Raul Krebs: Um camaleão da imagem
Da infância nos campinhos de futebol a premiações internacionais, fotógrafo mantém a simplicidade e a curiosidade, sem abrir mão de um rock pesado

Mutante na vida, na arte e no mercado. Definir Raul Krebs não é uma tarefa fácil. Do alto dos seus mais de 50 anos, ele mantém uma curiosidade quase infantil pelo mundo e pelas pessoas. Essa talvez seja a sua maior marca registrada.
Hoje, o pai do Pedro, de 10 anos, terminou um mestrado há pouco tempo, dá aulas em duas universidades e segue à frente do estúdio que tem como nome o que se pode chamar de seu pseudônimo: Mutante. O quase apelido foi dado em função dos muitos estilos e cortes de cabelo, mas ajuda a entender a personalidade de um dos fotógrafos publicitários mais renomados de Porto Alegre.
Renome que passa longe de uma vida de glamour. Muito pelo contrário. Avesso ao espetáculo do mundo publicitário, prefere manter uma vida pessoal mais reservada e se acha pouco importante para selfies, talvez o tipo de registro mais comum atualmente.
Outro aspecto que chama atenção é seu "lado meio mórbido". Estudou, inclusive, com Joel-Peter Witkin, provavelmente o maior nome da atualidade quando se fala em fotografia de cadáveres. Raul mesmo, durante um tempo, fez um trabalho dentro do Departamento Médico Legal de Porto Alegre, mostrando as condições de trabalho do lugar. "Tenho essa curiosidade com a vida. E a vida tem esse outro lado, que é a morte", comenta.
Além disso, já dirigiu clipes musicais, coordenou a cenografia, direção de palco e figurino de show no Theatro São Pedro, e dirigiu diversos comerciais. Essa diversidade de ramos de atuação e gostos tem uma razão de ser bem definida: "O que me convidarem para fazer em termos de imagem, a resposta é sim. Depois eu vou ver onde me meti. Tudo pela curiosidade", dispara.
Um guri bem porto-alegrense
Raul Barbedo Krebs Jr. é o filho mais velho de cinco irmãos. Nasceu no Hospital Fêmina, no alto da Avenida Mostardeiro, em 16 de novembro de 1968. O pai, de quem herdou o nome, foi funcionário público, trabalhando em bancos como a Caixa Econômica Estadual e o Banrisul, além de ter atuado em corretora de valores. Já a mãe, Leila Maria Osório Krebs, foi professora, formada em Letras.
A família tem um papel decisivo na pessoa em que ele se tornou. Especialmente o avô paterno, que colecionava acadêmicas e amigos intelectuais ilustres, como Erico Verissimo e Nico Fagundes. "Ele era um monte de coisa, na verdade: sociólogo, jornalista, foi desembargador do Estado. Seu Erico (como chama carinhosamente Erico Verissimo) e Danúbio Gonçalves moravam perto e eles eram muito amigos. Eu passava as férias de julho sempre na casa dele e tinha toda essa atmosfera de intelectualidade. Foi uma época muito feliz", relembra.
Já o avô por parte de mãe era militar, um general até hoje considerado subversivo pelo exército por ter se oposto à ditadura. Como era professor da Academia Militar das Agulhas Negras, não sofreu nenhuma violência física, apenas foi afastado da sua atuação. Esse mundo de livros e intelectualidade se fundia com as peladas nos campinhos de rua. A primeira ideia de ser alguma coisa na vida, inclusive, era ser jogador do Internacional - escancarando a paixão pelo time colorado.
Quase jornalista, se não fosse por George Orwell
Provavelmente, poucos sabem, mas seu primeiro vestibular foi para Jornalismo. A profissão perdeu Krebs por uma infelicidade do destino: no mesmo dia da prova, estreava nos cinemas o filme '1984', baseado no livro do George Orwell. "Já que não ia ser jogador de futebol, seria repórter esportivo. Mas ainda era algo sem muita convicção. No dia do vestibular, fiz a prova correndo para ir ao cinema. Óbvio que rodei", conta rindo.
Quando falou que queria cursar Publicidade, foi apoiado pela família, apesar de o pai querer que ele fizesse Direito. "Como ele tinha dois amigos que eram advogados e donos de agência de publicidade, acreditava que, fazendo Direito, eu ia poder ser tanto advogado como publicitário. Coisas da época", considera.
Além disso, chegou a cursar os períodos iniciais de Sociologia, como o avô. "Não terminei o curso, pois ao mesmo tempo ingressei em Publicidade. E esta é muito sedutora. Depois que entra, é difícil sair", afirma.
Nada ortodoxo
Ao entrar na faculdade, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Raul queria ser redator publicitário. No meio do caminho, surgiu um estágio em produção audiovisual. "Eu disse: 'Tudo bem, quero ver o que é isso'", mostrando que a alcunha de Camaleão lhe cairia muito bem.
"Aí, conheci um fotógrafo que estava chegando de Paris. Fotografava Moda lá e a gente fez muitos trabalhos legais. Assim, segui os passos dele", recorda, acrescentando: "A fotografia meio que caiu na minha vida sem planejamento, como, aliás, é quase tudo nela". Quando foi convidado por Reinaldo Cóser para ser assistente, ele nunca havia fotografado. As coisas foram aparecendo e ele foi abraçando. "Acho que o que eu mais trago de traço familiar é essa curiosidade", reflete.
