Rosane Tremea: Recortes de vida

Rosane Tremea revela seu desejo em ter sido presidente da República, o gosto por viagens e ter-se tornado jornalista por acaso

Por Vanessa Bueno - 10/05/2013
Ela adora restaurantes e, por coincidência, ou não, sugeriu que a entrevista ocorresse em um lugar "simples, mas limpo e com uma comida honesta. Fica aqui pertinho do jornal", explicou. E assim, em meio a lembranças de viagens, opções profissionais e cenas de infância, Rosane Tremea, editora executiva de Geral e colunista de Zero Hora, esqueceu por completo, durante quase três horas, dos compromissos do dia. "Ai, não acredito que perdi a minha reunião", lamentou, quando finalmente foi trazida de volta à realidade pelo barulho feito por um garçon que recolhia as cadeiras. Estava na hora de retornar para o jornal.
Ao recordar sua primeira década de vida, o azul de seus olhos parecia ainda mais brilhante: moviam-se constantemente para cima, como que a conduzir por cada um dos bons momentos vividos em Anta Gorda, sua cidade natal e cenário das aventuras infantis. "Tenho uma amiga que costuma me dizer que eu deveria que ter parado na infância, porque foram momentos maravilhosos. Poderiam ser cenas de filme", explica, nostálgica. Lembrou de tantas coisas, entre elas, que a mãe, Rosa Dadalt Tremea, lavava roupa no rio e levava os seis filhos a tiracolo. "Parecia uma pata com os patinhos andando atrás", brinca. Rosane é a quinta desta turma: antes vieram Pedro José, Ademar Paulo, Germano Agostinho, Maria Luiza e Aldo Luís.
Junto com os irmãos, gostava de brincar de pegar, caçar passarinhos ("que me desculpem os defensores de animais", registra Rosane), além de ouvir os causos que a mãe e os vizinhos costumavam contar em "Noites de filó" - tradição italiana de contação de histórias. "Tenho pena de não me lembrar do que eu ouvia. Daria um livro, com certeza", diz ela, que até o título tem: "Quem conta ainda vive", forma como sua mãe costumava terminar seus relatos. De onde ela tirava tanta coisa para contar, Rosane não sabe. "Todas as histórias eram com vizinhos no meio, mas ela nunca teve tantos vizinhos. Acho que inventava também", aposta.
Recortes de viagem
Rosane admirava muito os dotes da mãe, professora primária que deixou de lecionar para cuidar dos filhos. Rosa, porém, exercia o ofício em casa. Todas as noites tomava a lição das crianças e as fazia decorar a tabuada e os nomes dos países com suas capitais. Rosa faleceu em setembro de 1996, e o marido Antônio Adolfo em dezembro do mesmo ano. Foram 44 anos de casamento.
Por conta das lições que recebia da mãe, aos cinco anos, Rosane já estava alfabetizada. O fato a beneficiou, pois sempre foi a primeira da classe. O que lhe rendeu um convite para trabalhar, aos 14 anos, na secretaria da escola onde estudava. Foi nessa época seu primeiro contato com o jornalismo. Rosane criou, em conjunto com uma professora, o jornal "O Corujinha", do qual era repórter.
Se não fosse jornalista, ela queria ter sido presidente da República, ou psicóloga, ou dona de restaurante, ou de lojinha no aeroporto, ou atriz? Não, espera, se ela não fosse jornalista gostaria mesmo de ter sido cantora, a última opção e por influência da mãe, que cantava músicas em italiano. Versátil, essa virginiana, nascida em 6 de setembro de 1963, gosta muito de viajar, conhece pouco mais de 20 países e boa parte do Brasil.
Blog generoso
Está em viagem de férias agora, na Europa, com sua irmã Maria Luiza. O roteiro das duas inclui uma passagem rápida por Paris e um período mais longo na Itália, onde pretendem visitar familiares, além de passar por Veneza, Siena e Costa Amalfitana. As experiências do tour, com certeza, estarão registradas em breve no blog Recortes de Viagem, que Rosane mantém há quatro anos. O espaço foi criado por sugestão de Cássia Zanon, sua colega de trabalho na época, porque Rosane costumava dar informalmente dicas de lugares e restaurantes. Por onde ela anda, leva bloquinho e caneta, anota tudo e depois conta no blog.
O projeto deu tão certo que, em seguida, a jornalista foi convidada para assinar uma coluna de mesmo nome no caderno Viagem, de Zero Hora. Hoje, conforme conta, algumas pessoas chegam a lhe perguntar se ela faz mais alguma coisa além de comandar o blog e escrever semanalmente para a coluna. Acha graça, já que sua rotina vai muito além. Editora executiva de Geral desde 2012, já chegou a ficar 23 horas corridas dentro da redação. "Às vezes o que está acontecendo nem é assunto da minha editoria, mas de um jeito ou de outro acabo me envolvendo." Com tanta coisa para fazer, o blog fica para ser atualizado de casa. E assim ela prefere. "O Recortes de viagem é um hobby e quero que continue", explica.
