenas no Brasil. Quando estava em São Paulo, lhe foi questionado sobre como estava seu inglês. Acreditando que seria para fazer uma pauta internacional, disse que estava ótimo. Só que esta pauta durou 13 anos. Após embarcar rumo a Londres, na Inglaterra, passou quatro anos no Reino Unido, três em Jerusalém e novamente, mais seis na Inglaterra, onde chefiou o escritório da Globo. Neste tempo, ainda trabalhou como freelancer. Pediram para ele voltar ao Brasil, mas resolveu ficar. No período, repensou muito, pois encontrou muitos desafios, sem trabalho e salário fixos, até ter a oportunidade de retornar à emissora.

Além do sucesso profissional, a Terra da Rainha também lhe proporcionou outras duas felicidades: as filhas. Inglesinhas, o nascimento delas é um dos momentos mais importantes da vida de Losekann. Inclusive, cortou o cordão umbilical da mais velha. "Aquela magia acontecendo nos meus olhos, uma reportagem para mim mesmo, foi o ápice da minha vida", orgulha-se. Além de Helena e Mariana, também é pai de Marcelo, fruto de um relacionamento rápido em Florianópolis, além de Arthur, que adotou no primeiro casamento.

Cobriu cinco guerras, mas enxerga uma situação como desafio, um foguete, denominado Katiucha, ter caído bem ao seu lado. Segundo o relato, Losekann só não morreu porque havia uma macieira sobre ele, que acabou absorvendo os estilhaços. Outra situação marcante da época levou o jornalista a virar notícia: o sequestro pelo Hezbollah - grupo islâmico xiita do Líbano. Descobriu uma pauta sobre uma lanchonete que tinha como tema a guerra, o 'Buns and Guns'. Foram impedidos de gravar no local, mesmo com a autorização do governo, rasgada pelo líder. O grupo militar os obrigou a entrarem em carros separados, com as cortinas fechadas e passaram por torturas psicológicas. A sorte foi que conheceram um membro educado, que se comunicava bem em inglês, que acabou soltando-os. "Foi o dia que tive muito medo e pensei muito nas filhas, achei que não ia conhecer a segunda e mal criaria a primeira. Quando se vira pai, deixamos de ser a primeira pessoa do singular e viramos terceira pessoa do plural, eles."

"Esta é a minha guerra"

Não é pelo lado profissional que enfatiza que trabalha "na melhor empresa do mundo". No dia do aniversário de uma das herdeiras, em 2019, Losekann foi diagnosticado com Mieloma Múltiplo, um câncer de medula. Bastou a equipe da Rede Globo ficar a par da situação que toda uma rede de carinho se formou. "Tenho acesso ao que há de melhor na Medicina e na farmácia. Nesse aspecto, a Globo é uma mãe", cita, em tom de agradecimento. É o cavalo branco passando mais uma vez, contudo, agora, na vida pessoal.

Como a doença não tem cura, por estar tão otimista no auge do tratamento, acabou sendo encaminhado para uma psicóloga, que o diagnosticou com Síndrome da Negação. Losekann, no entanto, contrapôs: "Sabe quantas guerras eu cobri? Cinco. E sabe como a gente cobre guerra? Geralmente, pegamos um avião, vamos para o país vizinho e entramos por terra. Vamos com passagem de ida e volta, porque não cogitamos não voltar", narrou, ao finalizar, enfatizando: "Essa é a minha guerra e eu não cogito não sair".

Definindo-se como um lutador, que corre atrás do que quer, mas sem dar cotovelada em ninguém, garante que sempre ocupou os espaços que estavam abertos. Dentre as qualidades, acredita que ser um bom pai, seja a maior, o que resulta em uma pessoa e profissional melhor.

Longe dos microfones

Quando não está na telinha, conta que gosta de brincar de vinho. Aprendeu mais a fundo sobre a bebida quando se mudou para Londres. Lê todas as revistas e livros sobre o assunto. Coleciona objetos antigos, como a máquina registradora com mais de 100 anos, que era do comércio dos avós, um timão, uma máquina de escrever em hebraico, além da que ganhou dos pais com oito anos. Mas nada disso ganha dos momentos passados com as filhas, como andar de hoverboard, skate elétrico que se move de acordo com a inclinação do seu corpo, e também de bicicleta.

Para o futuro? Ele deseja viver de verão: quando for no Hemisfério Norte, ficar seis meses no apartamento em Londres, enquanto voltará ao Brasil no semestre de calor. São incontáveis os sonhos e projetos, inclusive, se pudesse, viveria só de livros. Já escreveu cinco: 'Correspondentes', em parceria com colegas da Globo, e quatro que escreveu sozinho - além de ter projeto de mais uns 10. Mas não sabe se vai lançar, ou apenas deixar para as filhas, pois, infelizmente, "somos uma nação que não lê".

Ele, por outro lado, é um apaixonado pela literatura. A biblioteca, que aparece de cenário no Jornal Nacional, tem três mil livros. Isso porque tem como vício o conhecimento e "ter tudo armazenado, sem precisar do Google". Eterno aprendiz, hoje acaba o que começou lá no início: a faculdade de Direito. Aliás, foi buscando aprendizado que descobriu o lema de vida - de José Ortega y Gasset, ensaísta, jornalista e ativista político espanhol -, ao ser citado por um professor em sala de aula: "Eu sou eu e minhas circunstâncias". E assim segue o jornalista: montando seus cavalos brancos encilhados, afinal, Marcos Losekann é ele e suas circunstâncias.

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