Maria Luiza Benitez: Microfone de ouro

Aos 57 anos, a cantora e locutora faz do nativismo a sua bandeira, com foco sempre voltado para o folclore latino e culturas indígenas

Maria Luiza Benitez - Reprodução

Quando Maria Luiza Benitez pisa num palco ou entra em um estúdio e segura um microfone na mão, tudo é muito natural. E não poderia ser diferente. Afinal, aos 57 anos, a cantora e locutora morena de traços indígenas, dona de uma voz firme e de tom grave, já teve mais de meio século para perder a timidez e habituar-se à rotina. A música e o rádio estão presentes desde muito cedo na vida desta bageense nascida a 10 de dezembro de 1951. Com apenas quatro anos, Malu (como também é conhecida) aproveitava o período de férias e folgas do colégio interno para cantar em programas de auditório.

Descendente de índios e castelhanos, a influência também veio do berço. A avó Maria Clara ou "Maria Castelhana" sempre cantava, enquanto passava a roupa, para a neta dormir. "A música está na vida das pessoas desde que ela nasce. Quando vim ao mundo, em vez de chorar, acho que cantei!", brinca. Hoje, a comunicadora acredita não ter sido uma criança comum. Quando pequena, escutava a Rádio BBC de Londres e achava que entendia e, nessa época, chegava a se emocionar ouvindo ópera. "Inclusive uma tia vivia perguntando para minha mãe o que eu tinha que chorava tanto", conta.

"Para cantar é preciso verdade. A palavra, cantada ou falada, é veículo para trocas de energia", afirma. A crença de Malu no poder da palavra fez com que se considerasse mais intérprete do que cantora. A também locutora da Rádio Guaíba possui três CDs gravados e todos tratam de nativismo e folclore latino, com temática focada na natureza e nas culturas indígenas. O CD mais recente, intitulado Ouro Azul, foi lançado em agosto de 2004 na Assembleia Legislativa do Estado, com a presença de índios guaranis. Ela, que aprendeu a cantar na língua indígena ouvindo músicas do gênero, diz gostar de "música bem feita, aquela que bate no ouvido e desce redondinha". Atualmente, trabalha na elaboração do seu quarto disco: Terra Gaúcha.

Menina tenebrosa

Quando pequena, era tida como uma menina tenebrosa e, por isso, a família resolveu colocá-la em um internato para que "aprendesse a ser gente" ? como a própria Malu afirma. "Sempre tive o espírito muito rebelde e, pra me coordenar, achavam que se eu estivesse em um colégio de freiras iria tomar tino. Mas, na realidade, não tomei até hoje", brinca.

No colégio, teve aulas de balé e piano e vivia como uma legítima traça em meios aos livros da biblioteca. Por isso, aprendeu a gostar de ler muito cedo, antes dos cinco anos. A lembrança mais bonita que possui da infância é a da madre superiora do colégio levando-a para a ala das freiras ? a área proibida ? para contar histórias em um jardim repleto de animais de gesso, dedicado a São Francisco.

Nessa época, o rádio era o único meio de informação e entretenimento na sua casa. Ela era ouvinte assídua não apenas das emissoras locais, mas, também, de rádios uruguaias e argentinas, que transmitiam programas de auditório de música folclórica. Aos seis anos, enquanto a mãe lhe servia o café da manhã, acompanhava as primeiras transmissões da recém-criada Rádio Guaíba. E assim cresceu: encantada com o mundo do rádio e sempre com ouvidos atentos à programação da emissora porto-alegrense.

A carreira no meio iniciou-se em 1969, na Rádio Cultura, de Bagé. A convite de um diretor da emissora, Malu lia diariamente, ao meio-dia, crônicas de sua autoria, as quais eram publicadas em um jornal da cidade. Em 1976, deixou a região da Campanha para tentar a vida em Porto Alegre. Ao chegar à Capital, não pensou duas vezes: tomou um banho na rodoviária e foi direto à Rádio Gaúcha em busca de um emprego. Ficou na recepção da emissora das 7h às 19h aguardando para falar com o diretor de jornalismo. Graças à amizade que fez com a secretária, conseguiu no final do dia uma oportunidade para fazer um teste. Foi aprovada depois de ler algumas notícias e elaborar um programa voltado para o público feminino, chamado A Hora e a Vez da Mulher. Na semana seguinte, comandava a atração juntamente com mais cinco colegas.

A experiência durou aproximadamente seis meses, pois, em seguida, durante uma visita à extinta TV Difusora, foi convidada para fazer um teste, no qual foi aprovada. "Quem me ajudou muito foi Tânia Carvalho. Eu não sabia nada sobre televisão! Era uma caipira do interior que chegou aqui, deu sorte e tinha talento para a coisa", lembra.

