Las Chicas

“Estas demoiselles provocaram um verdadeiro cataclisma na arte do século XX.”                                   (Gertrude Stein) Algumas pinturas nascem com a vocação de romper os limites da …

las chicas"Estas demoiselles provocaram um verdadeiro
cataclisma na arte do século XX."                                  
(Gertrude Stein)
Algumas pinturas nascem com a vocação de romper os limites da criação artística. Foi o caso de "Les Demoiselles d"Avignon", que provocou um escândalo, no início do século XX, ao reinventar a forma de pintar a figura humana. Dizem mesmo que o quadro traçou uma linha divisória na História da Arte. Seu autor foi Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso. Ou simplesmente, Pablo Picasso.

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"Les Demoiselles d"Avignon" tem grandes dimensões, mais de dois metros e meio de altura e dois de largura. Foi pintado em 1907, mas somente exposto ao público em 1916, graças à insistência do marchant e crítico André Salmon, que o identificou como "a pedra angular do cubismo". Outro que também se encantou com Les Demoiselles foi o escritor Ernest Hemingway, em uma visita ao atelier do pintor, no Quais de Grands-Augustins. O escritor teria dito então que aquelas eram as mulheres mais sexys que já vira em Paris. Como seu amigo americano, Pablo Picasso era um perfeccionista e obsessivo em tudo que fazia. Seu quadro não nasceu como um produto do acaso, de uma explosão instantânea de genialidade. Antes de ir a público, foram nada menos do que 809 croquis, até o pintor ficar totalmente satisfeito. Na época, escreveu uma frase profética:
"Na pintura, não existe nem passado nem futuro.
A arte que não estiver no presente nunca será arte."
Como em outros quadros célebres, Les demoiselles carrega consigo uma história e inúmeras lendas. Como já acontecera antes com a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci, The Night Watch de Rembrandt van Rijn e Las Meninas, de Diego Velázquez. No início, acreditava-se que havia sido pintado em Avignon, no Vaucluse, onde o pintor viveu por algum tempo. Mais tarde, descobriu-se que era uma homenagem de Picasso às prostitutas de um antigo bordel, na rue d?Avinyo, em Barcelona, onde ele passou parte da infância. Originalmente, o quadro era chamado de El Burdel de Aviñón, mas André Salmon mudou o título, tentando algo mais palatável ao público em sua galeria em Paris. Mas, muito depois do quadro ter sido adquirido pelo MoMA em 1939 e levado para New York, Picasso ainda o lembrava como Las Chicas de Aviñón. Ou, simplesmente, Las Chicas?
Este sentimento de perda era habitual em Picasso, que se afeiçoava por seus quadros e peças de arte. Em Les demoiselles, ele abandona as formas tradicionais de representar a figura feminina, introduzindo elementos geométricos - o que inspirou o rótulo "cubismo". Quando exibido ao público, levantou protestos e muita controvérsia. Mas Pablo Picasso não estava sozinho na reinvenção da pintura. Pouco antes da aparição das prostitutas espanholas de Picasso, outros grandes pintores já haviam causado comoção pública, mostrando banhistas nuas: Henri Matisse em Le Bonheur de Vivre e Nu Bleu e Paul Cezanne, com suas indecorosas Les Grandes Baigneuses.

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Não há consenso sobre as motivações que levaram Picasso a romper com     a "Fase Azul" anterior e o desembarque no movimento cubista. Algumas coincidências de calendário apontam para 1900, quando ele chega a Paris, então em plena efervescência cultural e artística. Divide uma mansarda sem calefação com o poeta e jornalista Max Jacob e, segundo se diz, queimavam desenhos de Picasso para se aquecerem no inverno. Será pelas mãos de Max Jacob que Picasso conhece Gertrude Stein e passa a conviver com o grupo de artistas e escritores conhecidos como The Lost Generation.
Agradecido pela acolhida, Picasso pinta um retrato de Gertrude Stein, que se transforma em um objeto de louvação dos frequentadores do apartamento da rue de Fleurs, 27. Por ali circulavam figuras como Henri Matisse, Guillaume Apollinaire, George Braque, Ernest Hemingway, James Joyce, F. Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis e Ezra Pound. Artistas e escritores pobres não compram arte, mas Picasso faz amizade com o marchand alemão, Daniel-Henry Kahnweiler, que procurava talentos para sua nova galeria. Caberá a ele livrar Picasso da prisão, no bizarro episódio de 1911, quando ele é acusado de surripiar a Mona Lisa do Louvre.

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Há biógrafos que apontam as mulheres de Picasso como as grandes influenciadoras de sua obra - até mais do que os grandes impressionistas que ele conheceu em Paris. O pintor era um grande emotivo e suas amantes e esposas serviram de modelos para retratos que testemunham variáveis de amor e ódio.
Um exemplo, os personagens na Fase Azul são quase sempre sombrios, o que coincide com o período pouco afortunado de Picasso em Madrid.
Mas quando ele chega a Paris, ganha novos amigos e se apaixona por Fernande Olivier, deixando a tristeza para trás. Começa então sua Fase Rosa, com palhaços, artistas circenses e tipos alegres. Mas não dura muito. Ao conhecer Georges Braque, um dos precursores do cubismo, passa a adotar uma nova linguagem em Les Demoiselles, onde retoma o estilo das esculturas africanas do início de sua carreira.
A distorção das figuras de homens e animais, como forma de mostrar e interpretar a realidade, chega ao ponto mais expressivo em 1937, quando pinta o antológico painel Guernica, como uma resposta aos horrores da guerra civil na Espanha.
Pablo Ruiz Picasso continuaria a pintar incansavelmente, até as vésperas da morte, em 8 de abril de 1973. Ao completar 91 anos, em uma entrevista à TV francesa, ele confessa:
"Cansei-me de ser moderno. Quero ser eterno."

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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