Ansiedade algorítmica e o risco para a saúde mental dos profissionais da Comunicação

Busca incessante por acompanhar as mudanças tecnológicas e a necessidade de gerar bons resultados acendem um alerta para o setor

Bombardeios de informações por todos os lados, um feed infinito, a aflição causada pelo sentimento constante de estar perdendo algo ou o medo de ficar mal informado são sensações comuns em tempos atuais. O universo digital impacta diretamente nos padrões de consumo, mas também na saúde mental, com o crescimento de doenças como ansiedade e depressão. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgados em 2023 indicam que 26,8% dos brasileiros receberam diagnóstico médico de ansiedade, sendo prioritariamente jovens, entre 18 e 24 anos, o que representa um terço da população dessa faixa etária (31,6%). 

O algoritmo, presente nas ferramentas digitais, molda a forma como nos relacionamos com as tecnologias, com sugestões constantes de conteúdos e de produtos, que desenham os desejos de consumo, estimulam a competição e incentivam o anseio por cada vez mais likes. O termo ansiedade algorítmica está cada vez mais presente entre os debates sobre saúde mental, atingindo pessoas de todas as gerações. Ele define as sensações de angústia de usuários e produtores de conteúdo com relação ao algoritmo.

Para o pós-doutorando em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco Paulo Faltay Filho, a falta de transparência sobre como exatamente funcionam os algoritmos é um fator de estresse. "As ferramentas têm todas as informações de hábitos, palavras ditas ou escritas, tudo está sendo visto e armazenado. Isso, muitas vezes, gera estranhamento, principalmente em momentos em que o usuário percebe que a indicação foi muito certeira ou muito errônea", ressalta. 

A necessidade de estar bem informado ou de adquirir algo que alguma pessoa famosa faz uso já existia antes, mas agora há uma superexposição. "Cada vez mais, empresas estão trocando os investimentos da mídia tradicional para o digital. Há uma necessidade de mostrar o quanto antes e de forma atrativa, pois, devido à grande concorrência, as marcas não podem esperar que o consumidor procure o seu negócio. Então, estamos sendo bombardeados de vários modos, formatos e estilos", alerta o professor do Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor da ESPM-SP, Flávio Bizarrias. 

Mudança cultural

Há uma busca por informações e respostas rápidas, em um consumo do que está posto, seja a música proposta pelo aplicativo, as sugestões de filmes e séries, o sapato do anúncio ou o vídeo do influenciador. Dessa maneira, um questionamento válido é sobre estar tendo acesso ao que é de interesse ou estar sendo moldado pelo algoritmo. Os gostos pessoais podem ir mudando com o tempo e, com isso, surgem novas descobertas.   

A escolha automatizada traz comodidade, por ter recomendações de acordo com seu comportamento em uma grande oferta de informação. "Isso pode ser positivo por um lado, mas tende a nos manter em um certo ciclo de assuntos, opiniões e padrões. Acredito que o problema não seja o que é mostrado, e sim o que não é", defende Faltay Filho. "O consumidor quer o conforto da personalização, mas, para não entrarmos em um looping das mesmas temáticas, precisamos ter a consciência de como essa estratégia de engajamento é usada e termos um pensamento crítico", complementa Bizarrias.

A cultura e a vivência no digital alteram hábitos e comportamentos que impactam diretamente diferentes setores, especialmente o da comunicação. Se muito se fala sobre a saúde mental dos usuários das mídias digitais, as mudanças tecnológicas frequentes, a necessidade de atualização quase diária e a busca incessante por resultados exigem um cuidado redobrado dos profissionais da Comunicação. A expectativa para os próximos anos de pesquisadores e profissionais do mercado é de que as temáticas continuem em voga para que as reflexões gerem medidas com o intuito de minimizar os danos.

Comunicação atenta às mudanças 

O mercado digital brasileiro está em expansão, e as estratégias de marketing e comunicação são o diferencial para influenciar na compra de itens ou na utilização de serviços. Apenas no primeiro semestre de 2023, segundo pesquisa da Linx, o varejo on-line registrou um aumento de 20% em relação ao mesmo período do ano anterior, com forte tendência para compras realizadas em e-commerces com retirada de produtos em lojas físicas, que tiveram um acréscimo de 37%. E, para o Boston Consulting Group, organização de consultoria empresarial, a venda em omnichannel ainda deve ter um avanço de 40% em mercados emergentes. Como consequência, abre-se um espaço ainda maior para as ações de divulgação. "O comércio digital ainda tem muito o que crescer e as profissões ligadas a isso terão que lidar com essa transformação de consumo", afirma Bizarrias. 

