Morya: Uma família discreta

Agência do Ano no Salão ARP 2019 não fez campanha para levar o título e não é facilmente encontrada na internet

Após um período sabático de mais ou menos um ano, Fábio Bernardi, que trabalhava com Lara Piccoli na Paim, convidou-a então para pensarem juntos sobre um próximo negócio. A ideia era inicial do casal era abrir uma consultoria, para levarem uma vida mais leve e tranquila. O objetivo de ambos era trabalhar com estratégia e criação - que, juntas, são conhecidas como Estratégia Criativa -, o que melhor se alinhava com as experiências que já tinham de mercado.

O plano mudou após um encontro com Sérgio Valente, durante um Festival Mundial de Publicidade de Gramado. Valente comentou, pedindo segredo, que o Grupo ABC queria investir em Porto Alegre. Na época, a Morya, que havia aberto uma operação em Porto Alegre em dezembro de 2010, tinha como único cliente o Hipermercado Big, da rede mundial do Walmart, atendido em parceria com um escritório África, que era responsável pela conta da multinacional. Lara e Fábio afirmam que passaram por um período em que muitas dúvidas surgiram. "Nossa questão principal era com relação à distância e à comunicação com o grupo", esclarece Lara. Apesar disso, o casal viajou para Salvador, no feriado de Independência do Brasil - 7 de setembro - de 2011 para conhecer o quadro societário da Morya Salvador e ouvir a proposta que tinham para transformar a operação em uma agência. O encontro resultou no fechamento de um acordo, que entrou em vigor em janeiro de 2012.

Desde então, Lara e Fábio estão à frente desta que, conforme eles, é uma agência horizontal, onde a autonomia e a "alma de família" são os princípios norteadores. Não há quadros com missão, visão e valores em nenhuma das paredes da empresa, porque os chefes acreditam que as responsabilidades e o compromisso com a ética têm que estar internalizados na consciência de cada um. A prova de fogo aconteceu neste ano, com o nascimento de Santiago, filho do casal, algo que provocou o afastamento dos gestores. Ambos se ausentaram - ele por dois meses; ela por sete -, o que serviu para dar como certo, para eles e o grupo de lideranças das equipes, que trabalhar próximos é bom, mas que não há dependência. 

A confirmação de que a confiança é a peça-chave do negócio, segundo os sócios, se deu durante o Salão ARP 2019, quando a Morya foi eleita Agência do Ano e teve personagens importantes de sua equipe também sendo premiados - Andrea Monteiro, como Profissional de Atendimento; Denise Marusiak, como Profissional de Mídia; Edgar Demutti, como Profissional de Planejamento; e Lori Pintos, como Produção e/ou Finalização de Agência. "Não só nós dois, mas eles também puderam ver que nossa ausência causou amadurecimento", considera Lara.

Brilhando sem holofotes

Apesar de ter constituído uma equipe que hoje trabalha de forma integrada, com online e offline, e ter recrutado profissionais de diversos gêneros, idades, crenças, habilidades e formações, a Morya não tem fan page própria no Facebook - quando o nome da agência é pesquisado, o resultado é o escritório de Salvador - nem site - esse está sendo construído e deve ser lançado em fevereiro de 2020. A empresa não tem como cultura evidenciar conquistas e trabalhos que realizados junto aos clientes, algo que é entendido por Fábio como um sinônimo de preocupação com o processo e com a entrega. "A gente aguarda saber como o cliente pretende divulgar. Jamais vamos 'furar' ele, mostrando antes", complementa ele.

Mesmo sem externar seus feitos, a Morya já foi eleita Agência do Ano também em 2016 e chegou à final em outras duas oportunidades. Isso, conforme Fábio, é motivo de orgulho para uma equipe que tem o sentimento familiar no DNA. "Claro que é muito legal ganhar o título, mas gosto muito mais da indicação. Esta é feita antes de uma campanha para realmente ganhar", garante ele, que ressalta que não houve grandes esforços por parte dos diretores.

