Cultural Listening: o contexto importa

Mais do que coletar e analisar dados tratando-os apenas como números, o conceito pós-social listening defende que as nuances de cada grupo de pessoas é fundamental

"Se você não sabe pra onde ir, qualquer caminho serve." Talvez, quando escreveu a frase, em 1865, Lewis Carroll não tinha ideia da proporção que ela poderia tomar e quanta força teria. Quando a colocou na boca de um gato, em uma história pensada para ser infantil, parece não ter se dado conta de que as palavras viajariam o mundo, ultrapassariam as barreiras do idioma e seriam usadas com tantos significados. 

Entre tantos sentidos, a citação também ganhou espaço no mercado da Comunicação, em especial em relação à atividade de Social Listening (em tradução livre, escuta social). Em resumo, estamos falando do processo de monitorar e analisar conversas e discussões, principalmente on-line, com objetivo de obter insights sobre o que as pessoas estão dizendo acerca de uma marca, produto ou serviço, em tempo real. 

Enganam-se, ainda, as empresas que pensam que, por não estarem no ambiente digital, estão imunes aos comentários e conversas a seu respeito. "As organizações que não monitoram as redes sociais e outras plataformas podem ter sérios problemas porque, mesmo sem um canal institucional na internet, as citações aparecem organicamente e não há como fugir delas", pontua a coordenadora do curso de Relações Públicas e professora da especialização Digital Trends: Comunicação para Marketing de Plataformas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Taís Flores da Motta.

Na era do customer centric (em tradução livre, centrado no cliente), as marcas que não colocam o cliente no centro de suas estratégias, não somente de marketing, mas como um todo no negócio, saem perdendo na corrida da concorrência, onde o número de 'competidores' apenas cresce. Diante do incremento de formatos além do texto na produção de conteúdo, como vídeos, áudios e inteligência artificial, não basta ter, exclusivamente, números sobre os usuários. É fundamental compreender as nuances, as referências e as particularidades de cada grupo de pessoas. 

"Acredito que estamos em um mar de dados produzidos em excesso e subaproveitados. Segundo um estudo da Experian, 89% das empresas ainda encontram dificuldades no gerenciamento de dados, e 95% alegam que a má qualidade das informações atrapalha a interação com o consumidor e a eficiência das operações", destaca a jornalista, coordenadora de Assessoria de Imprensa na Aurora Comunicação Criativa e criadora de conteúdo, Maíra Gatto.

O que o relatório não está me dizendo?

Nesse contexto, surge a tendência pós-social listening, ao recomendar que as diversas culturas sejam levadas em conta para além dos dados. Não se trata mais, unicamente, de 'o que estão falando sobre a minha marca?' mas, sim, de 'por que estão falando isso sobre a minha marca?'. O Cultural Listening (em tradução livre, escuta cultural) defende que a cultura influencia diretamente na maneira como um indivíduo pensa, sente e se comporta. Consequentemente, também afeta a forma como consome. 

Tantos por cento disso, tantos por cento daquilo. É nesse ponto, em que os números podem confundir, que a Comunicação desempenha um papel essencial. Os profissionais de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Marketing são fortes aliados na gestão estratégica das informações com foco em marketing, reputação institucional e presença digital. Conforme Maíra, no entanto, é imprescindível que as marcas entendam: as análises exigem expertise e tempo. 

Head de Conteúdo do Share, Vitória Santos compartilha do pensamento e acrescenta: "O combo é uma boa estratégia, boas ferramentas e bons profissionais guiados por dados e com capacidade analítica para atender a consumidores cada vez mais exigentes. Precisamos entender o que as pessoas querem, por que e como querem".

O alvo

No final das contas, aproximar-se do cliente a ponto de tê-lo como 'advogado de defesa' é o alvo das marcas ao buscarem auxílio em recursos como o Social e Cultural Listening. Lembra-se da frase que abriu esta matéria? É preciso traçar o trajeto com cada passo, cada pequeno objetivo, para chegar ao destino final. A ideia é aumentar o engajamento? Melhorar o atendimento ao cliente? Identificar possíveis crises? Tendências? Lançar um novo produto? Mudar posicionamento? Qualquer caminho, na verdade, não serve. 

A Pesquisa Brasileira de Social Listening, divulgada pela Sonar em dezembro de 2023, revela que 78% dos profissionais usam o social listening para monitorar marca, produtos e concorrentes, e 42% aplicam a técnica com foco na estratégia, insights e/ou inteligência competitiva que ela pode trazer.

