Saúde mental: pauta no Jornalismo e bandeira no Marketing

Tema exige responsabilidade, mas futuras abordagens ainda são incertas

Uma reportagem especial, uma campanha de Setembro Amarelo. A pauta da saúde mental ainda está restrita a espaços pontuais na Comunicação. O bem-estar virou um assunto mais amplamente comentado nas redes, mas nem sempre ele ganha um aprofundamento. E as tendências para o Marketing e Jornalismo parecem caminhar em direções opostas.

Com a pandemia, surgiram inúmeras questões sobre condições psicológicas negativas geradas ou agravadas com o distanciamento social. Agora que tudo passou, voltamos ao mesmo mundo de 2019. Será mesmo?

O Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No primeiro ano da pandemia da Covid-19, a prevalência global desses transtornos aumentou em 25%. Revelou duas necessidade: desmistificar, de vez, a discriminação direcionada a essa população - conhecida como psicofobia - e abordar a saúde mental com responsabilidade.

Ciência ou clique?

Não há dúvidas de que a pandemia afogou a saúde mental de muitas pessoas. O Jornalismo se viu frente a um fluxo de informações que logo se contradiziam, estudos em fase inicial, pronunciamentos de políticos, atualizações da vacina, movimentos antivacina. Escândalos. E uma necessidade, pela natureza do ofício e urgência do público, de manter a sociedade informada.

Em meio a tanto caos, emergiram os debates sobre bem-estar. Tentavam encontrar a linha tênue entre se manter seguro e manter são. Pode visitar o amigo? O parente distante que mora no meio do campo, estando ambos isolados por 30 dias? Essas recomendações nunca estiveram no site do Ministério da Saúde, que chegou a publicar uma matéria direcionada exclusivamente aos cuidados com o psicológico. Mas inundaram as redes sociais. Às vezes, em formato de debates acalorados.

Acreditava-se que a saúde, em geral, tornaria-se uma área mais valorizada e cuidadosa do Jornalismo. Mais pautada em bons estudos, frente à insistente tentativa de desmentir a divulgação política de remédios - cuja eficácia contra a hospitalização contra a Covid-19 não era e tampouco foi comprovada. Hoje, Luíza Alvim, formada em Medicina e em Comunicação Social, doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-professora de Metodologia Científica da faculdade, amarga o assunto. Chegou a pensar que o Jornalismo traria cientistas de ponta ao noticiário. "Mas as pessoas preferem apagar as lembranças ruins e pensar que voltamos ao melhor dos mundos", pontua ela.

Este não é o melhor dos mundos. E a população, em geral, pode não estar sabendo por conta de um problema que afeta as editorias de saúde: as notícias precisam ser boas o bastante para aliviar a tensão de outros assuntos, ou serem ruins o suficiente para estarem no hard news. 

Luíza dá o exemplo da cobertura nacional sobre a Covid Longa. Apesar de ter efeitos cerebrais e vasculares temerários, a pesquisadora não vê ela sendo tratada com a seriedade que deveria na imprensa brasileira. É uma doença crônica, sem solução - pelo menos, ainda - e cuja única forma de impedir seu desenvolvimento é não se infectar pela Covid. Só que quem quer lembrar das máscaras PFF2? A imunização é, sim, parte importante do processo - mas a profissional explica que a barreira física é a nossa maior aliada contra o vírus.

Entre estudos e especialistas

Para aprofundar qualquer pauta envolvendo diagnósticos e doenças com responsabilidade, é preciso contar com bons especialistas. São eles quem podem auxiliar no entendimento dos consensos existentes sobre determinado assunto. Mas não exime, de maneira alguma, a necessidade do próprio jornalista em entender como funciona a Ciência.

Ter gatos aumenta as chances de desenvolver esquizofrenia? Comer arroz branco é tão prejudicial quanto consumir açúcar puro? Na verdade, não. Mas manchetes como essas foram recentemente publicadas em jornais de renome e, consequentemente, rechaçadas por profissionais da área. "O que deve ser publicado são os consensos. Não estudos iniciais ou de qualidade duvidosa", defende Luiza. 

Desinformação nas redes não falta. Pesquisadores começaram a se debruçar sobre a qualidade e precisão de informações acerca de transtornos psiquiátricos que viralizam em vídeos de plataformas como TikTok. Há quem se preocupe com o impacto disso, especialmente em gerações mais novas. Outros  apontam que falar mais sobre o assunto ainda abre caminhos para procurar ajuda especializada.