A carreira na Guaíba

Paralelamente às atividades na TV Difusora, começou a atuar na Rádio Princesa AM e devido à proximidade do dial da emissora com o da Guaíba tornou-se conhecida e foi convidada a gravar comerciais na Caldas Júnior. E este foi o teste para sua contratação como locutora daquela que era a rádio dos seus sonhos.

Foram quase 15 anos trabalhando na emissora, onde atuava como apresentadora dos programas Guaíba Mulher e Pergunte à Guaíba. Malu também fazia locução comercial. Apesar do sucesso da carreira como comunicadora, nunca deixou de cantar e apresentar eventos. A saída da Guaíba ocorreu depois da troca de comando na Caldas Júnior, na década de 80, quando ela ouviu a seguinte pergunta de um dos diretores: "A senhora quer ser cantora ou locutora?" A comunicadora não hesitou ao optar pela carreira artística.

Antes disso, o lado batalhador de Malu teve que falar mais alto no período de crise da Companhia Jornalística Caldas Júnior, que chegou a decretar falimento e atrasou salários. Foi quando chegou a vender sanduíches na região da Praça da Alfândega para incrementar sua renda, sempre com muito bom humor e alegria. O "bico" acabou se estendendo por mais um ano depois que saiu da Guaíba e, inclusive, passou a contar com telentregas feitas em uma Brasília amarela.

Depois, apresentou telejornais e programas especiais no SBT e na TVE. Mas, apesar da experiência com televisão, ainda prefere o rádio. Entre os planos para o futuro, está a criação de um programa televisivo de folclore. Já tem até nome registrado: Raízes. A atração abordaria temas relacionados à cultura gaúcha, brasileira e latina. "Hoje, não existe um programa de folclore de qualidade. Você liga a televisão, mas só vê porcaria. Não tem um assunto sério sobre o que é a cultura do Rio Grande do Sul, da América Latina ou sobre o que é o nativismo", afirma.

Nesse tempo que ficou afastada do rádio, por diversas vezes teve vontade de voltar para a Guaíba. O retorno aos estúdios da emissora ocorreu em novembro do ano passado. Sua voz pode ser ouvida durante o Jornal da Noite ou apresentando as notícias da hora, comerciais e chamadas da Guaíba AM e, também, na locução das notícias transmitidas a cada 30 minutos pela Guaíba FM, hora certa e temperatura.

Paraíso como quintal

Malu é casada há 29 anos com Júlio Francisco Nascimento e com ele tem um filho de 27 anos, o Julinho, como é carinhosamente chamado. O jovem mora no Rio de Janeiro, onde faz teatro e trabalha com telemarketing. Malu e Júlio, que há quatro anos vivem em um sítio em Itapuã, a 50 quilômetros de Porto Alegre, pretendem oficializar a relação neste ano.

Desde criança, Malu se dedica ao xamanismo que, segundo o site Wikipédia é um termo usado em referência a práticas etnomédicas, mágicas, religiosas e filosóficas, envolvendo cura, transe, metamorfose e contato direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais ou dos mortos. Malu resume a prática como reintegração do homem com a natureza.

Entretanto, foi depois de lutar quatro anos (de 1999 a 2003) contra um câncer de útero que mudou sua forma de ver a vida. Após ser operada diversas vezes, Malu foi desenganada pelos médicos que tratavam de sua doença. Foi quando decidiu se refugiar em Itapuã e se dedicar integralmente à prática. Hoje, ela define sua recuperação como "milagrosa".

"Eu moro no paraíso, junto à natureza, no meio do mato. Lá, eu planto, pinto e bordo. Parei de beber e fumar. Hoje, tomo um vinho. Mas fiquei nove anos sem botar uma gota de álcool na boca. Tudo isso para me preparar para ser uma nova mulher, um novo ser humano", explica. Malu faz palestras sobre xamanismo e tem cursos na área holística, mas acredita que o modo de encarar a vida é o mais importante. Depois do câncer, começou a traçar metas, escrever um livro e passou a valorizar mais os amigos de verdade. Hoje, todo o dia é dia de alegria. Ao acordar, a primeira coisa que costuma fazer é agradecer a energia do sol. Malu respeita tudo o que a cerca e até mesmo para arrancar um chá pede permissão para a planta.

Sua filosofia de vida é não perder o norte e buscar o equilíbrio, a coerência e o discernimento, sempre. "Para você ver a luz, você tem que conhecer a sua sombra. Os pés devem estar sempre firmes, pois você é uma porta aberta e nada nem ninguém pode fechar. E a cabeça tem que estar sempre com o grande espírito: o nome dele pode ser Jeová, Deus, Tupã? não interessa! Ele é só um."

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