Tatiana Cortes Gomes é dessas pessoas que acreditam que sonhar é só o primeiro passo; e o segundo é se mexer. Otimista, é daquelas que olham para uma enchente e enxergam a chance de passar 10 dias raros ao lado do pai em uma convivência simples e sincera.
E é uma mulher de atitude. Se precisa mudar de país para aprender inglês de verdade, muda. Se tem vontade de fazer um curso de locução, faz até mais de um, até sentir que aprendeu o suficiente. Encara a vida com o senso de humor fino de quem já ouviu muitas vezes a mãe dizer: "Tu inventa moda, né, Tatiana?". E ela inventa mesmo.
Do português ao plurilíngue
Tatiana veio ao mundo em 10 de abril de 1963, como a primogênita de uma casa que logo se tornaria mais movimentada. Os pais tiveram cinco filhos, sendo quatro meninas e, por persistência do pai, Valdir Gomes, um único menino, nascido quando a mãe, Nair Cortes, já estava com 41 anos. Apesar dos pais serem cruzaltenses, a jornalista nasceu em Porto Alegre, apenas 10 meses depois da mudança para a Capital. A mãe, que perdeu para o câncer em 2008, deixou marcas profundas; o pai, com 85 anos, segue como referência e presença.
Tinha sete anos quando o Brasil levantou a taça da Copa do Mundo de 1970, mas seu interesse estava em outro lugar: nos idiomas. Foi nessa época que o pai a matriculou nas aulas de inglês da professora Iara, de quem foi a primeira aluna. Tatiana ainda lembra do aroma de vinil novo, que vinha de um compacto simples, recém retirado da embalagem e repleto de lições em inglês. "Nunca me esqueço daquele cheirinho de vinil novinho e também de como a professora foi assertiva, porque ela começou primeiro me fazendo ouvir em inglês, e só depois falar", explica.
Foi o início de um modo de ver o mundo, com outras línguas e possibilidades. E anos depois da primeira vez que sentiu o cheiro daquele vinil compacto, a curiosidade continuava viva. O russo surgiu na vida da jornalista ainda na adolescência, por um amigo que viria a se tornar diplomata. "Ele dava aula para mim e para a irmã dele. Queria ter experiência em dar aula de russo, então era de graça", salienta. Hoje, ela tem uma professora russa em Porto Alegre com quem mantém um grupo de estudos.
Há dois anos, Tatiana também decidiu aprender espanhol, mas não queria apenas arranhar no "portunhol". Por isso, viajou para Buenos Aires, onde passou um mês. "Tem o francês também, que adoro. Gosto de transitar pelos idiomas. Mas meu objetivo para a aposentadoria é chegar ao nível B1 em todos esses idiomas", projeta. E vale ressaltar que a proficiência em inglês não deve demorar tanto, já que, hoje, é aluna do quarto semestre de licenciatura em Letras - Inglês, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde divide os corredores com a filha, Júlia, que aos 22 anos está no quarto semestre de Relações Públicas. "Estar cursando Inglês é um parêntese lá da infância, que está se fechando", pontua, referindo-se ao interesse precoce pelo idioma.
Idas e vindas
Durante a infância de Tatiana, a família voltou para Cruz Alta por um breve período. Nesta época, o pai trabalhava como jornalista no Diário Serrano, onde, aos 12 anos, ela teve seu primeiro contato com a Comunicação. "Era como se fosse estagiária. Ficava na recepção, atendia o telefone e fazia as assinaturas e a expedição dos jornais. Então, me convidaram para escrever no jornal e eu fiz uma coluninha", relata. Seu primeiro texto foi batizado de 'O que é Jornalismo?' e ela respondeu à pergunta depois de pesquisar na biblioteca e conversar com jornalistas.
No entanto, em 1981, no seu primeiro vestibular, optou pela Engenharia Civil, que cursou por três anos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). "Mas quando cheguei no cálculo estrutural, eu disse: chega, não quero mais", conta. Só que antes de "se jogar" no mundo da Comunicação, Tatiana seguiu o conselho do pai e buscou a estabilidade financeira por meio de um concurso para o Banrisul, em 1988. Sendo assim, foi só em 1990 que ela entrou no curso de Jornalismo, também na PUCRS. Foi lá que, sob a batuta do professor João Brito, logo se apaixonou pelo radiojornalismo.
O encanto pelos microfones, pelos idiomas e o trabalho no banco se tornaram paralelos e se somaram a outro gosto: o de viajar. Em 1992, trancou a faculdade e pediu licença do Banrisul para um estudo aprofundado do inglês. Com a coragem de quem aos 15 anos deixou de lado uma festa e preferiu pegar um ônibus sozinha para ir de Porto Alegre à São Paulo, Tatiana foi para Londres, onde uma estadia de oito meses acabou virando moradia de quatro anos e meio. "Eu queria aprender inglês de verdade", afirma. Na Inglaterra, trabalhou, estudou e fez amizades com pessoas do mundo inteiro.
E também explorou a Europa. Antes de voltar ao Brasil, mais uma empreitada: "Juntei dinheiro para viajar por dois meses, indo até a Rússia". Contudo, a motivação para voltar ao Brasil foi a mesma para retomar o Jornalismo. "Bati na porta da BBC para fazer um curso e recebi a cartinha que tinha sido aceita, mas precisava ter a graduação", explica. Com a retomada, também procurou estágios e teve experiências no Jornal do Comércio e na rádio Educadora. Na rádio Bandeirantes, apresentou o 'Madrugada na Band', que foi objeto do TCC e com o qual conquistou o canudo em 2000.