No prefácio da página, a jornalista fala sobre o prazer de viajar e outras manias. "Gosto de me mover, sem objetivo nenhum. Identifico-me com o escritor e viajante Roberto Louis Stevenson, que uma vez escreveu: "Eu não viajo para ir a algum lugar, mas para ir. A grande emoção é se mover", registra. Quem lê o Retratos de Viagem também descobre que ela gosta de comprar quinquilharias. "Sou, como diria Pablo Neruda, uma coisista."
O sentido da vida
Quando encontra lugares especiais, sente uma leve vontade de guardar para si, na tentativa de preservar as coisas como estão, como também já confidenciou no blog. Mas acaba contando tudo para seus leitores, especialmente quando se tratar de alguma viagem preferida. Como a realizada a Machu Pichu ao lado de uma amiga. Pouco antes de viajar, vinha apresentando quadros de tontura e mal-estar. Bastou a médica dizer que era estresse e recomendar que fosse espairecer.
Fez a mala e se foi para o Peru. Lá, ela e a amiga hospedaram-se em um hotel luxuoso no topo da montanha. Sentada sozinha no deck, Rosane curtiu a vista e o silêncio absurdo do local. "Passar aquela noite ali foi revigorante, valeu cada centavo", avalia. Em momentos como esse, aproveita para pensar e refletir, prática frequente, aliás. "Estou sempre tentando achar o sentido da vida. Me pergunto, quase que diariamente: - O que eu estou fazendo aqui?" confidencia.
"Queria ser presidente da República, hoje me contento em ser vizinha dela", diz, referindo-se a Dilma Rousseff, que tem uma casa na zona sul de Porto Alegre, no bairro Tristeza, onde a jornalista mora. Na adolescência, logo entendeu que não chegaria a tanto e optou por prestar vestibular para Psicologia. Achava que a profissão lhe ajudaria a entender o mundo. Mas seu destino também não estava aí. Após três tentativas frustradas de passar no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), decidiu que não estudaria mais e retomou seu trabalho em Anta Gorda. O fato chocou amigos e familiares que sempre acompanharam seu desempenho acima da média nos estudos.
Um dia, uma amiga telefonou avisando que havia lhe inscrito para o vestibular da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Rosane rendeu-se e acabou optando por cursar Relações Públicas. Depois de um ano estudando na UCS, teve certeza de que não queria seguir a profissão e prestou novamente vestibular, dessa vez na Famecos, da PUC, para Jornalismo. "Sou jornalista por total obra do acaso", avalia, referindo-se ao fato de a profissão ter sido sua terceira opção.
Pessoas especiais
Rosane chegou em Porto Alegre com 20 anos, e dividiu apartamento com a irmã Maria Luiza durante o período de faculdade. "Sempre fomos muito unidas, tanto que o apartamento tinha dois quartos e nós dividíamos o mesmo. Da mesma forma de quando erámos crianças", conta Rosane. A irmã costumava ficar acordada até que ela chegasse da faculdade, para conversarem antes de dormir. Maria Luiza confirma: "Somos muito companheiras. Sempre participamos muito da vida da outra. Se ela não fosse minha irmã, eu a escolheria para ser", derrete-se.
Outra pessoa importante para Rosane é o professor da Famecos Marques Leonam Borges da Cunha. O docente, segundo ela, é seu pronto socorro jornalístico. "Ele já me socorreu muitas vezes. Faz 25 anos que me formei e quase todo semestre assisto a uma aula dele", revela. Além da relação de professor e aluna, os dois tornaram-se grandes amigos, de ficar conversando por cinco horas sem parar. "Ele é espetacular", elogia.
Também tem laços fortes de amizade com as meninas da Confra, grupo de amigas com quem se encontra com frequência para ir ao cinema, tomar um café e até viajar. Todas trabalharam em algum momento da vida com Rosane em Zero Hora. A amizade construída na redação transpôs os limites do trabalho. Clarinha Glock, por exemplo, Rosane conheceu em 1989, quando ingressou no jornal. As duas começaram juntas no caderno de bairro ZH Zona Norte. "Desde aquela época mantemos uma relação forte de amizade e compartilhamos nossas experiências e as dúvidas, êxitos, frustrações e debates a respeito de Jornalismo", conta Clarinha. Para a colega de profissão, Rosane é capaz de escrever com sensibilidade, precisão, fidelidade e profundidade sobre qualquer tema.
Tremenda
Já foi crítica de TV sem ter o aparelho em casa e chegou a passar no teste Caras Novas, da RBS TV. Na mesma época, porém, foi convidada para trabalhar no Diário do Sul, que estava sendo criado. Decidida pelo jornal, iniciou suas atividades no dia 4 de novembro de 1986, mesma data em que o diário começou a circular na capital gaúcha. Lá, foi pesquisadora da editoria de política. "Em uma época em que não existia Google", frisa.