As marcas aprendem mais significativamente sobre quem são seus consumidores e propiciam a chance de melhorias 'ouvindo' as conversas do público e o que estão dizendo sobre determinada instituição ou temática. Além disso, ficam a par sobre a intensidade com que expressam tal pensamento ou sentimento, com quantas pessoas compartilham o assunto e a probabilidade de ele expandir.

"Às vezes, pode parecer que essa atividade tem somente a função de prevenção de crises, de dar uma resposta ao público a fim de evitar um problema maior. Todavia, também é uma ótima fonte para que identifiquemos oportunidades de atuação. Ao nos relacionarmos mais profundamente com as pessoas, entendemos como elas se comportam, como o mercado age e reage e, a partir disso, podemos oferecer soluções inovadoras em produtos, serviços e processos", ressalta Taís. 

Concentrando na área da Comunicação, Vitória complementa ao dizer que é possível refinar a experiência do cliente. Isso por meio da criação de conteúdos assertivos e que engajem mais, reconhecer parcerias estratégicas para amplificar a marcar e, principalmente, medir o impacto de suas ações. 

Otimização

É quase impossível falar no futuro da Comunicação sem mencionar a Inteligência Artificial (IA). É de comum acordo entre as entrevistadas que o avanço tem os seus benefícios, o que não isenta, de modo algum, a importância do humano. "A IA é útil coletando os dados, mas é o profissional de Social Listening que interpretará os insights apresentados por ela, contextualizá-los e transformá-los em ações", enfatiza Vitória. 

Programas, sites, aplicativos, ferramentas são o que não faltam quando abordamos big data. Porém, apresentar um dashboard com gráficos indicando quanto do público é, por exemplo, mulher, de 20 a 30 anos, do Sul do Brasil, não é suficiente para atingir a maturidade de Cultural Listening. O algoritmo, por melhor que seja, segue incapaz de sentir. Essa habilidade inerente ao ser humano, em conjunto com a criatividade, forma uma equação, pelo menos até o momento, imbatível.

"A IA não conhece a subjetividade da organização, seus princípios, sua missão. O cruzamento daquilo que é monitorado com o que pode ou deve ser feito partindo desse ponto é intrínseco ao profissional da Comunicação", opina Taís. A automatização de tarefas, sobretudo com o progresso do aprendizado das máquinas, economiza tempo e permite que quem trabalha neste segmento possa se dedicar mais à construção de respostas para os anseios do público.

Envio de relatórios mensais é o mais comum para 82% dos profissionais ouvidos pela Pesquisa Brasileira de Social Listening. Uma vez que a técnica está ligada, acentuadamente, ao caráter de tempo real das conversas, há margem para que as entregas sejam agilizadas, amparando um pedido que ultrapassa o consumidor, mas também se mostra feroz no mercado, o da velocidade com que tudo é feito. "A comunicação é fator primordial para qualquer negócio. A conexão com o público é chave. O que dizem sobre a marca é um norte para as marcas entenderem se estão comunicando com clareza e diagnosticarem onde precisam melhorar", conclui Maíra.

Eterno aprendiz

Seja com formação em Relações Públicas, Marketing, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, o profissional que deseja trabalhar com Social Listening precisa, antes de tudo, ter apreço pelo estudo. Tratando-se de uma técnica de escutar e compreender as pessoas, é preciso ter em mente que as pessoas mudam e, então, é fundamental ser um eterno aprendiz. 

Além de domínio das ferramentas usadas para execução da atividade, como Stilingue, Buzzmonitor e Sprinklr, ser orientado por dados e ter pensamento analítico estão entre os principais requisitos para vagas destinadas a esse fim. "A capacidade de interpretar dados e extrair insights está cada vez mais relevante para profissionais que queiram se destacar na área", sugere Vitória. 

Não basta entender de comunicação. A sensibilidade é uma soft skil que coloca o analista de Social Listening em outro patamar, visto que pessoas têm perfis, desejos e queixas diferentes. Na hora de apresentar os resultados, a criatividade para transformar números em ações estratégicas e inovadoras, que realmente tenham impacto na vida do consumidor, é elemento-chave.

Uma curiosidade é que formados em Estatística, Administração ou Matemática também podem atuar na função. Usuário intenso de redes sociais, ótima redação, conhecimentos avançados em Google Analytics, organização, proatividade e disciplina também são características procuradas pelas empresas. Falar outras línguas, especialmente o inglês, é um bônus bem visto.

Comentários