O Jornalismo poderia atuar como fonte de informação. Mas está relacionando, em letras garrafais, distúrbios mentais a pets. Mesmo quando a própria pesquisa fonte da matéria afirma não poder provar causa e efeito na maioria absoluta das análises: 15 das 17 totais. "Por que, afinal, publicar esse estudo?", questiona a pesquisadora.

E o diploma?

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu que qualquer indivíduo pode assumir as funções no Jornalismo. Não era o final de uma discussão qualquer e, sim, o início de uma longa briga da categoria para ser reconhecida. Muitos anos depois, em 2023, o tema voltou a ser pauta de comissão parlamentar.

Este é o primeiro ponto que Mônica Cabañas, diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), toca quando fala sobre a cobertura de pautas sobre saúde na mídia. Não há como dissociar os dois debates, pois um comunicador profissional e comprometido é fundamental para trabalhar o tema de maneira responsável. "Defendemos a PEC do Diploma como instrumento importante neste contexto, para garantirmos que a informação publicada dê voz à Ciência", diz ela.

Futuro em construção

Quando se trata de saúde mental, raramente há um final catastrófico ou feliz. Muitas vezes são doenças sem solução definitiva, com a qual a pessoa aprende a conviver. Isso, segundo Luiza, pode não ser suficiente para que o assunto seja tratado corretamente no telejornalismo ou no jornalismo impresso e on-line. Afinal, é uma pauta que exige uma lógica diferente da atualmente utilizada para selecionar os conteúdos. "Talvez continue restrito a reportagens especiais", avalia a jornalista.

De uma maneira generalista, há uma abertura maior do público para discutir saúde mental. A pesquisadora aponta que as pessoas falam dos próprios problemas nas redes sociais e em relações cotidianas com menos tabu. Soma-se a isso uma maior aproximação dos cientistas com a Comunicação e a divulgação voltada ao público em geral. Mais do que nunca, estão entendendo e aprendendo a como falar com quem não é da área.

Mônica lembra que o mundo ainda está sofrendo os efeitos do confinamento durante a crise da Covid-19. Jornalistas não são um caso à parte. Por isso, recentemente o Sindjors concentrou seus esforços em discutir a saúde mental e qualidade de vida da própria categoria. 

Luiza, por outro lado, incentiva jornalistas que estão iniciando suas trajetórias na área da saúde a entenderem como funciona o processo de pesquisa científica, a publicação dos estudos e a importância de buscar artigos revisados por pares. Contudo, a chance que a pesquisadora viu para esse Jornalismo mais alinhado com temas voltados à Medicina foi no início da pandemia. Passou. Já devolvemos o lugar de destaque aos conflitos internacionais, violência, política e outras pautas consideradas mais interessantes e mais urgentes.

Na saúde e no Marketing

De quantas letras você precisa para movimentar todo o mundo corporativo? A resposta é três: E, S e G. Acrônimo para Environmental, Social and Governance (ou Ambiente, Social e Governança), esta é uma tendência latente em um mercado que descobriu o valor - real ou percebido - de apostar em estratégias mais sustentáveis nos três âmbitos. Mas o futuro pode estar reservado à saúde mental, situada em S, um lugar especial.

O distanciamento social de 2020 levou o mundo a adotar o home office em massa. De repente, o bem estar das pessoas, incluindo os funcionários, começou a ser discutido. O mundo retomou a sua rotina, mas a discussão ficou: afinal, trabalhar remotamente é sinônimo de qualidade de vida? 

Para muitos, não é mais possível dissociar o debate do modelo de trabalho da saúde em geral. Não se quer mais gastar duas ou três horas em transporte diário, e sim dedicar esse tempo à família, lazer, esportes, descanso, etc.. E há outros assuntos em pauta: síndrome de burnout como doença ocupacional, "pejotização" de vagas, denúncias de ambientes tóxicos. São heranças da pandemia. Agora, quem pode não está mais tão disposto a trabalhar em qualquer lugar a qualquer custo. 

Esta realidade pode apontar uma tendência do Marketing nos próximos anos: saúde mental como bandeira. Eugênio Lumertz, diretor de Criação da Moove, e Renata Schenkel, CEO da Agência Escala, concordam que o tema deve crescer na Comunicação das empresas. Contudo, só o tempo dirá o peso que isso terá.

