Tatata Pimentel: Um agitador tranqüilo

Ele dividiu-se entre a docência e a Comunicação, e o perfil que exibe no programa Gente da Noite, na TV, não tem quase nada a ver com a vida privada: prefere ler, solitário, em casa.

Competência, capricho, técnica e tesão são os ingredientes essenciais da fórmula de sucesso de Roberto Valfredo Bicca Pimentel, 68 anos. Ou melhor, de Tatata Pimentel, como ele é conhecido graças a um apelido de origem familiar que se tornou uma identidade profissional. Tatata acumula três formações acadêmicas - Jornalismo, Letras e Direito - e está há dez anos no ar com o programa Gente da Noite, exibido pela TVCom. Com uma vida pessoal regrada e avessa a badalações, ele surpreende e se distancia da imagem criada por sua atuação na televisão.


Filho da alegretense Zaíra e do carioca Alcyr, Tatata nasceu no município de Santa Maria, assim como suas duas irmãs mais novas, Janise e Vera. A mudança para Porto Alegre aconteceu cedo, quando ele tinha apenas sete anos, e fez com que adotasse a capital com grande carinho. "É como se eu fosse natural daqui", explica. Filho de uma professora de Literatura, ele cultiva o gosto pelos livros desde criança e cresceu rodeado por histórias e personagens fascinantes. Seu pai também estimulava a leitura: "Ele sempre oportunizou que nós tivéssemos enciclopédias em casa", relembra.


Durante a adolescência, na década de 50, realizou os estudos no tradicional Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Paralelamente, freqüentou aulas de francês, teatro e balé. No momento do vestibular, optou com segurança pela graduação em Letras Neolatinas. Entretanto , o receio pela reprovação no exame fez com que concorresse também a uma vaga no curso de Direito. Acabou admitido em ambas as áreas e, por pressão da família, efetivou as duas matrículas, em 1959, dando início à vida acadêmica - ora prazerosa, ora tortuosa. "Nunca me passou pela cabeça ser advogado e, mesmo obtendo o diploma, jamais exerci a profissão", revela, falando dos conhecimentos que adquiriu.


Assim, tornou-se bacharel em Direito em 1963, cumprindo à risca os cinco anos de graduação. Em contrapartida, levou nove para concluir o curso de Letras, formando-se em 1968. O atraso ele justifica com a escolha pela carreira de professor, que lhe exigiu tempo. "Comecei a lecionar já no segundo ano da faculdade", esclarece. A partir daí, seguiram-se décadas dedicadas exclusivamente ao ensino. Três instituições se destacaram nessa trajetória. O Júlio de Castilhos, por onde já havia passado na condição de aluno, a escola de idiomas Infante Don Henrique e a escola agrícola Daniel de Oliveira Paiva, um internato para filhos de lavradores, situado em Cachoeirinha.


Gente da Noite


Dos tempos de sala de aula, Tatata traz o hábito de trabalhar à noite, o que, mais adiante, se tornou uma marca profissional. "Sempre fui professor de 40 horas, atuante em dois turnos. No meu caso, tarde e noite", define. Mesmo satisfeito com a docência, ele apostou em uma grande mudança em 1980, quando aceitou o convite do amigo José Antônio Daudt, que assumia o posto de diretor executivo da TVE, para assessorá-lo na nova tarefa. "Deixei as escolas e me tornei assessor do Daudt", relata, confiante na escolha que fez. Esforçado, buscou qualificação para exercer a Comunicação e, no mesmo ano, ingressou no curso de Jornalismo da PUCRS, contabilizando sua terceira graduação.


Formou-se em 1984, dando continuidade aos estudos na pós-graduação - recém-instalada pela Faculdade. Hoje, é doutor em Literatura. Seu empenho chamou a atenção da coordenação do curso, que o convidou, em 1987, para lecionar Português na universidade. Ele aceitou a proposta e, assim que concluiu sua passagem pela TVE, voltou a dar aulas, incorporando a atividade por mais 13 anos. Enquanto isso, descobria um mundo ainda pouco explorado por ele, o da televisão. "Na década de 70, participei como jurado de alguns programas de auditório. Nessa época, a TV engatinhava e esse tipo de atração era um sucesso", conta.


Alguns anos mais tarde, dois grandes programas dividiram a audiência gaúcha, o Jornal do Almoço e o Porto Visão. Curiosamente, os dois eram apresentados ao meio-dia, horário pouco popular em outras regiões do país. Criado por Clóvis Duarte, o Porto Visão, na então TV Difusora, reunia pessoas de diversas áreas. Entre os temas em pauta estava a política, que acabou abrindo espaço para a entrada de Tatata. "Eu falava sobre política na Rádio Difusora AM e fui chamado para substituir o Fogaça, que estava saindo do programa, e apresentar um quadro diário." Como a atração era transmitida ao meio-dia, ele pôde conciliar bem a atuação na televisão e as aulas ministradas na PUC.


Integrar o Porto Visão significou um marco para sua carreira na televisão. A partir de então, muitos outros convites surgiram de diversas emissoras, para diferentes tipos de programas. "Entre uma participação e outra, acabei passando por praticamente todas as emissoras de Porto Alegre", assegura. Mas é em 1996 que ele se depara com a melhor chance de trabalho na área. A oportunidade vinha da TVCom, onde o projeto de um programa chamado Gente da Noite carecia de um apresentador e adaptava-se muito bem ao seu perfil. A proposta era trazer ao público a cobertura diária dos eventos da noite porto-alegrense.


