Se a vida é feita de narrativas, Ricardo Piagetti Müller parece preferir contá-la de duas formas: em silêncio, pelas páginas de um livro, ou com humor, em frases curtas que revelam mais do que aparentam. Diretor de criação da Pro Target, agência de Novo Hamburgo dirigida pela mãe desde 1982, Ricardo é um publicitário de poucas palavras, mas de muitas referências. Ama ler, ouvir música e escrever, talvez porque tenha descoberto cedo que, nos detalhes, está a força da criação.
Nascido em 8 de fevereiro de 1991, em Novo Hamburgo, filho da publicitária Maria Helena Piagetti Müller, conhecida como Nena, e do engenheiro Osvaldo Müller, Ricardo cresceu cercado de estímulos criativos. Teve na irmã Annie uma companheira de infância, e nas viagens para Gramado, um cenário de tranquilidade e descobertas, em uma época que ainda dava para andar tranquilamente de bicicleta pelas ruas da cidade.
Na infância, o menino que morava em apartamento ia diariamente ao clube: lugar para brincar, conviver e, sobretudo, jogar tênis. Inspirado pelo ex-tenista Gustavo Kuerten, treinava diariamente. Novo Hamburgo tinha até uma conexão especial com esse universo: o técnico de Guga, Larri Passos, nasceu lá e costumava circular pela cidade. A inspiração, portanto, não era apenas televisiva, mas parte do ambiente que o cercava.
Assim como no tênis, em que aprendia a repetir movimentos até encontrar seu próprio estilo, Ricardo cresceu cercado pelo exemplo da mãe publicitária, do pai engenheiro e da irmã, que mais tarde estaria ao seu lado na Pro Target. Talvez já ali, sem perceber, começasse a entender que talento floresce quando encontra apoio ? dentro e fora de casa.
A escolha pela Criação
Antes mesmo da faculdade, Ricardo já havia feito curso técnico em Marketing na escola e um estágio na Rádio União, aos 16 anos. A Publicidade, quando chegou, foi quase um caminho natural. Na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), encontrou o espaço ideal para viver as primeiras experiências. Na agência experimental da faculdade, a Code, trabalhou como redator em campanhas premiadas, como a da Casa de Cultura Mario Quintana.
Ainda no período universitário, buscou formação complementar na Perestroika, onde conheceu André Kassu, referência criativa que segue inspirando sua trajetória. Depois, veio o estágio na Paim, com clientes de peso como a Renner. Cada passo parecia reforçar um gosto especial, o de escrever, de transformar ideias em campanhas, de dar voz a marcas.
Londres: um capítulo europeu
Em 2013, decidiu atravessar o oceano e fazer uma pós-graduação em Marketing Digital em Londres. A experiência foi mais do que acadêmica, foi de vida. Morou fora, viajou por dezenas de países da Europa, trabalhou com design thinking e inovação em produto, algo novo para ele. Descobriu, nesse processo, que sua verdadeira paixão continuava sendo a Criação.
A vivência londrina foi intensa e jovem, marcada por viagens, descobertas culturais e uma rotina cosmopolita. Mas em 2015, de volta ao Brasil, Ricardo retomou um caminho que já estava em sua origem: a Pro Target.
O legado da família
A agência é uma das raras agências de Publicidade com mais de 40 anos de história no Rio Grande do Sul ? e dirigida por uma mulher desde 1982. ?É raro ver uma mulher no comando de uma empresa no Brasil por tanto tempo. No Rio Grande do Sul então? Acho que só minha mãe?, orgulha-se. Nena sempre foi referência de ousadia e sensibilidade no mercado. Foi dela a condução de grandes marcas como Ortopé, Via Marte e Calçados Pegada. Ricardo cresceu observando esse universo, ainda que sem imaginar, à época, que faria parte dele.
