Nelcira Nascimento: No caminho do bem
A idade ela reluta em dizer. Só se sabe que já são mais de 25 anos dedicados ao jornalismo "com muita dignidade"
A idade ela reluta em dizer. Só se sabe que já são mais de 25 anos dedicados ao jornalismo "com muita dignidade". De família humilde, Nelcira Neves do Nascimento revela que desde criança suas ações foram movidas pelo lema que carrega como amuleto: "Ser solidária e justa". E é assim que vem se consagrando entre os jornalistas gaúchos, pelo trabalho de responsabilidade social desenvolvido junto à comunidade porto-alegrense unindo a sua função na sociedade como jornalista. Com um jeito simples e bem humorado de viver, ela justifica sua paixão pelo jornalismo e o objetivo principal de sua atuação parafraseando o jornalista Alberto Dines: "Jornalismo com J maiúsculo é o exercício diário da vergonha na cara".
Nelcira ingressou na faculdade de Jornalismo, na UFRGS, em 1974, sem nenhuma dúvida de que queria seguir a profissão. Sua primeira atuação na área foi como estagiária da assessoria de imprensa da universidade. "Eu insisto em dizer que foi lá que aprendi a ser repórter, mas não era a área que desejava atuar", diz. Após dois anos, não hesitou em aceitar o convite feito por Emílio Chagas para substituí-lo na redação da Rádio Gaúcha, em 1976, para ser redatora de um noticiário da emissora que ia ao ar a cada 30 minutos. "Parecia um sonho estar ali trabalhando na redação da Gaúcha", relembra.
Sua estréia como repórter da emissora foi marcada pela queda de um avião do Governo de Rondônia no interior de Santa Catarina, em 1978. Nelcira foi escalada então como repórter da rádio para acompanhar o grupo de resgate das vítimas do acidente. "Durante anos, eu sentia aquele cheiro de queimado e dos destroços. Cada vez que subia as escadas da rádio me dava uma depressão e tristeza", lembra Nelcira, dizendo que até entrevista sobre o episódio do resgate concedeu a ZH.
Depois de sua estréia emocionante, atuou como repórter da Gaúcha até ir trabalhar na central de interior da Zero Hora. Datas? Nem ela lembra, são tantos "feitos" durante quase 30 anos de jornalismo, que ela mesma não consegue guardar no seu arquivo mental. Após dois anos como repórter de ZH, na década de 80, ela atuou ainda nas rádios Guaíba e Pampa, na Fundação Maurício Sirotsky e no Instituto do Câncer Infantil. "Foi nessas entidades que comecei a colocar em prática a minha responsabilidade social", diz. Embora não tenha título de especialização na área de terceiro setor, Nelcira garante que suas experiências como jornalista da área social foram muito enriquecedoras para a sua formação profissional e pessoal.
O reconhecimento
Depois das atuações fora dos veículos do Grupo RBS, Nelcira voltou para ZH e Rádio Gaúcha para ser setorista de política. Pouco tempo mais tarde, devido à grande demanda de trabalho, ela optou por atuar somente na rádio. "Eu acho que sou a pessoa que mais tempo permaneceu como repórter em um veículo. Mas a reportagem me fascina. Eu digo que eu sempre fiz a melhor matéria de buraco de rua", brinca ela, alegando que desde o início de sua carreira já se importava com questões solidárias. A paixão pelo Terceiro Setor é tanta que hoje Nelcira destaca-se no Brasil inteiro por sua atuação no jornalismo. São tantos prêmios que daria para preencher uma lauda antiga de jornal para enumerar todos.
Os principais que ela destaca são o título de Jornalista Amiga da Criança (em 2000, concedido pela Agência de Notícia dos Direitos da Infância), medalha de Defesa Civil do Estado, Troféu Carlos Santos da Consciência Negra, Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, em 1999 e 2001, e as premiações no Prêmio Tim Lopes, conquistado em 2003 e 2004. "São honrarias que me deixam muito grata, porém eu tenho muito claro que os prêmios não podem ser forma de avaliação de um jornalista. Isso nos obriga a nos tornarmos mercenários, procurando qualquer tipo de prêmio para engrandecer a carreira. Para mim, é apenas um reconhecimento do trabalho realizado. Eu não gostaria de ser reconhecida por minhas premiações. Seria lamentável ser lembrada assim", ressalta.