Assim, iniciou a carreira, bem na época em que o mercado se despedia da era de ouro da fotografia na Publicidade. Trabalhou uns oito anos antes da migração para o digital, que foi uma transformação penosa para os profissionais da área. Ele mesmo demorou a conseguir passar por ela. Com a popularização da arte de cristalizar momentos, os grandes trabalhos diminuíram, dando espaço a jobs mais curtos e mais baratos. Porém, para ele, o mercado segue sendo atrativo.
Toca Raul
Entre as tantas coisas pelas quais tem apreço, a música ganha um espaço especial no coração. Sempre gostou de Rock, fotografou muita banda antes de ter a sua própria, que, aliás, começou de maneira bem inusitada. "Meu pai tem uma casa com um terreno enorme em Florianópolis. Tinha uma época em que ele queria fazer ali um bar, com música ao vivo. Comprou vários instrumentos, mas o bar não saiu, e os equipamentos acabaram na garagem", narra.
Em uma virada de ano, Raul descobriu uma bateria na garagem, a trouxe para Porto Alegre e, aos poucos, chamou amigos para tocar, despretensiosamente. Assim nasceu a banda 'Irmãos Rocha!' - inclusive, chegaram a fazer shows em vários estados. "A música tem muita influência no meu trabalho, especialmente esse rock mais ruidoso, mas eu escuto de tudo", garante, apesar de contrastar um pouco com a sua fala calma.
Raul sempre trabalhou com música. Como prefere as mais barulhentas, deixa outras pessoas escolherem o som quando se trata de um trabalho em equipe.
Apesar de ser baterista de uma banda de rock e de ser um fotógrafo conhecido, Raul se considera uma pessoa reservada. Prefere assim. "A nossa sociedade é muito americanizada e tudo é um espetáculo. Eu não gosto muito, mas tento jogar o jogo. Às vezes, ganho um prêmio e custo a colocar nas redes, por exemplo."
Um genuíno observador
A profusão de imagens que pipocam na tela do celular é um prato cheio para Raul. Tanto que seu hobby, hoje, é ficar navegando no Instagram. "Fico vendo e compartilhando. Acho que posso fazer uma curadoria de imagens legais nos stories", justifica.
Além disso, também gosta de fazer retratos com o celular. "A câmera intimida as pessoas, mas o celular não. O telefone se tornou uma parte do corpo. Inclusive, tem fotos que eu consigo fazer melhor com o celular", conta. Outra paixão é ficar na piscina, de preferência mergulhando e de olhos abertos, percebendo os ruídos e as imagens embaçadas. Na alimentação, a curiosidade também aparece, afinal, sempre busca por novas experiências. Trata-se de uma curiosidade que passa longe de ser uma fetichização. É um interesse genuíno por conhecer a vida do outro. "Fotógrafo é tudo voyeur mesmo", reconhece.
Se o tema é religião, a que mais admira é o Budismo, mas passa longe da tranquilidade ou bondade dos monges. "Sou muito agitado, nem meditar consigo", fala, rindo. No cinema, tem Stanley Kubrick como um cara diferenciado pelas questões semióticas, porém o diretor favorito talvez seja David Lych, pois "as imagens dele são superconstruídas, tem muita semiótica envolvida".
Abraçando as oportunidades
"Talvez a família ajude a explicar um pouco da minha trajetória. Na fotografia, minha história é meio linear, mas na academia vai pulando de um lado para outro", compara. E faz sentido. Raul se formou em Publicidade, fez um tempo de Sociologia, mas não terminou. Fez MBA em Marketing de Moda e depois, um mestrado em Design Estratégico. Para ele, as coisas sempre foram acontecendo. Na docência não foi diferente, começou a dar aulas por convite de uma professora da PUC, e logo se apaixonou por estar em sala de aula.
Sobre o momento de maior satisfação na carreira, ele elenca alguns: ao ganhar o Salão da Propaganda pela primeira vez, foi quando entendeu que estava, de fato, inserido no mercado; o mais impactante foi o New York Photo Awards, conquistado com a campanha 'Crack Nem Pensar' para o Grupo RBS. Em Nova Iorque, não conhecia ninguém e estava competindo com fotógrafos do mundo inteiro. "Ali eu pensei: 'Acho que sou bom'", admite.
A única pergunta durante quase uma hora e meia de entrevista que ele titubeou para responder foi a respeito do que era inegociável. Depois de pensar um pouco, soltou: "Eu ia dizer que é a lealdade, aquela coisa toda. Mas não é. No trabalho, é a vontade. Sempre que alguém dizia 'não sei se quero mais', para mim, já estava fora. Não podia ter alguém que não quisesse trabalhar ali. O mercado é muito competitivo, é rápido", afirma.
Já fora do ambiente de trabalho, acredita que a bondade seja algo do qual não é possível abrir mão. Outra coisa que não é negociável é a adaptabilidade à vida. "Ao mesmo tempo que mutante é algo que muda, também é algo que se molda. E, na Publicidade, se você não se moldar, você não trabalha. Na docência, também", finaliza, ensinando.