"No começo, o Gente da Noite tinha um perfil Otávio Mesquita, que eu não gosto. Com o tempo, a estrutura foi sendo modificada", conta, fazendo uma retrospectiva dos 10 anos em que está no ar. "Hoje, faço a cobertura de eventos como óperas, sessões de autógrafos e conferências", ressalta. E assegura que, apesar de trabalhar com equipes de produção e edição, sempre conseguiu dar a sua cara ao programa. De fato, o Gente da Noite ganhou marcas tão pessoais que, durante o período de férias do apresentador, ninguém se aventura a assumir a atração, o que resulta em 30 dias de reprise.   


O desligamento oficial da PUC e da vida de professor se deu no ano de 2000, quando ele optou por dedicar-se especialmente à TVCom. "Eu tive que fazer uma escolha", garante, usando a falta de tempo para unir as duas ocupações como principal justificativa. "Eu já estava aposentado dos colégios e me sentia contrariado com algumas mudanças curriculares e estruturais pelas quais a PUC vinha passando. Então, não pensei duas vezes, decidi pela TV", complementa. Tranqüilo, entende ter seguido o caminho certo e diz não sentir falta das salas de aula. 


Além da condução do Gente da Noite, ele ainda integra o time de apresentadores do Café TVCom, ao lado de Tânia Carvalho, Túlio Milman, José Antônio Pinheiro Machado, David Coimbra e Thedy Corrêa. "Eu e a Tânia somos os dois velhinhos da TVCom", diverte-se, falando da colega que também possui 10 anos de casa. O programa traz discussões sobre atualidades nas áreas de cultura e comportamento. "Eu sempre levo algum material para comentar, um livro ou um disco", descreve.


Tatata também mantém colunas fixas nas revistas Versatille, de moda, e Conqualy, da empresa Guarida Imóveis. Seu plano profissional no momento é continuar fazendo TV. "Seguirei no ar enquanto a RBS me quiser", brinca. Satisfeito, ele fala que sua grande glória foi sempre ter trabalhado com o que gosta, a literatura e a televisão. "Fiz tudo o que eu queria. Lecionei na universidade e conquistei meu próprio programa, por isso que eu não tenho planos ambiciosos", conclui.


As aparências enganam


Metódico, o apresentador segue uma rotina. Grava às terças, quintas e sextas à noite. Nas segundas e quartas, pesquisa materiais e escolhe eventos para suas coberturas, além de produzir textos para alguns impressos. Aos finais de semana, ouve música e passeia e assegura não assistir à televisão. Acorda cedo todos os dias, em torno das sete da manhã, e dorme tarde, sempre de madrugada, aproveitando o tempo ao máximo. "Não sinto necessidade de dormir muitas horas", explica. A preparação para o trabalho no vídeo começa às 17h, ainda em casa, quando ele elege o figurino - de acordo com a temática do programa - e trata da aparência.


Taxativo, ele garante não ser vaidoso e associa os cuidados estéticos à linguagem da televisão e ao seu profissionalismo. "Eu sou o jornalista que circula nos eventos e preciso estar de acordo com cada ocasião. Meu visual varia entre as raves e os concertos", esclarece. Sem problemas para cumprir tais exigências, ele oferece aos seus espectadores figurinos caprichados, mas diz não manter este padrão fora do ambiente de trabalho. "É tudo fantasia, ninguém se veste normalmente para fazer TV", constata. Ele define a vaidade como um sinônimo para o exibicionismo e diz não ser este o seu caso.


Outra característica que o distancia da imagem criada por sua atuação na televisão é o desinteresse pelas badalações. Sua presença em festas e eventos é restrita à gravação do Gente da Noite e encarada por ele como um compromisso de trabalho. Nos momentos de folga, aprecia a música clássica - tendo Bach como preferido - nos diversos aparelhos de som distribuídos pela casa em que mora sozinho. O silêncio da residência propicia ainda o exercício de outro hobby, a leitura. Em seu ranking, a literatura francesa ocupa a primeira posição, seguida pela brasileira e pela portuguesa. Entretanto, Tatata lê de tudo, e tem o gosto facilitado por seus conhecimentos em línguas estrangeiras. Além do português, fala francês, italiano, espanhol e latim.


Suas férias, sempre no mês de fevereiro, têm destino certo, a Europa. "Minha meta pessoal é ter dinheiro para realizar essa viagem todos os anos", confidencia. Embora já conheça praticamente todos os países do continente, redescobre cada um deles com roteiros que projeta antecipadamente. Atualmente, está voltado para o Leste Europeu e planeja passeios pela República Tcheca, pela Áustria e pela Hungria. "E pela Alemanha, pela qual estou apaixonado", conta com entusiasmo.


Em Porto Alegre ou no exterior, Tatata mantém o costume de fumar um maço de cigarros de dia e outro à noite e não é adepto de nenhuma atividade física. "Meu esporte é correr madrugada adentro, subindo e descendo escadarias para fazer as reportagens", assinala. Contudo, pratica caminhadas semanais no Parque Redenção, situado próximo a sua casa. Realizado profissionalmente e com uma vida pessoal regrada, ele se sente desafiado pela possibilidade de escrever um livro, mas ainda não encontrou o momento adequado. "As pessoas descobriram que eu escrevo há pouco, minha imagem está muito relacionada à televisão", explica.


Exigente quanto ao mercado editorial, ele critica grande parte das publicações em circulação. "Hoje em dia, muita gente escreve e publica e qualquer bobagem vira livro. Mas os leitores também se contentam com pouco, então isso não chega a ser um problema", ironiza. "Como sou professor e doutor em Literatura, eu sei o que merece ser posto no papel e o que não vale a pena", explica seu zelo para a produção de uma obra. Entre dúvidas e revoltas, fica a expectativa do lançamento.

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