Voltar é também seguir em frente
Foi também no retorno de Londres que criou no Banrisul o Departamento de Línguas Estrangeiras. "Tinha ideias de como as pessoas poderiam aprender inglês e fazia muita conversação", conta. Com 37 anos de casa, Tatiana explica que já foi cedida para outros órgãos, mas que nunca deixou o banco. Foi assim que, em 2000, teve uma experiência na Secretaria Estadual da Agricultura. "Peguei o período da febre aftosa, que foi muito triste para o Estado", explica.
Dessa época, Tatiana lembra de acompanhar o então secretário José Hermeto Hoffmann durante uma viagem para Jóia, em que ele concedeu 24 entrevistas de dentro do carro. "Uma delas para a BBC de Londres. Assim, percebi que fui transitando em diferentes áreas e elas foram se conectando. Às vezes, a gente não consegue enxergar isso", pondera. Depois dessa passagem, reencontrou o Jornalismo na assessoria de imprensa do próprio Banrisul, onde trabalhou ao lado de nomes como Denise Mantovani, Nikão Duarte e Soraia Hanna. "A Soraia foi a única que conseguiu me levar para a assessoria e sou muito grata por isso", diz.
Em alguns momentos até cogitou sair do banco e seguir carreira no rádio, mas não foi possível: "Seria irresponsável comigo mesma". Na assessoria, além de escrever e apurar, passou a viajar pelo interior do Rio Grande do Sul, visitando propriedades rurais e fazendo reportagens sobre a situação dos agricultores. Hoje, a jornalista está na gestão de redes sociais, mas já vem se preparando para a aposentadoria. "Ouvia colegas dizendo: 'poxa, não sei o que fazer da vida depois'", relata.
Mas ela sabe muito bem. Junto com a graduação em Inglês, um novo chamado surgiu: o do ensino. Ela é voluntária em uma iniciativa que oferece aulas de idiomas para refugiados. "Quero acolher, fazer com que eles se sintam em casa e ajudar no português", afirma. Inclusive, ela já pensa até em um canal no YouTube - não para monetizar, mas para ser um agente de transformação. "Eu adoro o verbo 'compartilhar', que é o 'share', do inglês, e o 'partager', do francês. Não existe verbo mais lindo", afirma.
Inclusive, essa não é a primeira vez que Tatiana atua como voluntária. Apaixonada pela ginástica rítmica, em 2016 se voluntariou para as Olimpíadas, onde ficou alocada nesta modalidade. "Aliás, comecei o voluntariado na Copa do Mundo de 2014. Eu, gremista, trabalhei no Beira-Rio. Mas foi inesquecível, uma experiência única", relata. Desde então esteve presente em mais competições, como a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, oportunidade em que foi acompanhada pela filha, e também nas Olimpíadas de Paris, em 2024. E a ideia é continuar: "Como é que vou estar daqui 10 anos? Sendo voluntária das Olimpíadas, da Copa do Mundo e da Copa do Mundo Feminina, que será aqui no Brasil".
Retribuindo
O rádio também deve seguir na rotina por muito tempo. Atualmente, ela está na FM Cultura, com o programa 'Conexão 30', que foi viabilizado pela Associação Rio Grandense de Imprensa (ARI) e vai ao ar aos domingos, às 11h. Apesar do trabalho para marcar as entrevistas, gravar o programa e colocar no ar, a recompensa sempre vem. "Quando ouço no domingo, fico na condição de ouvinte. E não fico procurando onde tem que melhorar. Eu simplesmente curto e acabo me dando conta de detalhes que não percebo quando estou fazendo a edição. É muito bom", afirma.
E ela não vê o rádio apenas como um trabalho, pois considera um hobby. Durante a pandemia, enquanto o mundo parava e se retraía, Tatiana ocupou o silêncio com a voz. Transformou um dos quartos da casa em um estúdio e aproveitou o tempo que o isolamento ofereceu para se dedicar ao sonho antigo de fazer um curso de locução. Encontrou uma professora, esperou meses pela abertura da turma e mergulhou. Quando terminou, quis mais e procurou outro curso, para aprender outra metodologia. "Então, eu pensei: 'Quem sabe vou fazer um curso de locução em inglês'. Só eu mesmo, né? E fiz por mais quatro semanas", relata.
E ao invés de encarar o futuro como incógnita, ela o vê como uma estrada aberta, até porque toda essa habilidade será aplicada em outro projeto. O 'Conversa de Jornalista', da ARI, retorna à programação da rádio da Universidade, da Ufrgs, e Tatiana faz parte desse momento. "Vai ser muito trabalho", afirma. O fato é que ela não pensa em parar, pensa em retribuir. À mãe, ao pai, ao rádio, ao banco, à vida. E assim como a andorinha que carrega tatuada no braço, ela quer seguir por aí, livre, leve, otimista e voando as tranças. "Significa liberdade, desfazer barreiras e fronteiras. E também significa idioma e conexão com o mundo, com diferentes culturas, com os amigos, com a família, com pessoas em geral."