Tokenismo: a falsa diversidade

Como as empresas podem, de fato, se tornarem mais diversas, sem caírem no erro da representatividade simbólica?

No intuito de mostrar que são diversas e inclusivas, empresas acreditam que ter poucos representantes de grupos identitários e/ou realizar ações pontuais durante o ano, sem realmente mudar o sistema e a cultura organizacional, realizam uma política de diversidade, equidade e inclusão (DEI). No entanto, isso é o que Fernanda Macedo, negra, advogada e consultora de treinamentos especialista na temática racial da Gestão Kairós, consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, define como "criação da sensação de representatividade, sendo, portanto, uma das faces mais cruéis do preconceito íntimo ainda existente em boa parte da população brasileira que se nega a abrir mão dos privilégios". 

A descrição acima se refere ao Tokenismo. Criado por Martin Luther King, o termo significa a inclusão simbólica de comunidades minorizadas, sem alterações na estrutura das organizações. Essas comunidades podem ser também os grupos identitários, que são agregações sociais formadas por pessoas os quais compartilham aspectos de identidade e, assim, possuem interesses, perspectivas e demandas em comum. 

Estes aspectos podem ser de idade, raça, gênero, orientação sexual, entre outros.  A palavra vem do inglês 'token', que, em português, significa símbolo. Para Maite Schneider, mulher trans, cofundadora da TransEmpregos e TEDx Speaker, a expressão reflete a "falta de inclusão". "É quando você acha que uma pessoa é o suficiente e quando você acha que o pouco que você faz já é muito", critica. 

Matheus Felippe, negro e gay, relações-públicas e embaixador do Instituto Ascendendo Mentes, uma organização social que ajuda jovens em vulnerabilidade, acredita que o tokenismo corporativo é quando "uma organização apropria-se da imagem ou vivência de uma pessoa colocando-a como símbolo de um todo que não está representado quantitativamente". 

Matheus exemplifica o tokenismo: "É quando a empresa chama, todo o ano, a única pessoa LGBTQPIAN+ para palestrar no Dia do Orgulho ou cumpre apenas o valor determinado da cota de admissão de pessoas com deficiência, para que não seja autuada pela legislação, e acredita que não precisa agir além". O primeiro exemplo, do Dia do Orgulho, salientado por Matheus, também ilustra as ações pontuais sem mudança de cultura organizacional que as empresas fazem durante o ano, as quais nos referimos no início desta matéria. 

Ou seja, a organização não pode se considerar diversa porque tem uma pessoa LGBTQPIAN+ e porque faz uma palestra sobre o tema na data comemorativa em questão. O profissional ainda acrescenta que é  compreensível que negócios que estejam no início do processo positivo da inclusão tenham poucas pessoas diversas em cargos de liderança. Porém, na visão dele, não é aceitável uma companhia ter uma parcela mínima de multiplicidade em cargos de gestão e "ainda chamar esse grupo minoritário para matérias internas e externas da empresa para 'mostrar' que tem diversidade".

Neste sentido, Fernanda analisa que o tokenismo não é uma tendência, mas o primeiro caminho, "um jeito fácil e equivocado para tentar atender às expectativas de mercado atuais". A consultora dá outro exemplo ao mencionar que ser a única negra na empresa "isola essa mulher em individualidade e reforça a regra imposta por séculos de que 'esse lugar não foi pensado para ter outras iguais a você'". 

Maite, por sua vez, aponta a pressão e opressão como consequência aqueles que são tratados como modelos. Afinal, a pessoa se torna um 'template' e há a cobrança para que ela exerça as funções perfeitamente. Além de, por vezes, ficar sobrecarregada por assumir atividades que não são de sua competência, como uma colaboradora contratada como analista, que é demandada a contar a história da sua vida, sem ser questionada se quer falar. Muitas vezes, o indivíduo aceita por medo de demissão. 

Sem pertencimento não há engajamento

Outras consequências do tokenismo são a sensação de não pertencer e a queda de rendimento. O trabalhador não se sente parte da organização quando não há no ambiente ninguém da comunidade para compartilhar. Esse sentimento, conforme a embaixadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), Maite Schneider, afeta também o desenvolvimento no trabalho, pois a solidão faz com que o interesse e o engajamento, e, por consequência, a produtividade diminuam. 

Por isto, a consultora destaca a importância no desenvolvimento da Política de Diversidade, Equidade e Inclusão, a adição do Pertencimento, tornando-a, então, o que chamamos de DEIP - Política de Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento. Maite também diferencia diversidade de inclusão: "Nem sempre que você tem diversidade, você tem inclusão. Mas sempre que você faz o processo de inclusão, você aumenta a diversidade". 

Fernanda explica que uma é a pluralidade na representação demográfica da força de trabalho, e a outra é a postura corporativa responsável por valorizar as diferenças. O pertencimento é quando a cultura organizacional permite que todos se sintam incluídos, e o indivíduo se sente representado, acolhido e parte do processo. "E quando buscamos por equidade estamos falando de justiça, de oportunidades iguais independentemente das singularidades de cada indivíduo", completa.

Ainda, destaca Fernanda, é preciso diferenciar entre ser integradora e inclusiva. O primeiro é aquele que tem diversidade, mas as pessoas são tratadas de forma diferente devido à diferença. É quando, por exemplo, a empresa tem surdos que dependem da Libras, mas a organização nunca oportunizou um curso de linguagem aos colaboradores. Quando a empresa é inclusiva, a cultura se adapta à realidade das singularidades. Nesse caso, a organização promove qualificações aos demais trabalhadores para que todos possam acolher o colaborador surdo.