ESG da boca para fora

Nenhuma empresa quer lidar com altas taxas de turnover. Isso significa, em geral, mais custos e um time menos eficiente. Ter uma equipe motivada depende de diversos fatores, como liderança eficiente, cultura organizacional integrada, benefícios, remuneração competitiva e, claro, bem-estar no geral.

É por isso que, em alguns anos, pode haver uma relação mais óbvia entre cuidado com saúde mental e valor de mercado de uma empresa. Mas provavelmente a prática vai incorrer nos mesmos problemas que o ESG de hoje: o assunto está em alta, mas nem sempre à vontade de adotar práticas benéficas. 

Esta é a grande discussão do greenwashing, onde se destaca uma característica sustentável dos serviços ou produtos de uma empresa, enquanto se camuflam comportamentos nocivos ao meio ambiente. Lumertz comenta ter a impressão de que há uma grande diferença entre quem diz que é ESG e quem realmente é ESG. Se em algum momento a saúde mental se tornar tão importante quanto as práticas ambientais, nada impediria uma espécie de mental health washing também. 

O profissional até cita conhecer pessoalmente trabalhadores de empresas cujas comunicações são pautadas em transformar o mundo para melhor. Na prática, há relatos de abusos de poder, exploração e um clima organizacional tomado pelo estresse. Renata, por sua vez, destaca que o comprometimento com a saúde mental pode ser demonstrado por meio de ações internas efetivas, com eventual contratação de consultoria especializada: "Precisa ser verdade. A preocupação precisa ser genuína. Não porque está sendo cobrado pela legislação".

Desafios do Setembro Amarelo

Como criar uma comunicação sobre prevenção de suicídio que seja eficaz e, principalmente, cause o sentimento (ou ação) certo? A Moove já participou de duas campanhas do Centro de Valorização da Vida (CVV) e, por isso, Lumertz sabe responder sobre a questão. 

Em 2019, a Moove se reuniu com psiquiatras, especialistas e o próprio pessoal do CVV para entender a mensagem que deveria ser passada. Com base no fato de que grande parte daqueles que tentam tirar a própria vida dão sinais antes, entendeu-se que a abordagem mais assertiva seria direcionar as propagandas aos familiares e amigos. 

Anteriormente, ao invés de apostar em uma mensagem muito direta, a agência buscou trabalhar a partir da percepção de que o final do ano pode ser um momento solitário para quem não se sente bem. Afinal, é um período de celebração.  "A gente colocava cena de festa e dizia 'nem tudo é felicidade no final do ano (...) Se você não quiser falar com alguém, a gente tá aqui pra te ouvir'", afirmou o diretor de Criação. Ao optar por um tom menos alarmista, também buscou-se oferecer mais conforto a quem passa por momentos desafiadores.

Falar de saúde não é para qualquer um

Saúde mental vai ser importante para o futuro? Claro. Mas não um tema abordado por todo mundo. Na comunicação interna e nas ações para funcionários, o bem-estar vai se tornar cada vez mais essencial. Na externa, depende do nicho. Por mais que o assunto venha ganhando fôlego e abertura nos últimos anos, Lumertz e Renata alertam para o fato de que precisa fazer sentido com a alma do negócio. "Com certeza vai ser uma crescente, porque muitas marcas querem falar de felicidade, de um estilo de vida mais leve, querem propor isso dos seus produtos e serviços", avalia a CEO da Escala. 

Outro fator a ser levado em consideração é a verdade. Da trajetória de um empresário famoso às revisões sinceras do Glassdoor, uma plataforma que agrega avaliações de funcionários sobre as empresas que trabalham: já é mais fácil colocar em xeque a credibilidade das informações transmitidas por um negócio. E essa é a situação que o Marketing precisa estar de olho: "Não é qualquer historinha que uma empresa vai contar que o público vai cair. Hoje em dia, a mentira tem a perna ainda mais curta", diz Eugênio. 

Neste horizonte, vislumbram-se tempos em que a autenticidade será ainda mais a lei. Na missão da empresa, na produção de mercadorias e no cuidado com os funcionários. É assim que se construirá uma relação verdadeira com o público. Afinal, também é sobre essa sustentabilidade que o ESG fala.

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