Quando assumiu a agência, trouxe consigo a bagagem de redator, estrategista e criativo. Aprendeu que Publicidade não é apenas exercício de imaginação, mas também de negócios e relações. Hoje, divide a gestão com a mãe, que segue como mentora, com a irmã Annie, responsável pelos relacionamentos, e com o pai Osvaldo, que atua como diretor financeiro.
São cerca de 40 profissionais que fazem da Pro Target, um espaço de colaboração. ?Existem três pilares que aprendi a valorizar: o exercício da criação, o entendimento de negócios e o relacionamento. Publicidade é sobre pessoas?, resume Ricardo.
Poesia em tempos de pandemia
Durante o isolamento causado pela Covid-19, Ricardo encontrou refúgio na escrita. Entre 2020 e 2021, produziu 'No mais profundo diálogo com nada', textos com cerca de 80 páginas, entre poemas e relatos, muitos deles acompanhados de fotografias. Reuniu, imprimiu e distribuiu a amigos próximos. Um exercício autoral que lhe permitiu registrar a angústia e a esperança de um tempo coletivo. ?Foi muito bem aceito pela crítica, mas só porque só eu li?, brinca, em uma de suas tiradas bem-humoradas.
Essa faceta literária não surpreende quem, nos dias de folga, transforma leitura em ritual. Ricardo lê de tudo: de Machado de Assis a escritores mais atuais como os gaúchos Carol Bensimon e Daniel Galera. Ele intercala as leituras entre um autor do século passado e um escritor contemporâneo. Para ele, a literatura é ferramenta de compreensão: dos outros, de si mesmo e do mundo.
Se a palavra escrita é um porto, a música é a paisagem em movimento. Ricardo organiza mais de 20 playlists que viajam entre o rock dos anos 1960 e a Música Popular Brasileira (MPB). Também toca piano e violão, herança de sua avó, que lhe ensinou as primeiras notas. Já foi assíduo em shows, mas hoje prefere o silêncio íntimo da escuta em casa.
Família, humor e futuro
Casado com Andreza, médica neonatologista, desde 2021, Ricardo se prepara para viver um novo capítulo: a chegada da primeira filha. O casal se conheceu ainda no colégio, em 2008, e manteve a relação mesmo vivendo em cidades diferentes por mais de uma década. A brincadeira dentro da agência já está lançada: ?Vai ser a pauta mais difícil da minha vida?, diz ele, rindo.
Na rotina, equilibra o trabalho na agência com corridas e treinos funcionais, prática que adotou há quatro anos para cuidar da saúde física e mental. Nos fins de semana, costuma se refugiar em Walahay - localidade de Morro Reuter -, a casa da família, onde o tempo desacelera.
O homem por trás dos negócios
Torcedor do Grêmio, ainda que mais distante dos estádios, Ricardo também aprecia viagens, esportes e bons encontros. Gosta de experimentar bebidas típicas em diferentes lugares do mundo, colecionando sabores como memórias, do licor de mirto na Sardenha ao vinho de uma pequena vinícola europeia.
Define-se como compreensivo, mas admite a ansiedade como um ponto de atenção. ?Nossa profissão já é ansiógena. Às vezes, penso tanto no futuro que esqueço de aproveitar o presente. Preciso aprender a saborear mais os momentos.?
Para os próximos 10 anos, o desejo é continuar elevando o nível do trabalho da Pro Target, mas sem perder de vista o essencial: crescer com leveza. ?Primeiro, pensamos em melhorar. Depois, em crescer. O mercado é competitivo, mas o que importa é a qualidade, não a quantidade.?
Seu lema não é fixo, mas uma prática: seguir em frente, puxando pessoas para cima. Talvez esteja aí a receita de vida de Ricardo Müller, alguém que transforma timidez em observação, silêncio em palavra e palavra em criação. Entre livros, músicas e campanhas, ele segue costurando histórias, algumas para marcas, outras para si mesmo. Todas com a delicadeza de quem sabe que criar é, antes de tudo, um gesto de humanidade.