Para Lara, a característica principal é ser low profile - discreto, algo que é entendido por ela como a desmistificação de que o mercado publicitário se autopromove de maneira exacerbada. A sócia defende que só é preciso divulgar aquilo que realmente for relevante e de interesse público. "Isso acaba sendo uma divulgação reversa, porque dizem que a gente é um mistério", diz, aos risos.

Primeiro, as pessoas

A senioridade da linha de frente da operação e o tempo de atuação desses profissionais dentro da empresa, além da clareza de ter a dupla de sócios presente em todas as fases do processo, são características apontadas pelo Diretor de Criação, Gregório Leal, como fundamentais para o sucesso do negócio. A união dos profissionais dentro e fora da sede também é destacada como um diferencial significativo para o trabalho. Conforme Leal, algo que chama a atenção é a formação de amizades.

Colocar as pessoas em primeiro plano é o lema citado por Fábio ao indicar o livro 'O cliente em segundo lugar', de Denis Walker. De acordo com ele, após a leitura, ficou compreendida a importância de flexibilizar horários e deixar todos à vontade para terem compromissos dentro do expediente. Ele esclarece que, quando a equipe entende isso, fica provocada a se dedicar ao máximo e ser capaz de julgar o que é prioridade. "Isso gera a dor de dono, uma entrega de corpo e alma para a agência e para as demandas", defende Lara.

Denise Marusiak, diretora de Mídia, confirma a liberdade para a organização dos cronogramas e a integração da equipe. Para ela, isso faz diferença quando o assunto é firmar contratos, onde os profissionais se entregam para as contas, como se fizessem parte do quadro societário. Milene Santos, diretora de Atendimento, que chegou na empresa quando a Morya atendia apenas ao Big, em 2010, também fala sobre a amizade recíproca que há com a gestão. A profissional conta que, quando a agência deixou de atender ao hipermercado, pensou que seria desligada, mas, pelo contrário, teve sua permanência garantida pelos sócios.

Grana, café e prazos

"Na maioria das vezes, o dinheiro não está na nossa equação de decisão." Foi a frase dita por Fábio para registrar que o que importa é a equipe, de fato. O sócio cita como exemplo o caso de uma profissional que havia sido integrada à equipe apenas como freelancer e estava com o filho doente, precisando de uma operação. Ela aguardava por uma vaga efetiva para ter estabilidade e conseguir arcar com o tratamento da criança. "Desde quando o meu dinheiro vale mais que uma criança curada?", questionou, contando que o desfecho foi uma contratação assim que ele soube da situação.

Na mesma linha, está a história de Melissa Bordin. Ela, que é gerente de Produção, saiu da empresa no ano passado, após seis anos, para ter novas experiências. Pouco mais de um ano depois, procurou Lara e Fábio para retornar à Morya, onde foi recebida de braços abertos pelo publicitário, que confessa ter ficado muito triste quando ela deixou a equipe. Ocorre que Melissa está grávida e tinha certeza de que não seria contratada. Fábio, porém, não só a quis mais ainda, como comemora o fato de tê-la na equipe, mesmo sabendo que ela ficará apenas quatro meses até sair de licença-maternidade. "Sinto que saí de casa para fazer um intercâmbio, mas sempre com muita saudade. Voltei com novas experiências e com uma surpresa", declara, confidenciando que o chefe demonstrou a vontade de ver sua barriga crescendo "perto da família".

Outro ponto de destaque é o local favorito da turma, que é tido como um investimento em felicidade: a cozinha, mais especificamente a máquina de café, que é liberada. Outrora, o equipamento foi criticado por ser sinônimo de gasto exagerado. Isso aconteceu até o dia em que houve uma pesquisa de clima de todo o Grupo ABC, o que resultou em ter a Morya em primeiro lugar exatamente por ter comentários sobre o "astro da casa" - a cafeteira -, conforme descreveu Fábio, aos risos.

Com o pensamento de que é preciso um querer mútuo entre agência e contas, o publicitário sugere que aquelas empresas que não ligam para o bem-estar da equipe, que não incentivam os profissionais a darem o seu melhor e que tentam exigir que os trabalhos sejam executados nos finais de semana não merecem ser atendidas pelos colaboradores da Morya. "Somos humanos. Quem não compreende isso, não sabe nada", completa.

 

 

 

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