Sem alarmismos e acessível: o futuro da Comunicação diante das mudanças climáticas

Em novembro de 2024, o Governo Federal, as Nações Unidades e a Unesco lançaram uma iniciativa corroborando o que pensam os profissionais que vivenciaram a enchente de maio no RS na linha de frente

Emissão de gases de efeito estufa, desmatamento, poluição do solo e da água, queima de combustíveis fósseis. Você provavelmente já leu ou ouviu alguma notícia que citava esses termos. As mudanças climáticas pautam, cada vez mais, os meios de Comunicação. No Rio Grande do Sul, depois da enchente de maio de 2024, considerada a maior catástrofe climática do Estado, atingindo quase 95% dos municípios, os profissionais da área não divergem: é preciso comunicar mais rápido e de forma mais acessível, mas sem criar alarmismos e sem deixar de lado o princípio básico da apuração.

As inovações tecnológicas acompanham as transformações da sociedade e, proveitosamente, são incorporadas aos processos comunicacionais, sejam em redações de jornais, tevês, rádios, agências e assessorias de imprensa. A natureza, no entanto, não obedece aos comandos de algoritmos e códigos. E quando não há energia elétrica? Ou internet? Os questionamentos rodeiam a cabeça do jornalista, colunista e correspondente do Grupo RBS Rodrigo Lopes, que tem marcado em sua história mais de 30 coberturas internacionais, entre elas a sobre o furacão Katrina, nos Estados Unidos, o terremoto no Haiti e seis guerras, incluindo as mais recentes, entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas.

"O horror de maio de 2024, no Rio Grande do Sul, foi completamente diferente. Pela primeira vez, eu cobri uma tragédia desse nível no meu Estado, o desastre falava português e tinha o sotaque gaúcho", relata. Entendendo a internet como uma necessidade para seguir comunicando, Lopes, que também é escritor e professor, ressalta que a tecnologia e o Jornalismo caminham juntos desde sempre.

Não à toa, em sua visão, o primeiro gesto de ditadores diante de ameaças é censurar ou cortar o acesso à internet e às mídias sociais. "Os aparelhos cada vez menores, o custo mais baixo possibilitam que repórteres tenham capacidade de produção em tempo real e para diferentes mídias, algo que sempre acreditei e pratiquei. Mas a internet também pode ser um limitador. Cada vez mais, dependemos dela para fechar sinal de áreas remotas", pontua.

Agilidade, mais do que a palavra de ordem da Comunicação da Defesa Civil de Porto Alegre, coordenada pela jornalista Bárbara Barbieri, era vital para atender às demandas que surgiram sem parar com o caos instalado na Capital. Salvar vidas e minimizar os impactos eram os objetivos, porém a velocidade com que os eventos climáticos se desenrolaram tornou a tarefa de disseminar informações precisas em tempo real mais desafiadora. Com as ferramentas disponíveis e o suporte de outros colegas da assessoria de Comunicação da Prefeitura de Porto Alegre, a Defesa Civil priorizou falar com o público e muni-lo de dados, usando WhatsApp e redes sociais, para garantir que as pessoas pudessem agir em prol da segurança de suas vidas o mais rápido possível.

"Uma das lições que fica para o futuro do setor em um cenário de alterações climáticas constantes é a importância de investirmos em uma linguagem acessível e um sistema mais robusto de comunicação interativa, que concentre as informações sobre o que está acontecendo, sempre atualizadas e, na mesma plataforma, consigamos fazê-las chegar a quem precisa", sugere Bárbara.

Responsabilidade compartilhada

Quando perceberam que conhecidos, amigos e familiares precisavam pedir resgate nas cidades de Canoas e Eldorado do Sul, mas não conseguiam entrar em contato com órgãos como a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros em função do congestionamento das linhas devido ao volume de pedidos, as professoras dos cursos de Comunicação do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) Sandra Henriques e Mely Paredes tiveram uma ideia. Compreendendo que se tratava de um problema sério de comunicação, contudo em circunstâncias jamais vividas antes, procuraram o professor Jean Paul Lopes, dos cursos de Tecnologia da Informação (TI), e propuseram a criação de um aplicativo que conectasse quem precisava ser resgatado com quem tinha meios, como barcos ou lanchas, para oferecer ajuda.

Nomeado 'SOS Resgate RS', o web app saiu do papel e se tornou uma significativa inovação durante a crise. "Foi um trabalho que nos exigiu uma dedicação de quase 24h por dia, mas tínhamos consciência que, do privilégio de estarmos em casa, em segurança, tínhamos que fazer algo para ajudar as pessoas", relembra Sandra. Envolvendo outros docentes da instituição, além de parcerias com a Defesa Civil e grupos de resgate da sociedade em geral, a ação superou as expectativas e cooperou com o resgate de mais de 21 mil pessoas no Rio Grande do Sul. "Foi emocionante ver o que conseguimos fazer unindo comunicação e tecnologia", enfatiza ela.

Lançada em 19 de novembro de 2024, na Cúpula de Líderes do G20, o Governo Federal do Brasil, as Nações Unidas e a Unesco deram o pontapé inicial na 'Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças do Clima'. A meta da colaboração dedicada e multilateral entre Estados e organizações internacionais é financiar pesquisas e ações que promovam a integridade da informação sobre questões climáticas. Na Iniciativa, o esforço estará focado em reunir evidências de âmbito mundial para fundamentar e reforçar as atividades, a defesa e as comunicações estratégicas.