Diversidade "só pra bonito"

Sem aplicar estas atitudes internamente, mas tentar mostrar ao público externo que é uma empresa diversa, a instituição pratica o Diversitywashing. Registrada por Liliane Rocha, no Brasil, a expressão se refere a "uma lavagem da diversidade". A organização se apropria de atributos de D&I porque entende que pessoas que têm os marcadores identitários são públicos consumidores, geram lucratividade para a empresa e, portanto, devem ser representadas em seus produtos, serviços e comerciais. Mas não servem para serem profissionais contratados pela empresa".

Matheus Felippe define Diversitywashing como uma prática na qual instituições usam a diversidade para gerar visibilidade, aumentar o número de seguidores ou clientes, lucro ou valor da marca. No entanto, as organizações não revertem os 'louros' na garantia de uma cultura respeitosa e inclusiva com grupos minorizados. "O tokenismo é, muitas vezes, uma etapa até o Diversitywashing", percebe. 

Além disso, relaciona-se ao tokenismo, pois os dois demonstram um falso comprometimento com o tema. Os conceitos também são complementares, pois o tokenismo fala da presença de um único negro simbólico e o diversitywashing da prática de falar e de se posicionar sobre diversidade sem necessariamente atuar de forma consistente. 

Mancha na reputação

O tokenismo é uma prática danosa e que, quando percebida, pode manchar a reputação e o branding corporativos. "Uma empresa que comete esse erro pode ter sua marca ameaçada, perdendo clientes, ganhos financeiros e, principalmente, talentos internos", assegura Matheus. Por isso, mais do que apenas uma alteração no recrutamento de colaboradores, a DEIP muda a cultura de uma organização. Para tanto, tudo começa com um raio-x da empresa. 

No livro 'Como ser um líder inclusivo', Liliane Rocha reforça a importância de representar a demografia da sociedade brasileira no quadro funcional das companhias. De acordo com a Gestão Kairós, toda política empresarial deve ter claro qual é o objetivo de atuação, para montar um planejamento estratégico, com a previsão de orçamento. 

"Não adianta pular etapas. É preciso, antes de tudo, fazer um excelente diagnóstico. Os processos educacionais (palestras e treinamentos) são parte importante, mas não o todo. É na governança, na gestão, na mudança da estrutura organizacional que a transformação realmente acontece", assegura Fernanda. 

Entre as ações a serem feitas, Matheus destaca as seguintes: ouvir os colaboradores, inserir nas pesquisas de engajamento e clima questões sobre a aceitação da diversidade e sobre discriminação e desigualdade e oportunizar rodas de conversa sobre temas conectados à pauta. Além disso, é importante oferecer treinamentos em D&I para toda a rede. 

Maite reforça que é necessário fazer de forma verdadeira, pois se for fazer só por Marketing "vai dar erro!". Ela argumenta que não há plano igual para todas as organizações, mas que é preciso começar. "Empresas que não estão fazendo nada relacionado a este tema, nem conversando, são empresas que daqui há 10 anos não precisam mais conversar, porque não mais existirão", garante.

Comunicação fortalece a mudança 

A Comunicação Interna colabora para colocar a política de DEIP em prática no ambiente organizacional. Para Maite, ela é essencial, pois mostra as ações realizadas para que haja um engajamento, e contribui para que o propósito esteja no DNA da empresa e de todos os seus integrantes. Para tanto, o processo precisa ser claro e contínuo. 

A fundadora da TransEmprego cita que ele pode ser feito com envio de informações pela intranet ou divulgadas em murais. Ainda há ações que podem ocorrer fora da organização, como uma companhia que levou os colaboradores para uma viagem com propósito, para conhecer outras realidades sociais in loco, na Amazônia. 

Utilizar a Comunicação Inclusiva também contribui para gerar o pertencimento, pois,  conforme Fernanda, ela visa "eliminar as barreiras de acesso de todos os públicos e construir pontes para a inclusão". Por isso, nos conteúdos produzidos é importante utilizar imagens que representem os diferentes tipos de pessoas, uma linguagem amigável e compreensível à totalidade.

 Outros exemplos de ações são: criar um conteúdo educacional interno ou uma campanha de marca com acessibilidade, com braille e Libras, e oferecer treinamentos sobre a pauta para que as pessoas aprendam e contribuam para uma comunicação humanizada e inclusiva. Utilizar linguagens neutras ao publicar uma vaga ou discurso corporativo é outra dicadada por Matheus - "ao invés de 'seja bem-vindo', diga: 'damos boas-vindas para você'; ou, ao publicar uma vaga de diretor de RH, utilize Diretoria de RH", exemplifica. 

 Será que o tokenismo tem fim?

"Mais do que tendência, diversidade de pessoas é realidade", confirma Matheus. Por isso, não tem como as empresas fugirem do tema. "Em um mercado cada vez mais competitivo e que desafia a Inovação, é importante que as organizações busquem criar uma cultura mais diversa e inclusiva", sentencia. 

Maite afirma que a pluralidade não se aplica, mas se amplia o olhar sobre ela e se investe na inclusão. A TEDx Speaker entende que DEIP é caminho e não um lugar ao que se chega. "Falar de diversidade é falar de humanidade", resume, pois "sempre há pessoas por trás dos processos". 

Assim, ela crê e luta pelo fim do tokenismo e visualiza que ele terminará quanto mais os grupos que hoje são sub-representados ou inexistentes forem incluídos em vários lugares. E quando "a gente começar a ser mais sensível a olhar os micros e não só cobrar o macro", ao relacionar com a atenção a cada indivíduo e não só para a organização como um todo. 

Matheus discorda, pois enxerga que ele existirá enquanto houver um mercado de trabalho permeado por uma estrutura preconceituosa e desigual. "Talvez daqui há uns anos essa palavra não exista, mas seja substituída por outra que terá o mesmo sentido, no que tange ao comportamento da ação", prevê. 

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