O cenário exige um acompanhamento assíduo dos profissionais de marketing e comunicação, que seguem atentos também ao surgimento de novas tecnologias e atualizações nas regras das ferramentas para garantir uma boa exposição. A doutora em Psicologia e professora de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas Thaíse Mendes Farias alerta que as profissões vinculadas ao setor têm um alto grau de insalubridade psíquica, sendo afetadas diretamente pela ansiedade algorítmica. "O marketing digital tem grande potencial para gerar adoecimento nos profissionais, pois as atividades do trabalho se confundem com os momentos de lazer intermediados pelas redes sociais. Além disso, é fácil ultrapassar o horário convencional de trabalho com mensagens ou estímulos a qualquer hora", destaca. 

Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), em 2021, indicou que 34% dos profissionais de agências sentem ansiedade e têm ataques de pânico. "Além da pressão por resultados, dificuldades em ter um horário determinado, há a questão da desvalorização profissional, à medida que qualquer usuário pode produzir e replicar informações", diz Thaíse. 

A produtora de conteúdo e jornalista da FTCom, Daphne Constantinopolos, reflete sobre esses aspectos durante a rotina. "Enquanto profissional da agência, busco estar sempre atualizada sobre as mudanças, as notícias relacionadas às marcas e aos locais em que elas estão inseridas e, mesmo com uma prévia e análise da campanha com perfil de influenciadores com feat com a temática, se a aprovação vier um mês depois, por exemplo, já pode ter mudado tudo. Por isso, é importante não levar em consideração apenas os números", conta. 

A pressão de gerar conteúdo o tempo todo, todos os dias, com alta qualidade e inovação é outro fator de estresse. Enquanto produtora de conteúdo, o sentimento vem aliado à incerteza quanto à entrega. "Penso seguidamente sobre se as pessoas querem ver o que eu tenho a mostrar, se irá engajar e, quando as empresas confiam em mim para uma publicidade, a responsabilidade é ainda maior em produzir algo diferente, criativo e autêntico", admite ela, ao concluir que a mudança constante nos algoritmos tem sempre o objetivo de fazer com que as pessoas permaneçam na plataforma por mais tempo, e esse também é um desafio do profissional: reter a audiência. 

Para Faltay Filho, uma das tendências que pode amenizar a tensão por indicadores é a valorização da originalidade. "Seguir todas as trends gera muita ansiedade tanto de usuários, quanto de produtores de conteúdo, e elas mudam muito rápido. Acredito que o ser real e autêntico pode ser um caminho", especula. Do mesmo modo, Daphne acredita que os influenciadores devem expor mais aos seguidores sobre quem são e contribuir para a compreensão do público sobre o porquê de cada um ser único, isso como ponto principal para uma mudança de comportamento além de dados numéricos: a conexão.

Chegaremos a um equilíbrio?

Como qualquer excesso, a internet causa malefícios, e a reflexão social, juntamente com a academia têm potencial para uma mudança de valores. Thaíse acredita que levantar uma hipótese sobre o futuro é temerário. Porém, defende que é preciso criar ferramentas para lidar com a situação. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, há cobranças da sociedade e do meio político para a criação de normativas que proíbam que as empresas utilizem dados coletados por usuários menores de idade. 

"Estamos vivendo um adoecimento em massa. A experiência humana vai moldando as necessidades e, neste momento, é preciso debater e encontrar formas eficazes de se relacionar com a tecnologia", pontua a psicóloga, que frisa, ainda, a importância de olhar para a legislação relacionada à atividade profissional: "É imprescindível criar políticas públicas para regular, principalmente, os novos modelos de trabalho, com normativas diferentes das definidas antigamente, quando não havia ferramentas digitais". 

Apesar de o debate ser uma macrotendência social e de necessidade pública, a solução está longe de ser encontrada. A preocupação com a saúde mental estará em pauta nos próximos anos, assim como a busca do equilíbrio na vida on e off-line, que pode se dar por reflexões pessoais, de mercado ou a partir de pequenas mudanças na sociedade de modo geral. 



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