Administrado pela Unesco, um fundo está sendo criado para arrecadar entre US$ 10 mihões e US$ 15 milhões nos próximos 36 meses. A verba será distribuída na forma de subsídios a organizações não governamentais para pesquisas sobre a temática, desenvolvimento de estratégias e realização de campanhas de conscientização pública.

A prática como sala de aula

Ninguém discorda da relevância do estudo e da capacitação contínuas, mas Rodrigo Lopes defende que não existe treinamento suficiente que substitua a experiência real, na prática. Com 28 anos de Grupo RBS - a maior empresa de Comunicação do Estado - e 23 de Jornalismo, o colunista elenca alguns papéis que denota como fundamentais para o bom desempenho da responsabilidade de reportar em situações de desastre: prestação de serviços - informação em tempo real, sem provocação de pânico e sem sensacionalismo; análise instantânea baseada em fatos - em especial no combate à desinformação, e cobrança dos responsáveis - em cumprimento ao exercício do Jornalismo sério.

Testemunha ocular do enorme rio em que se transformou Porto Alegre, ele recorda, correndo o risco da redundância, do que sabia ser impossível de esquecer. Em um bote emprestado com o professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Demétrio Luis Guadagnin, o colega jornalista, o Gerente de Esportes ZH, GZH, DG e Gaúcha, Carlos Etchichury, e o fotógrafo André Ávila, navegou durante três horas pelo Centro Histórico.

Não havia sinal de internet. Pelas lentes da câmera, um bloco de notas e uma caneta e a capacidade cerebral de registrar o que estavam presenciando, passaram atônitos por ícones da Capital como a Praça da Alfândega, o Mercado Público, a Casa de Cultura Mario Quintana. "Toquei o topo do Muro da Mauá", conta Lopes. No retorno, ainda ajudaram uma senhora a deixar o prédio em que vivia e que naquele momento estava inundado.

Ao final do tour de terror, o sinal do celular surge novamente e o grupo descobre que há uma ordem de evacuação dos bairros Menino Deus e Cidade Baixa, e que o próprio prédio de Zero Hora, na Avenida Ipiranga, deveria ser esvaziado. O carro, a mochila e a chave de casa estavam lá. Nessa hora, a preocupação pessoal de resgatar a família, caso fosse necessário, se misturou com os aspectos profissionais.

Correndo, pois qualquer outro meio de transporte demoraria mais, voltou à empresa. Entrando na redação, antes que pudesse chegar até a chave do veículo, percebeu que a apresentadora Kelly Mattos estava ao vivo na Rádio Gaúcha, vestindo um macacão de borracha. "Eu pensava: 'Preciso tirar o carro de lá, se perdê-lo não terei como salvar minha família'. Mas sabia da minha responsabilidade de comunicar e, primeiro, entrei no estúdio para narrar o caos que havia visto na rua."

Os ensinamentos não ficam apenas para quem estava com a incumbência de comunicar. O público não é somente receptor faz tempo e essa interferência, por assim dizer, na construção das narrativas, precisa ter base. Para Bárbara, a Comunicação Social assume uma posição crucial de formar uma sociedade mais preparada e resiliente. Além de informar, cabe aos profissionais da área articular uma cultura de prevenção, em que a população facilmente entende o que está acontecendo, por que está acontecendo, quais são os riscos, como identificar sinais de perigo e possíveis soluções para agir rapidamente.

"A comunicação precisa ser contínua e educativa, criando um senso coletivo de responsabilidade e ação. Por isso, investimos em uma linguagem clara, sem alarmismo, e em canais diversificados que alcancem todas as comunidades, inclusive aquelas em áreas de maior vulnerabilidade", complementa a jornalista.

Como?

Abordar tecnologia quando se fala em inovação é inerente, mas é pertinente lembrar que não se trata apenas disso. Preparar a próxima geração de repórteres, editores, assessores, fotógrafos, publicitários, designers, relações-públicas é determinante para um futuro em que perguntaremos menos 'se?' e mais 'como?'. Como garantir que as informações sejam verdadeiras? Como fazê-las chegar às pessoas de maneira ágil e precisa? Como diminuir as ações diárias que contribuem negativamente para as mudanças climáticas? Como? Como? Como?

Em novembro, foi lançado o livro 'Manual para a Cobertura Jornalística dos Desastres Climáticos', resultado de anos de pesquisa de dois grupos certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Grupo de Jornalismo Ambiental da UFRGS e o Grupo de Estudos de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Apresentando concepções sobre desastres, causas, sistema de gestão de risco no Brasil e práticas que podem qualificar as coberturas, a obra foi produzida com a colaboração de alunos e ex-alunos e revisão de técnicos da área.

"Do ponto de vista da inovação tecnológica, sentimos falta justamente de como aproximar tais ferramentas e aparatos às pessoas que precisavam, de fato, dela. A partir disso, analiso que esses processos devem ser repensados sob a ótica de quem vai utilizar. Precisamos potencializar a comunicação, gerar aproximação, melhorar serviços essenciais, de modo que sejam sustentáveis e acessíveis", propõe Sandra.

E na busca por respostas, não há como deixar de fora a recente decisão dos países da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024, a COP29, de destinar US$ 300 bilhões anuais às ações de mitigação para as consequências das alterações no clima. Entretanto, o valor é menor do que o US$ 1,3 trilhão anual defendido por países em desenvolvimento - os mais afetados pelas mudanças.

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