Pequeno espetáculo

Nesta era de espetáculos em que vivemos, as pessoas acabam não prestando atenção a pequenos espetáculos. Conversar é um deles. Mas conversar. Conversar. Primeiro: …

Nesta era de espetáculos em que vivemos, as pessoas acabam não prestando atenção a pequenos espetáculos. Conversar é um deles. Mas conversar. Conversar.
Primeiro: não vale(para este meu conceito de pequenos espetáculos diários) conversa sobre trabalho.
Segundo: não vale conversa sobre idiotice, abobrinha.
Conversar sobre trabalho e sobre abobrinha são conversas importantes e úteis, mas não entram neste conceito sobre o qual falo. Ninguém pode classificar como espetáculo uma conversa sobre abobrinha. E a conversa sobre trabalho tem uma característica: ela é voltada para o sucesso profissional e material, que também não se encaixa neste conceito. Ambas têm valor, mas não servem para mim.
Terceiro: vale conversa franca. Estas são as mais importantes. Mas franca mesmo, não brincando de ser franca e de vou-lhe-mostrar-como-eu-sei-as-coisas, que então é um monólogo narcisista(como narcisista, só poderia ser monólogo), não uma conversa franca. Aquelas conversas em que as armas de defesa são deixadas do lado de fora, em que se está disposto tanto a falar o que realmente pensa(com cuidado) quanto preparado para ouvir o que o outro pensa, mesmo que não seja agradável.
Quarto: conversa que possa ser feita com algum tempo, sem a pressão iminente do relógio. Porque para uma conversa ser conversa, ela precisa fluir, flutuar, dançar e isto tudo demanda algum tempo. Pode não ser uma eternidade, mas é preciso tempo para que a conversa esquente, tome corpo e flua,  que faça voltas e desenhe sua silhueta no ar.
Quinto: preferencialmente, conversa a dois. Porque conversa a três ou mais pessoas tende a se perder, são muitas influências, pensamentos e inflexões, de modo que a fluidez e portanto o resultado da conversa ficam prejudicados.
Sexto: conversa sem bebedeira. Pode até ter alguma bebida(de preferência não), mas muito de leve. Como diz-se, o superego é solúvel em álcool e também sob o efeito de álcool as pessoas têm o raciocínio prejudicado, podem tornar-se mais agressivas, podem terminar dizendo o que não pensam de fato. Vale para outras drogas.
Sétimo: caso tenha trilha sonora, é preciso que seja muito bem escolhida. Não pode ser música agitada demais, nem de mau gosto para os conversadores. A música terá influência direta sobre o desempenho de ambos.
Oitavo: o local não necessariamente é determinante, mas quanto mais tranquilo e belo o local, mais a conversa tende a elevar-se. Porém, há que se reconhecer a importância das conversas de cozinha, tão inspiradoras e reveladoras. Conversas em locais perturbados tendem a tornar-se perturbadas e perturbadoras.
Nono:  a data da semana, mês ou ano pode influenciar. Mas se os conversadores estiverem mesmo de peito aberto, não serão significativamente impactados por algum dia especial. As conversas de final de semana tendem a ser mais agradáveis pelo fato de não terem a pressão do horário e do relógio.
Este não pretende ser um manual de conversa. O que fiz foi somente elencar alguns pontos que podem fazer das conversas pequenos espetáculos diários. Ou semanais. Ou mensais. Ou seja lá com que frequência aconteçam. Isto porque se as duas pessoas estiverem alinhadas aos nove pontos relacionados acima, será uma conversa aberta, desnuda e provavelmente construtiva para ambos.

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