Quando o jornal fechou, dois anos depois, Rosane refugiou-se em Anta Gorda, como ainda costuma fazer, para pensar. Tinha a ideia de ir trabalhar em São Paulo, como alguns colegas e amigos estavam fazendo. Mas, antes, decidiu bater na porta do Correio do Povo. Pegou um currículo e foi sem telefonar. O jornalista Cláudio Thomas, que mais tarde viria a trabalhar com ela no Grupo RBS, era editor do jornal e avisou que tinha uma vaga, mas para começar imediatamente. Topou na hora e lá trabalhou cerca de um ano, quando deixou o jornal para ingressar em ZH, em 1989.
Em pouco mais de duas décadas trabalhando no Grupo RBS, além de repórter e editora, atuou em projetos importantes como a implantação do Diário de Santa Maria, do jornal Hora de Santa Catarina, e dos sites hiperlocais e dos jornais da empresa. Uma de suas tarefas era contratar e treinar pessoas, o que ela faz até hoje e gosta muito. "A Rosane é daquelas profissionais multicapacitadas: não há função dentro de um jornal que ela não seja capaz de fazer", destaca Marta Gleich, diretora de Redação Zero Hora e Jornais RS.
Segundo a executiva, Rosane é uma como uma carta coringa. Atualmente, está à frente da editoria de Geral, a maior de ZH, mas, se preciso for, faz a capa, ou a produção, ou até mesmo os editoriais. "Dedicada e competente, com ela não tem erro: sempre entregará trabalho de alta qualidade", acrescenta Marta, que diz admirar muito a Tremenda, como a chama carinhosamente.
Uma segunda crise
Quando o assunto é texto, Rosane deixa clara que prefere crônica a reportagem, jornalismo literário a hard news, e que gosta de ter tempo para escrever. A leitura, considerada por ela item importante para quem quer escrever bons textos, também está entre seus prazeres. Como um de seus títulos preferidos tem Tia Júlia e o Escrevinhador, de Mário Vargas Llosa.
Prestes a completar 50 anos, avisa que está entrando em crise - a segunda, já que aos 40 também foi acometida pelo drama. Quando completou quatro décadas de vida, havia marcado uma grande festa com os amigos e familiares, mas quase desmarcou tudo em cima da hora. "Eu não quero fazer 40", dizia ela. Agora,  decidiu-se por uma viagem, claro, desta vez para Praga e Viena, sozinha, como também gosta de estar em seus tours pelo mundo.
Só, longe de casa, procura fazer programas como ir ao teatro, cinema, assistir a um show de ópera. E também escolhe um bom restaurante - se não perdesse o romantismo, gostaria de ter um - e chega a passar de duas a três horas desfrutando o local. "Restaurante é um lugar onde eu fico feliz", conta. Provocada sobre o melhor de Porto Alegre, afirma que, em sua opinião, é o Iaiá, no bairro Tristeza. O melhor de todos? Não sabe dizer, mas aponta a culinária portuguesa como uma de suas preferidas.
Ao contrário do que possa parecer, Rosane não gosta de cozinhar. Sempre que pode, dá um jeito de escapar da função. Mas adora receber os amigos em casa, que acabam cozinhando para ela. Tem uma cozinha superequipada, mas só para "chefs convidados". Dedicada à família e aos amigos, leva a sério os encontros que agenda. "Se alguém desmarca eu fico furiosa e eles sabem disso", diz.
Sem filhos, gosta muito de sua vida assim. "Costumo dizer que Deus não me deu filhos, mas o diabo me deu sobrinhos. Tenho sete", conta. Além disso, tem oito afilhados. Tornou-se, não sabe bem como, referência para muitos deles e para a família. "Às vezes, os sobrinhos e afilhados me consultam antes de seus próprios pais sobre as decisões que precisam tomar."
Resolvida com suas escolhas, adianta singelamente que é uma mulher que tem onde cair morta. Literalmente. Elas e os irmãos já deixaram tudo preparado para serem enterrados junto dos pais, em Anta Gorda. Os sobrinhos, que há pouco tempo souberam desta decisão, reclamaram seus direitos: querem estar todos juntos. Já que o assunto é esse, ela aproveita para contar que também escolheu seu epitáfio. Quando morrer, quer que escrevam em sua lápide: "Would you like to rephrase it"? E você, gostaria de refazer? "Acho que sim. Tínhamos que ter uma segunda chance", acredita. Mas viveria de trás para a frente, como no filme O curioso caso de Benjamim Button, do diretor David Fincher. Terminaria vivendo intensamente seus primeiros dez anos de vida, "os melhores de todos até aqui, com certeza".
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