Atualmente, Nelcira é repórter da editoria de solidariedade da Rádio Gaúcha, mas não considera-se apenas uma jornalista que se preocupa com injustiças e desigualdades sociais. "Eu não sou apenas uma jornalista. Eu sou uma profissional da área de Terceiro Setor", enfatiza. Revela que como planos para o futuro quer se dedicar mais a projetos da área social e a trabalhos voluntários, a exemplo do que já faz no Educandário São João Batista. Mesmo com a aposentadoria chegando perto, Nelcira diz que nem pensa nisso ainda, até porque sua missão de solidariedade deverá continuar. Até porque, ela já fez de tudo mesmo. Desafios e aventuras são "tirados de letra" por esta jornalista que foi a primeira repórter mulher do Brasil a saltar de pára-quedas.
Em 1986, como repórter de Zero Hora, Nelcira recebera uma pauta para fazer uma matéria sobre paraquedismo. Fez curso de um mês e no término das aulas saltou de pára-quedas por duas vezes num só dia. O episódio, além de virar reportagem de quatro páginas, foi capa de ZH com a manchete "Saltei". Como se não bastasse a aventura de pára-quedas, logo depois, fez parte do primeiro vôo tripulado de um balão em Porto Alegre, em 1987.
A missão da voz
Nelcira tem um filho, Márcio, de 25 anos, e uma neta de quatro anos, Maria Eduarda. Separada, a jornalista mora sozinha, acompanhada dos seus seis cães. "Eu costumo dizer que sou protetora de animais. Passo grande parte do meu tempo cuidando dos meus cachorros. Os animais são como anti-stress para mim, por isso são meu verdadeiro hobby".
Nelcira planeja também trabalhos e estudos relacionados à terapia assistida de animais. "Tenho lido e acompanhado bastante sobre o assunto. Quero aplicar a terapia em idosos e crianças", diz. Nas horas de folga, ela aproveita para descansar e curtir a paisagem que desfruta em frente a sua casa: montanhas e o Rio Guaíba. Lá, ela gosta de ouvir música, assistir a TV e, obviamente, escutar rádio. Ler é outro passatempo preferido da jornalista, cujas preferências atuais são obras de literatura espírita. Nelcira afirma que o espiritismo permeia a sua formação vocacionada para a área social. "Talvez eu não tivesse isso elaborado quando iniciei a minha trajetória. Mas hoje sei que o fato de ter me dedicado ao jornalismo e às questões sociais faz parte de minha missão", revela. Viagens também estão nos programas de lazer de Nelcira.
Entre os lugares que gostaria de conhecer estão o Rio de Janeiro e Alagoas, terra natal de seu pai. "O meu sonho é conhecer o Rio. Fui lá de passagem, mas não consegui conhecer direito a cidade", lamenta. A garra de viver e lutar pelos ideais é um traço marcante da personalidade de Nelcira. Com seu bom humor, encanta a todos, até mesmo os ouvintes que diariamente se informam através de sua voz no rádio e não a conhecem pessoalmente. Ela conta que muitas pessoas se surpreendem ao conhecê-la. "Eles falam: ' tu é a Nelcira Nascimento do rádio? Eu te imaginava diferente!' E aí eu brinco: sim, tu me imaginava que nem a Xuxa, loira, alta e de olhos azuis?", conta esta simpática baixinha, que não tem nada deste estereótipo.
A jornalista explica que os ouvintes costumam se surpreender quando conhecem pessoalmente as vozes do rádio. "O rádio tem isso, mexe com a fantasia das pessoas", completa Nelcira com uma boa gargalhada.